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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

OS TRÊS SILÊNCIOS MAÇÔNICOS

OS TRÊS SILÊNCIOS MAÇÔNICOS
Por Carlos Alberto Carvalho Pires, M∴M∴

Introdução

Aristóteles (384 – 322 a.C ) afirmava que “a tarefa mais difícil para um homem comum é guardar um segredo e permanecer em silêncio”.

Meus caros Irmãos,

Desde nossas primeiras instruções aprendemos que ver, ouvir e manter-se calado é nosso juramento mais sagrado.

Mas, qual seria a importância da aplicação rigorosa da Lei do Silêncio para a sobrevivência ad aeternum de nossa Sublime Ordem? Esta simples pergunta encerra um complexo e importante assunto, que deve ser objeto da atenção de todos.

Antes de respondê-la é preciso realizar um breve estudo sobre este magnífico tema.
Como ponto de partida realizaremos uma breve reflexão sobre o real significado do termo “Silêncio”, quando voltado ao universo Maçônico. Depois, faremos um levantamento histórico para entender como os sábios do passado se manifestaram a respeito, e sua relação na prática ritualística. Em seguida, discutiremos a questão aplicada diretamente aos nossos Mistérios.

Nosso objetivo é demonstrar que, apenas com respeito absoluto aos princípios que regem a chamada “Lei do Silêncio”, toda tradição de tempos imemoriais que rege nossa Sociedade Fraternal estará protegida das turbulências da atualidade, tendo sua sobrevida garantida. Caso contrário, a derrocada será uma certeza. Partindo deste raciocínio extremamente estimulante para todo livre pensador, propomos aos Irmãos que dediquem alguns breves momentos de reflexão sobre este maravilhoso capítulo de nossa jornada em busca da Verdade.

Conceituação Fundamental

Iniciação: No momento em que o ser humano deixou de ser nômade, após o desenvolvimento da agricultura e das primeiras civilizações, surgiram as chamadas comunidades místicas. Estas interpretavam os fenômenos naturais através de teorias esotéricas. Logo em seguida apareceram as sociedades iniciáticas. A admissão a estas instituições ocorria a partir de um ritual de passagem, conhecido como “Iniciação” – palavra que deriva do latim “initiare” , significando a aquisição de novos conhecimentos indisponíveis às pessoas em geral.

Mistérios: Durante as cerimônias de Iniciação são revelados os “Mistérios”, ou seja, as condutas, princípios e métodos de trabalho que não podiam ser de conhecimento livre do restante da comunidade. Mistério é um termo que vem do grego “myen” , que se traduz por “boca fechada” em relação a algo que é conhecido por poucos, e estranho à maioria das pessoas. Outro sentido atribui uma origem a partir de “mysterium”, palavra grega derivada de “muste” ,que denomina algo indecifrável, inexplicável ou oculto.

Segredos: Os ensinamentos repassados aos iniciados eram classificados como “Segredos”. Esta palavra se origina de “secretum”, que denomina, em latim, aquilo que deve ser tratado em separado, à parte, ou seja, que não integra o universo de conhecimento geral. Segredo é tudo que deve se ocultar dos que não apresentam condições morais ou intelectuais para conhecê-los, e que assim pode ser mal interpretado por estas pessoas despreparadas.

De acordo com Evola, em sua obra “La Tradizione Hermetica”, o Segredo Iniciático “não está ligado a um exclusivismo sectário ou a um não querer dizer, mas sim a um não poder dizer, pois a inevitável incompreensão dos profanos certamente vai desvirtuar o ensinamento” .

Silêncio: Percebemos que os significados de Iniciação, Mistérios e Segredos são equivalentes e complementares. Por isso, devem apresentar um elemento comum, como agente de união, que possibilita a simbiose de todos estes termos, convergindo-os para um foco comum.

Este catalisador é o Silêncio. Trata-se de componente essencial à guarda dos Segredos, à preservação dos Mistérios e da tradição presente nos rituais de Iniciação. Quanto ao termo em si, analisando suas raízes no latim, chegamos a “silentiu”. Significa a interrupção dos barulhos ou a ausência de som. Seria a postura de quem fica quieto ou calado.

Considerações Históricas

Pitágoras de Samos (571 a 496 a.C.) , matemático e filósofo grego, influenciou as teorias de Euclides, Arquimedes e Platão. Além de embasar os conceitos surgidos na Idade Média e na Renascença, se manifesta atualmente no chamado Neopitagorismo. Em relação ao Silêncio, exigia o mais absoluto sigilo de todos quanto a doutrina e ritualística que empregava, além de proibir qualquer manifestação oral por parte dos aprendizes, pelo período mínimo de três anos. Este grau era chamado de “acústico”, por apenas permitir a audição das situações. Pitágoras afirmava que “quem fala semeia e quem escuta recolhe”.

O Zoroastrismo, surgido na Ásia Central por volta de 1750 a.C., se relaciona intensamente com a idéia do Silêncio. Considerada uma das religiões mais antigas e importantes, sua doutrina de uma só divindade influenciou o surgimento das três grandes religiões monoteístas da atualidade: Cristianismo, Judaísmo e Islamismo. Zaratustra, seu fundador, teria sido gerado por uma virgem. Deu uma grande gargalhada ao nascer, que pode ser encarada como uma manifestação inicial barulhenta de alegria. Possuía grande sabedoria, desde a infância, que se manifestava pela sua imensa capacidade de conversação. Mas, a partir dos sete anos teria começado a cultivar a quietude e a contemplação. Já na fase adulta viveu isolado, em Silêncio, nas cavernas no deserto. Depois de sete anos de sigilosa existência, recebeu a revelação divina. Concluímos que somente após esta fase de profunda meditacão silenciosa o poderoso mestre teve condições de alcançar a sabedoria. Outra referência observada diz respeito à regra de colocar os mortos em grandes edificações arredondadas, chamadas de Torres do Silêncio, nas quais permaneciam ao ar livre. Em absoluto Silêncio os homens atingiriam o divino, após sua passagem pela Terra.

No antigo Egito havia um deus do Silêncio, chamado Harpócrates, cuja imagem era retratada como a famosa figura de uma criança com as mãos sobre os lábios. Nas sociedades iniciáticas da região, idealizadas pelos sacerdotes que apoiavam os faraós, os neófitos assumiam um estado de Silêncio total, a fim de manterem os segredos e permanecerem em meditação, regra que seria adotada por todas as sociedades iniciáticas posteriormente.

Sidartha Gautama, depois conhecido como Buda, em 500 a.C., defendia o Silêncio absoluto como condição sine qua non para se atingir o nirvana – o estado ideal de paz e plenitude. Ele próprio se manteve em Silêncio total por sete anos , de acordo com a tradição budista, antes de se tornar “O Iluminado”.

Os Essênios também demonstravam uma forte tradição contemplativa relacionada ao Silêncio. Um triângulo contendo uma orelha e outro contendo um olho, significando que tudo era visto e ouvido, mas não podiam falar, por não terem boca. Era um dos mais importantes símbolos desta antiga cultura, que floresceu há mais de dois mil anos atrás.

A Mitologia Grega é rica em passagens que enaltecem o valor do Silêncio. Orfeu silenciava a natureza e dominava todas as situações com a magia de seu canto e de sua música executada numa lira. Eurípedes, por volta de 470 a.C., em sua obra ”Os Bacantes", considera que apenas os mistérios submetidos à lei do segredo podem ser considerados legítimos.

1- O Silêncio durante os Trabalhos Ritualísticos

Nossos trabalhos devem ser conduzidos respeitando a Lei do Silêncio. A doutrina e os regulamentos se referem a esta questão em diversos capítulos, deixando claro que a regra é a discrição, e as falas são uma exceção fugaz permitida em determinados momentos. Oswald Wirth, grande teórico do Simbolismo, iniciado na Loja “Bienfaisance Châlonnaise” em 1884, defende que o aprendizado deve ocorrer pelo Silêncio, evitando-se as palavras que podem faltar com a verdade.

Nicola Aslan vai além, dizendo que “o Silêncio é um prelúdio de abertura para a revelação, que envolve os grandes acontecimentos, assinala o progresso, e o desejo de ouvir e entender o próximo”.

Na Constituição de Anderson (1723), em seu art. 6o , é mencionado enfaticamente que não devemos “realizar conversações separadas sem permissão do Mestre, nem falar de coisas impertinentes ou indecorosas, nem agir jocosamente nem apalhaçadamente, enquanto a Loja estiver ocupada com assuntos sérios e solenes; nem usar linguagem indecente sob qualquer pretexto que seja”. Nos reunimos em Templos, que representam "a fortaleza da paz e do Silêncio” de acordo com Isaías (cap. 30 v. 15). A moderação é uma necessidade elementar, pois possibilita o contato com o divino, obtida em momentos de contemplação – ausentes em quem fica distraído com falas em excesso, que podem facilmente trair a verdade.

Em nossos trabalhos ritualísticos o respeito ao mais rigoroso Silêncio é uma constante. Mesmo antes da própria admissão, já se começa a exercitar tal princípio. Nos momentos que precedem as Iniciações, quando o candidato permanece na Câmara de Reflexões, o Silêncio é fundamental. Pode ser a primeira vez que o profano tem uma chance de, sozinho, meditar sobre diversas questões que afligem a alma humana, em atitude contemplativa, rara na correria do dia a dia.

Em todas as cerimônias de Iniciação os obreiros devem se manter rigorosamente em Silêncio, principalmente ao longo do interrogatórios, nos quais poderemos encontrar várias vezes pausas silenciosas para que o candidato possa refletir sobre aquilo que acabou de ouvir, sentir ou contemplar.

Durante o transcorrer das Sessões, diversas vezes o Silêncio é lembrado como premissa básica para a harmonia dos trabalhos. Vemos isso claramente quando o 2o Diácono responde ao Venerável Mestre que deve zelar para que os Irmãos se mantenham em suas colunas com respeito, disciplina e ordem.

Em alguns Ritos, após a abertura do Livro da Lei, é dito que não é mais permitido se falar sobre assuntos estranhos aos da Ordem.

Quando os Vigilantes anunciam que se faz Silêncio nas Colunas, além de significar que os Irmãos não querem se manifestar, nos traz uma mensagem adicional de que todos estão e devem permanecer em Silêncio.

Isto vale para os momentos de giros da Bolsa de Propostas e de Informações e do Tronco de Solidariedade.

A disciplina ritualística é um dos ensinamentos fundamentais que os grandes sábios da Antiguidade exigiam dos Neófitos. Quem fala muito, pensa pouco, rápida e superficialmente. Devemos ser mais pensadores do que faladores. Sem a manutenção deste comportamento altamente circunspecto e solene durante os trabalhos – que é raro em entidades profanas – estamos transfigurando o objetivo precípuo de nossas reuniões: a criação de um ambiente sereno, harmônico e de tranqüilidade, propício à contemplação.

O Silêncio como Obrigação Sagrada

O Silêncio quanto a tudo que vivenciamos entre Colunas é nossa obrigação mais sagrada. Em todos os Ritos, Regulamentos e Codificações regulares sua necessidade é declarada de maneira expressa como uma regra a ser seguida, sem questionamentos ou dúvidas. As sanções aos eventuais perjuros podem chegar a expulsão ex-officio , de forma inapelável.

Nossa relação com o Silêncio se inicia nas brumas da Lenda de York. De acordo com esta narrativa, no ano de 926, na cidade de York, capital do território da Nortúmbria, sob o reinado de Athelstan, foi realizado um Grande Congresso de Maçons. Coordenado pelo Príncipe Edwin, com autorização oficial do rei, ali foi estabelecido o primeiro Regulamento Geral de nossa Ordem. Neste, já se mencionava a necessidade de sigilo absoluto sobre os mistérios específicos da Arte Real.

De acordo com as chamadas “Old Charges” ou Antigas Obrigações – conjunto de documentos e regras que norteiam nossos regulamentos atuais - a defesa expressa da manutenção do Silêncio durante os trabalhos ritualísticos e perante os não iniciados é uma necessidade. Dentre estes documentos, destacamos o Manuscrito Régio, de 1389, e o Cookie, datado da primeira metade do século XV e divulgado apenas em 1861. Ambos orientam para a necessidade de sigilo em relação aos nossos mistérios sagrados.

Logo após a unificação da Grande Loja da Inglaterra, em 24 de Junho de 1717, foram criados os primeiros catecismos oficiais.

Descreviam os três pontos fundamentais que caracterizavam um maçom: a fraternidade entre todos, a fidelidade à Ordem e a todas suas regras, e permanecer calado sobre tudo que conhece – este item representando a verdade ente os maçons.

No Livro das Constituições de Anderson (1723) , prega-se o bom exercício da prudência e do Silêncio. Analisando o art 6o, itens 2-5, percebemos uma orientação acerca da postura dos obreiros quando em presença de profanos: “os Maçons devem ser circunspectos em suas palavras e obras, a fim de que os profanos, ainda os mais observadores, não possam descobrir o que não seja oportuno que aprendam.”

Claramente é enfatizado que devemos ficar calados sobre assuntos que dizem respeito exclusivamente aos já iniciados.

Os “Regulamentos Gerais da Ordem” , também publicados em 1723 na Inglaterra juntamente com a Constituição, pune com severidade aqueles que revelam os segredos violando os juramentos sobre os rituais, lendas e mistérios, ou mesmo se levam ao mundo profano qualquer assunto tratado em Loja.

“Vide, Audi, Tace” é a famosa expressão latina transcrita na magnífica flâmula da Grande Loja Unida da Inglaterra, estabelecida a partir de 1813, e que está presente no brasão de várias Potências Regulares. Em muitos casos vemos uma complementação da seguinte forma: ..”si vis vivere in pace”. Interpretando tais palavras, podemos entender esta tradicional passagem como uma clara orientação a todos:

“veja, ouça e cale-se sobre tudo o que viu e ouviu e seja feliz”. Por ser feliz entenda-se ter a consciência tranqüila, ser considerado um leal companheiro e não correr riscos de sanções morais ou regulamentares.

1. Em 1858 foram estabelecidos os Landmarks de Albert G. Mackey. Respeitados em todo mundo, seguiam uma tradição que remonta o emblemático ano de 1723, quando o termo foi cunhado. São o que existe de mais sagrado em termos de orientação doutrinária, e juramos respeitá-los repetidas vezes, durante nossas Instruções e leituras. O landmark no. 23 preconiza o sigilo absoluto obrigatório que todo maçom deve conservar sobre os conhecimentos transmitidos em Loja.

Finalizando, citamos a importante “Declaração de Princípios das Grandes Lojas Brasileiras”, em seu art. 6o, na alínea „a‟, “considera o sigilo absoluto uma lei essencial a ser seguida”.  Existe uma Crise?

O principal dever de todo maçom é guardar o mais rigoroso segredo sobre todos os assuntos estritamente relacionados à Ordem.

Sabemos muito bem disso, desde nossa Iniciação, na qual realizamos nossa promessa formal. Mas, se todos respeitassem adequadamente esta regra, não veríamos tanto material de uso restrito circulando indevidamente na mídia. Muitos detalhes “reservados” são de pleno conhecimento de profanos. Esta é uma lamentável e terrível realidade que só pode ser atribuída ao flagrante desrespeito à Sagrada Lei do Silêncio, que ocorre atualmente. Esta, que nos foi legada pelos bravos Irmãos do passado ao custo de muito trabalho, sacrifício e sangue, está sendo desprestigiada, ultrajada e jogada, literalmente, no fundo da caverna do esquecimento. Se isto persistir, a existência de nossa gloriosa Ordem pode estar com os dias contados. Esta postura, que vai contra os princípios fundamentais que sustentam nossas Colunas desde o início dos tempos, pode e trará nossa ruína em um futuro próximo.

Neste ritmo, vamos nos aproximando perigosamente do perfil de outras agremiações que nada apresentam em termos de conteúdo iniciático. Paulatinamente, tal como um vírus mortal que vai corroendo homeopaticamente um organismo moribundo, esta tendência nos transformará em um clube de serviço, ou uma organização não governamental qualquer – as Sessões se tornarão uma reunião festiva de amigos que ficam encenando conceitos meramente teatrais e práticas rituais mecânicas, sem conexão alguma com as tradições místico-esotéricas, que são a verdadeira razão de nossa existência. Certamente, as altas taxas de emissão de quites placet, motivo de apreensão de muitos estudiosos, são em grande parte decorrentes desta postura, que se torna cada vez mais comum nos diversos orientes. Desapareceram as masmorras da Idade Média, as fogueiras da Inquisição e os déspotas com suas ambições ilimitadas. Surgiram as trincheiras do mundo virtual, da alta tecnologia de informação, e dos modernos meios de comunicação de massa. Estes agentes pressionam sistematicamente no sentido de que todos os nossos mistérios sejam revelados ao mundo profano.

Conclusão

Pelo grau de complexidade e importância, o tema proposto deve estar permanentemente na Ordem do Dia de todo Maçom responsável. Ou nos silenciamos ritualisticamente, buscando resgatar os antigos valores da contemplação, ou vamos ser silenciados à força pelo abatimento generalizado de todas as Colunas. A opção assumida agora, pelos bravos Irmãos, vai determinar nosso futuro. Esta luta, contra as forças primitivas do caos e da desordem representados pelo excesso de barulho, é a que mais nos importa. Nossa vitória trará a certeza de que todos os mais sagrados valores de nossa Ordem estarão operando com toda força e vigor, por toda eternidade.

Referências bibliográficas:

1- GLESP – “Ritual do Simbolismo do Grau de Aprendiz Maçom”, edição 2001.
2- Aslan, Nicola, “Comentários ao Ritual de Aprendiz – Vade Mecum” , 1a Ed., Londrina, PR, Editora “A Trolha”, 1995.
3- Aslan, Nicola, “Landmarques e Outros Problemas Maçônicos”, 2a Ed., Rio de Janeiro, 1972
4- Robinson JJ, “Os Segredos Perdidos da Maçonaria”, Editora Madras, São Paulo, 2005;
5- MacNulty W K , “Maçonaria: uma Jornada por Meio do Ritual e Simbolismo”, Editora Madras, São Paulo, 2006 ;
6- Baigent, M.; Leigh, R., “O Templo e a Loja”, Editora Madras, São Paulo, 2005.

Fonte: JBNews - Informativo nº 141 - 15/01/2011

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