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terça-feira, 21 de dezembro de 2021

SOBRE ZOROASTRO E O MAZDEÍSMO

Zoroastro
SOBRE ZOROASTRO E O MAZDEÍSMO
Pequeno ensaio sobre as origens do Mazdeísmo e do monoteísmo, bem como da vida de Zoroastro e os costumes ancestrais dos Arianos

por Mohamad Ghaleb Birani,

1 - Em uma época que para nós é desconhecida – em que os ancestrais dos persas e dos hindus ainda estavam unidos – estes arianos já eram devotos do deus Mithra; Tanto os hinos avésticos quanto os védicos já lhe prestavam culto e, mesmo com todas as diferenças posteriores, preservaram ainda seus traços mais marcantes, o que não deixa qualquer dúvida acerca das origens comuns destes povos. Ambas as religiões viam a esta entidade como um deus da Luz, protetor da Verdade que, invocado juntamente com o Céu, era também o último bastião contra as forças das Trevas. Se para os ários que foram se estabelecendo nas montanhas de Zagros (no atual Irã) este deus era chamado de Ahura, para os hindus era chamado de Varuna e, para os gregos tardios, Urano.

Como Mitra fosse o deus da Luz e da Verdade, foi natural sua conversão em um princípio ético que determinou toda a formação e a vida de um povo; Era, portanto, o norte espiritual de todo um povo afeito a conquistas e embates contra outros povos, podendo ser traduzido mais objetivamente como a quintessência dos valores mais tradicionais destes povos arianos; Vemos isto, posteriormente, no epíteto que define até hoje os persas do Período Clássico dos Aquemênidas e dos Grandes Reis: a obrigação de todo persa era “montar a cavalo, atirar com o arco e falar a verdade” (Heródoto, História, I,CXXXVI). 

Pouco sabemos, em verdade, sobre a origem e os motivos
Torre usada pelos seguidores de Zoroastro
para depositar os cadáveres
das migrações destes povos que se espalharam em um determinado momento de sua História – seja por uma grande fome, seja pela simples vontade de se aventurar em terras distantes – e que, posteriormente, formaram o braço indo-ariano (persas, hindus) e os indo-europeus (berço das grandes civilizações ocidentais tais como a Grega e a Romana); Mesmo nos Hinos Védicos o que resta de Mitra pode ser considerado apenas um fragmento, parcialmente extinto que, mesmo assim testemunha a grandeza do culto por estes povos em sua Pré-História. A importância do culto à Luz, a guisa de curiosidade, é inclusive bastante forte no budismo. É certo que sua memória foi conservada no Avesta – o livro sagrado dos Persas – de forma muito mais marcante que na literatura sagrada sânscrita. Mas, mesmo assim, podemos identificá-lo com bastante segurança ainda hoje no panteão de deuses arianos, anteriores à teologia dos hindus.

Importa saber, entretanto, que as tribos do Irã, muito antes da grandeza recém-adquirida na época dos Grandes Reis iniciada por Ciro, o Grande, jamais deixou de cultuar a este Deus da Luz até sua conversão total ao Islamismo e, mesmo após esta conversão, o culto resistiu; O interesse é evidente para os que se dedicam ao estudo do cabedal simbólico da Maçonaria, bem como pelo simples fato de ter sido a primeira grande religião monoteísta testemunhada pela Humanidade que influenciou todas as demais; Em um segundo momento, tais conceitos nos são por demais interessantes pela idéia e cultura da Virtude (Arete) que surgiu a partir disto, ordenando a construção de um grande império baseado apenas no conceito de valor, verdade e honra. Esta idéia de virtude – que foi desenvolvida mais aprofundadamente no meu trabalho sobre Homero e a Arete dos Gregos – é o traço mais característico destes povos de origem ária e ainda hoje, objeto de investigação por grande número de eruditos em todo o mundo.

O mitraísmo, puro e simples destas tribos ancestrais, sofreu uma grande reforma quando do surgimento de Zarathustra Espítama (ou Zoroastro para os gregos que sempre foram incapazes de compreender qualquer idioma que não fosse o seu); Antes deste grande reformador, os ancestrais dos persas e dos hindus tinham uma religião bem próxima ao paganismo, com seu culto a entidades mais tardes consideradas como demônios que, por sua vez, representavam as forças da Natureza, da forma como mais ou menos se encontrou representada em várias culturas ocidentais posteriores.

Zoroastro, que não tolerava a existência deste caos religioso tão próprio do paganismo, por sua vez, foi o responsável por introduzir os até então inéditos conceitos de monoteísmo e dualismo (a Luz contra as Trevas, o Bem contra o Mal, a Verdade contra a Mentira, etc.), sendo que o campo de batalha desta eterna luta seria o próprio espírito do homem. Outra grande reforma foi ter Zoroastro contestado e relegado à condição de demônios todos os outros deuses do panteão ariano, promovendo a Mitra à condição de deus maior, a quem lhe atribuiu o nome de Ahura-Mazda, ou o Senhor da Sabedoria (o Sábio Senhor ou ainda o Espírito Sábio); Se, antes Mitra era apenas mais um dos deuses – que representava o Sol – assim como os outros deuses do firmamento, depois da reforma teológica promovida por este grande sábio, passa a ser o deus máximo, o criador de tudo, fonte de todas as forças naturais a quem o homem deve render culto para não sucumbir ante as forças do mal.

Apesar dos gregos antigos terem considerado Zoroastro como personagem histórico – alguns clássicos chegaram a lhe conferir sua existência há mais de 5.500 anos antes de sua própria civilização -, assim como os Babilônicos, cujo registro escrito aponta para sua existência em algum período entre os anos 2.000 e 1.000 a.C., pouco se sabe sobre sua vida que não o fato de ter vivido por muito tempo; No entanto, os eruditos modernos atribuem sua existência entre os Séculos V e VI a.C., sendo hoje bastante aceita a teoria de que Zoroastro foi contemporâneo dos Grandes Reis da dinastia Aquemênida: o primeiro nobre a se converter à nova fé teria sido o príncipe Histaspes, um dois sete grandes nobres persas da tribo de Pasárgada, pai do que veio a ser conhecido como o Grande Rei Dario I.

A lenda, mais ou menos parecida nas várias fontes que nos chegaram até hoje, nos conta que o profeta ariano teve uma concepção divina: um anjo se transformou em seiva de haoma (soma, para os hindus) – que era uma planta com a qual se fazia a bebida sagrada – e assim passou para o corpo de um sacerdote ariano; Um raio de luz fecundou então uma jovem de linhagem nobre e este sacerdote se casou com ela e, assim foi concebido Zarathustra, do clã dos Espítamas. No dia de seu nascimento, segundo a lenda, a criança sorriu e os espíritos malignos que o circundavam fugiram de terror e espanto, eis que uma nova era de verdade e virtude havia sido anunciada.

Conta-se que ao atingir a idade adulta o profeta preferiu o isolamento e, nesta jornada em busca da iluminação no deserto, foi por várias vezes tentado pelo Espírito do Mal a seguir o caminho das Trevas, mantendo incólume sua fé ao Sábio Senhor, mesmo tendo passado por um período de descrença e revolta pelas desgraças que testemunhava. Entretanto, em sua peregrinação, eis que surge o próprio Atura-Mazda e lhe entrega o livro sagrado, o Avesta, o livro do conhecimento e sabedoria que lhe confiado a transmitir aos homens. Assim como Jesus Cristo, no início de suas pregações, foi ridicularizado pelos seus contemporâneos que não reconheciam a validade desta nova religião e se mantiveram cultuando a animais e ao sol como se fossem estes os próprios deuses1, resistentes a sua tão revolucionária e inédita doutrina.

As divindades desta religião, como vimos acima, antes da reforma de Zoroastro eram muito próximas às divindades Hindus: Mithra, era o deus do Sol (assim como Apolo, para os gregos); Anaíta, deusa da fertilidade e da terra (Vênus ou Afrodite), assim como tantos outros deuses do panteão ariano que nos parecem tão próximas dos gregos e romanos. Ou seja, estas entidades (deuses) serviam apenas para personificar tudo o que era sublime na natureza que, com a reforma mazdeísta, foram rebaixados à condição de Devas, ou seja, demônios. Em sua monumental História da Pérsia, P. M. Sykes, nos adverte que mesmo no sânscrito antigo, da época dos Vedas, o nome Asura (Ahura, no Avesta) já tinha como significação, “O Senhor” e os Devas (Daevas, no Avesta) queria dizer, entidades celestiais; Mais tarde, esta palavra ariana se transformou na palavra para denominar simplesmente Deus, como podemos ver nas línguas derivadas, theos, para os gregos, deus, para os latinos, etc.; Apenas como curiosidade, ainda sob a luz dos ensinamentos deste grande iranista, temos que, no período védico, estas duas classes de entidades (Ahuras e Devas) eram vistas como estando em eterno conflito entre si e na veneração dos homens; Na Índia, posteriormente e ao contrário do que ocorreu na Pérsia, os Devas eram as entidades ascendentes e os Ahuras as descendentes, não se sabendo apontar, quando, precisamente, tal inversão tomou forma.

É interessante notar como toda esta mitologia tem objetivos pedagógicos e éticos ao mesmo tempo; Para os Arianos primitivos, os Ahuras eram uma forma de guia moral para a boa conduta, a ordem e a verdade (Asha), ao passo que os Devas, demônios, representavam o lado negro da natureza humana (Druj), como a desordem, a mentira e a maldade. Nesta religião primitiva - da mesma forma como passou a ser no Zoroastrismo ou Mazdeísmo de forma mais refinada -, homens e seus deuses são apenas parte de um grande esquema cósmico e a Sabedoria, mais tarde representada pelo seu Senhor e deus supremo, Ahura-Mazda, estaria em agir conforme esta ordem cósmica, buscando a virtude que era a base do universo, o ponto de equilíbrio entre estas forças conflitantes e a suprema redenção da Humanidade. O objetivo, pois, desta crença nada mais era que a ciclópica tarefa de inserir o mundo dos homens na majestade soberana da virtude, ou Arta (Arete, para os gregos), para estes povos indo-iranianos.

De qualquer sorte, o deus Mitra, entidade máxima do paganismo anterior à reforma, era o deus dos sacrifícios e protetor dos guerreiros, talvez um dos traços mais marcantes da época em que os arianos ainda viviam em tribos que guerreavam entre si, onde ser virtuoso – valoroso, útil, enérgico, verdadeiro e confiável – era a qualidade máxima de um povo que vivia da guerra e para a guerra, ante a sua natureza absolutamente nômade em seus primórdios; Não era nada mais que a primitiva representação da eterna luta do dia contra a noite, da mesma forma que vários outros deuses protegiam determinados povos das forças da natureza. O mazdeísmo – ou seja, o sistema teológico zoroastriano -, na sua luta contra o caos de superstições que tais crenças geraram no homem antigo, diminuiu, e muito, sua importância, pois é fenômeno de um povo que, após longas migrações em busca de um paraíso na terra, finalmente se acomoda, porém não esquece seu passado remoto: a partir da reforma, hAura-Mazda passa a ocupar o ponto culminante da hierarquia celestial e, portanto, nenhum outro deva poderia ser considerado seu par. Entretanto, como é cediço, as antigas divindades não podem nunca ser substituídas e, estas divindades - assim como o próprio Mitra - passam a ser considerados Amshaspads que nada mais eram que divindades menores que auxiliavam ao Sábio Senhor a controlar o universo. Outras forças da Natureza ou arquétipos que possuíam representações foram rebaixadas à condição de gênios, ou Yazatas, criadas por Ahura-Mazda.

Nos “Mistérios de Mitra” de Franz Curmont temos que estes gênios menores foram associados a algumas “das abstrações divinizadas que os persas aprenderam a adorar. Como protetor dos guerreiros, recebeu como companheira Verethraghna, ou Vitória. Como defensor da Verdade, foi associado ao pio Sraosha, ou Obediência à Lei Divina; com Rashnu, Justiça; e Arshtat, Retidão. Como gênio tutelar da prosperidade, ele é invocado com Ashi-Vañuhi, Riquezas; e, com Parendi, Abundância.” (p.15) Como mais tarde veremos na História dos Romanos, foi esta modalidade iraniana que foi desenvolvida mais tarde – a doutrina da redenção dos homens por meio de Mitra, que ganhou força no Ocidente e concorreu com a fé primitiva cristã nos primórdios de nossa Era.

Na teologia de Zarathustra, importante ressaltar, Mitra passa a ser um gênio ou veículo da luz celestial, podendo ser, inclusive, confundido com a idéia do Logos: Ele aparece antes do nascer do Sol nos topos rochosos das montanhas e durante o dia, ele cruza o firmamento em sua carruagem puxada por quatro cavalos brancos e, quando a noite cai, ele ainda ilumina a superfície da terra – “sempre desperto e vigilante” – e ele não é o Sol, nem a Lua, nem as estrelas, mas com seus cem ouvidos e cem olhos, Mitra é onipresente. Mais uma vez, Curmont aponta que “por uma transição natural”, ele, Mitra, “tornou-se para a Ética, o deus da verdade e integridade; aquele que era invocado em juramentos solenes, que garantia o cumprimento dos contratos, que punia os perjuros. A luz que dissipa a escuridão e restaura a felicidade e a vida na terra; o calor que a acompanha e fecunda a natureza”. (p. 14). A Mitra foi atribuído apenas um lugar conveniente na hierarquia divina, eis que sua existência não pode ser facilmente impugnada por Zoroastro, ante à resistência do costume e da ortodoxia.

Várias vezes vemos seu nome invocado junto com Ahura-Mazda, eis que, conforme outro notável iranista, Jean-Jacques Mourreau, os dois deuses formam um par, pois a Luz do Céu e o próprio Céu são inseparáveis por natureza e, além disso, acreditava-se que o próprio Ahura-Mazda o criou, assim como fez com todas as outras coisas. Como vislumbramos nas escrituras zendes, Ahura-Mazda o criou para manter e vigiar o mundo todo.

O Mazdeísmo teve um grande impulso através de um nobre persa chamado Histaspes que, ao ouvi-lo, prometeu espalhar sua nova fé entre seu povo e é precisamente neste momento que surge a grande religião dos persas. Zoroastro teve uma vida longa e muito não se pode dizer de sua vida que não esteja envolvida em lendas e misticismo religioso; Os gregos contemporâneos o tomaram como verdadeiro personagem histórico que teria existido há mais de 5.000 ou 6.000 anos antes do nascimento de Platão; Pelos registros babilônicos, sua existência foi dada em algum período entre 2.000 e 2.100 a.C. Entretanto, historiadores modernos atribuem sua existência entre os séculos V e VI a.C. sendo hoje bastante aceito que o aquele primeiro nobre que se converteu à nova fé era pai do Grande Rei Dario I que a adotou como a religião oficial dos reis Aquemênidas, ou seja, o período dos grandes reis da Pérsia.

2 - Zoroastro foi o profeta do povo iraniano e sua doutrina, mais tarde espalhada pelo Império Persa (talvez servindo como instrumento político ou de unificação adotado pelos reis Aquemênidas), mesmo com todas as reformas aplicadas por si, não deixou de ser essencialmente ariana. Os arianos, como apontam grande parte dos eruditos que se dedicam ao estudo de questões irânicas, não praticavam o proselistimo. Sua religião, desde sempre, foi unicamente sua e não procurava impô-la a quem quer que fosse. Antes de Dario I, temos o Grande Rei Ciro, fundador da dinastia dos Aquemênidas e principal unificador das tribos persas que, durante o período de sua vida, desceram das montanhas para formar um império como jamais conhecido até então, rivalizado apenas pelos romanos posteriores.

Esta ética ariana, mais tarde desenvolvida por Zoroastro, encontra alicerce na vida de Ciro, o Grande; Antes, no entanto, é preciso esclarecer que a atitude de respeito em relação as outras crenças não era produto da indiferença ou mesmo do ceticismo, como nos alerta Will Durant e o próprio Heródoto, quando atestou, em sua História, que “os Persas assimilam facilmente os costumes estrangeiros” (p.132, I,CXXXV). Era uma atitude de natureza absolutamente indo-européia – no caso, indoiraniana – como mais tarde veremos na posterior civilização latina, onde por muito tempo se puderam oferecer orações em um altar dedicado aos deuses desconhecidos de outros povos, até mesmo para que lhe fossem concedidos augúrios favoráveis aos seus objetivos. 

O magistral Fustel de Coulanges pontificava, de mais a mais, que “Devemos reconhecer que os antigos, com exceção de algumas raras intelectualidades da elite, jamais representaram Deus como um ser único, núvio. Cada um dos seus inumeráveis deuses tinha o seu pequeno domínio; um, em uma família; outro, em uma tribo; aqueloutro, em uma cidade; estava ali um mundo bastando-se à providência de cada um deles. Quanto ao Deus do gênero humano, se alguns filósofos puderam adivinhá-lo, os mistérios de Elêusis puderam fazê-lo entrever aos mais inteligentes de seus iniciados; o vulgo nunca acreditou nele. Durante muito tempo o homem não compreendeu o ser divino senão como uma força que pessoalmente o protegia, a cada homem, ou a cada grupo de homens, quis possuir deuses próprios. Ainda hoje, entre os descendentes dos gregos, encontramos rudes camponeses orando com fervor aos seus santos, mas é duvidoso que se tem alguma concepção de Deus; cada grego quer ter, entre os santos, um protetor particular, uma providência especial. Em Nápoles, cada bairro tem sua madona; o lazzarone ajoelha diante da Madona de sua rua e insulta a da rua vizinha; não é caso raro encontrarem-se dois facchini discutindo ou brigando a facadas pelos méritos de suas respectivas madonas. Isto hoje constitui exceção e só a encontramos entre alguns povos e em determinadas classes. Entre os antigos, porém, mantinha-se por regra.” (p. 120)

A atitude do Grande Rei Ciro, portanto, para com os povos dominados - principalmente, os de origens semitas como os Assírios, Babilônios e os judeus que eram cativos destes últimos - é guiada pelo próprio ethos dos arianos; Era este rei praticante da religião e dos preceitos que mais tarde foram organizados e sistematizados por Zoroastro, promovendo sacrifícios a Ahura-Mazda, mesmo que ainda não tenho sido transformado no deus único da doutrina do profeta. Porém, com tal comportamento, que Ciro, o Rei dos Reis, não está muito afastado do ideal da filosofia mazdeísta e de seu grande e revolucionário profeta.

Salvando a vida dos vencidos, como nos adverte Jean-Jacques Mourreau, Ciro apresenta elevados valores humanos e de nobreza; Esta disposição de caráter é demonstrada também para com outros vencidos, tais como o riquíssimo rei da Lídia, Creso, antes considerado o homem mais agraciado pela fortuna no mundo Antigo e tantos outros importantes reis que sucumbiram ao Império Persa que recém se consolidava. Usei este exemplo – mesmo que inevitável ante à beleza da História deste grande homem – apenas para provar o quão sólido era o alicerce em que se baseou o mazdeísmo e a doutrina de Zoroastro Espítama, mais tarde adotada como religião oficial por este grande Império. Ciro, além disto, serviu para representar o ideal mítico do homem que, com o poder e a nobreza conferidos pelas suas conquistas, mantinha a consciência que tal poder lhe exigia ainda mais responsabilidades e obrigações. É o ideal mítico, portanto, do homem que, escolhido para guiar seu povo, responde à altura de seus anseios, mesmo que a tolerância religiosa seja apenas e ulteriormente, um aspecto político. Lega, para seu povo e para as futuras gerações, o exemplo da Arete, ou da Virtude, tão festejada inclusive entre os gregos da época de Xenofonte, seus mais encarniçados inimigos.

Não posso me furtar ainda ao comentário de que Ciro foi a aurora de um novo tempo, como gostaria de dizer Tito Lívio, pois, rompeu de forma radical com os tempos antigos que invariavelmente foram marcados pela crueldade, massacres e por todas as monstruosidades da guerra e do terror que ela produz nos homens. Suas conquistas – devemos dar este crédito aos historiadores antigos – tinham a finalidade de pacificar e não de destruir seus vizinhos; Não é, pois, o Grande Rei um esmagador de almas e sim, um arauto de uma era de paz e de prosperidade (mesmo que sob a condição do pagamento de tributos e submissão ao seu Império), possibilitando a seus conquistados o direito de viver pelos seus próprios costumes, leis e crenças, sem qualquer interferência.

Como vislumbramos, seu sucessor, Dario I, adotou a religião de Zoroastro como a religião oficial do Império Persa, sendo que Ahura-Mazda e sua doutrina recebida por Zarathustra, era uma ordem cósmica, política e social através das escrituras sagradas (Mathra-Spenta). Temos esta premissa representada em várias inscrições antigas, tais como esta: “Oh, Homem! Que não seja desagradável para ti a ordem que é de Ahura-Mazda: não deixe o caminho justo! Não te rebeles!”. Sabemos, ainda, que a religião para os antigos era algo como uma instituição estatal, eis que o homem antigo não conhecia liberdade individual – sua vida pertencia ao Estado, ipso facto; Voltando, desta forma, à questão metafísica, temos que Zoroastro interpretou Ahura-Mazda como tendo Sete Qualidades ou Aspectos: Luz, Bons Pensamentos, Direito, Domínio, Piedade, Bem Estar e Imortalidade, bem diferente da antiguidade remota dos arianos,quando estes atribuíam tais características ou arquétipos a entidades (demônios)isoladas, ou os Amesha Spenta (os Seres Imortais). Acrescidas a estas qualidades – que o povo recusou a seguir segundo os preceitos do monoteísmo e sim, da mesma forma politeísta a que estavam habituados a seguir – foram reconhecidos anjos da guarda (favrashi) que a teologia persa fazia crer que cada seguidor, seja homem, mulher ou criança, possuía. Os Devas, demônios das Trevas e da Mentira, assim como os Ahuras (liderados por Ahura-Mazda ou Ormuzd) possuíam também o seu líder e este era denominado, Angra-Manyu ou Ahriman, que nada mais era que um protótipo e Satã; Tudo indica que os judeus absorveram Satã dos persas, mais tarde legando tal conceito ao Cristianismo. Pela doutrina mazdeísta, ao demais, Ahriman, Príncipe das Trevas, Senhor do Caos e da Mentira, era também o criador das serpentes, vermes, formigas, aranhas, inverno, escuridão, crime, pecado e tantas outras pragas conhecidas pelo homem e que, na doutrina original, foram os causadores da fuga dos progenitores do paraíso dos arianos2 (Ayriana-Vaejo).

O Profeta acreditava que esses males eram espíritos malignos e espúrios que se manifestavam nas superstições populares, não passando da materialização de forças abstratas que impediam o progresso da Humanidade. Apesar da introdução deste protótipo de Satã, a doutrina de Zoroastro continuou sendo monoteísta, da mesma forma que a Cristã, com seus anjos e demônios, influenciando o puritanismo hebreu tanto como a filosofia grega; Ahura-Mazda, desta forma, era a soma de todas estas forças que conduziam à Verdade e a Virtude e o sua nêmese, Angra-Manyu, por sua vez, à Mentira e Corrupção. Mesmo com este antagonismo de forças do Bem e do Mal, devemos entender a religião de Zoroastro como essencialmente monoteísta, já que não é tão diferente, em sua essência, das religiões modernas.

3 -  Zoroastro, estabelecendo sua doutrina através do drama de uma luta eterna entre o Bem e o Mal na consciência de cada homem, criou, em verdade, um poderoso instrumento moral; A alma do homem – representada como um campo de batalha em que marcham forças contrárias – transforma cada homem em um guerreiro que em cada atitude promove avanços para as legiões tanto de Ahura-Mazda como Angra-Manyu. Ao final dos tempos, cada um destes guerreiros será julgado por suas atitudes, omissões e maus pensamentos e assim, sua alma poderá seguir ao Espírito da Sabedoria no caminho do Paraíso ou o Espírito do Caos ao inferno, de onde jamais poderá retornar. Cada homem, nos ensinamentos do Profeta ariano não era um simples peão em um jogo qualquer e, sim, personalidades que possuíam livre arbítrio, já que Ahura-Mazda também lhes concedeu inteligência para escolher o seu próprio caminho.

Suas obrigações, ao demais, eram simples: fazer do inimigo, um amigo; fazer do ignorante, um sábio e, converter o pecador em homem virtuoso, tudo através do exemplo.

O pior pecado para os mazdeístas, assim como no Código de Moisés, era a descrença, pois se tratava de uma religião da Sabedoria e tal como, não tolerava o culto a ídolos, nem sacrifícios humanos ou de animais. O Sol vigilante, representado nesta religião como a materialização de todos os valores da Virtude – e como a maior representação neste plano do poder de Ahura-Mazda (ou Mithra) - deveria ser cultuado do meio-dia à meia-noite e o homem, que seguiu a Verdade e foi piedoso durante sua vida, não deverá temer a morte, eis que o objetivo de toda a doutrina de Zoroastro era preparar a todos para o seu julgamento final. Assim, como nas religiões modernas, além do Céu e o Inferno, as almas também que não seguiram totalmente o caminho da Verdade contavam com o Purgatório para se purificar, caso suas más ações concorressem com seus pecados. Para a doutrina tradicional mazdeísta, o nascimento de seu Profeta previa o início de uma nova Era – a última Era antes do Juízo Final – que duraria 3.000 anos; Ao seu final, todas as almas seriam julgadas e se Ahura-Mazda saísse vitorioso desta guerra, as almas que lhe foram fiéis seguiriam para um Paraíso onde não existe escuridão, miséria e dor, sendo Angra-Manyu totalmente destruído para dar início a uma nova Era de Paz e Felicidade para a Humanidade.

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O objetivo deste pequeno ensaio era demonstrar a validade do mazdeísmo como religião universal e, principalmente, demonstrar sua influência sobre as principais religiões que se seguiram, tamanha é a semelhança dos conceitos de suas doutrinais teológicas, principalmente, no que diz respeito à escatologia, demonologia e dogmas. Em um segundo momento, é possível concluir que mesmo com a reforma promovida pelo Profeta ariano é impossível afastar crenças antigas – tais como o paganismo ou o culto às forças da Natureza – por estarem profundamente enraizadas no ideário humano desde os tempos mais remotos; Tais crenças e seus fragmentos ainda hoje se encontram nas religiões modernas como o Cristianismo e o Islamismo, em suas várias modalidades: ainda hoje vemos na hierarquia celestial estabelecida por estas religiões as figuras de anjos, demônios e uma série de outras entidades celestiais mesmo que submissas à idéia de um Deus único, onipresente e todo poderoso. Nos interessa ainda, na qualidade de iniciados, a figura do Deus da Luz e a própria Luz, pois mesmo com todas as modificações perpetradas por Zoroastro e seus seguidores (Magos) foi impossível afastar a figura de um intermediário entre homens e deuses – ou seja, de uma entidade protetora e bem mais próxima da humanidade, talvez à sua forma e semelhança -, bem como a associação da Sabedoria como originária da Luz e por si distribuída através do que se conveio a denominar como Logos.

Vimos que houve uma tentativa de se destronar a Mithra em favor de um deus superior e único - Ahura-Mazda - foi quase impossível: quando muito estas duas figuras, antes distintas, passaram a ser uma só na idéia de um Senhor ou Espírito da Sabedoria, Bondade e Virtude. É evidente que a história do mazdeísmo é muito mais rica e complexa do que a aqui apresentada e que existiram várias modalidades, tais como as que chegaram ao Ocidente, quando era ainda a religião dos guerreiros de Roma. Porém, o objetivo era apresentar as origens de uma religião associada ainda aos arianos – em especial, àquele ramo dos indo-iranianos que iriam mais tarde formar os hindus védicos, medos e persas e que gerariam ainda outras crenças como o hinduísmo e a religião dos Magos que mais tarde quase se confunde com uma das divisões do Islamismo – e não traçar um histórico completo. Ainda hoje existem fiéis no Irã moderno que seguem a doutrina zoroastriana, assim como toda a sua liturgia e teologia, mesmo que bastante alterada pelo decurso dos séculos e com a imensa maioria de fiéis islâmicos que ali encontramos. Quanto ao mais, o estudo passa a ser um belíssimo exercício comparativo e meditativo sobre os elementos simbólicos da própria Maçonaria, eis que, sem dúvidas, temos muitas influências da doutrina zoroastriana em nossos rituais, práticas e objetivos. Muito se fala sobre Zoroastro em palestras e trabalhos e é por isto que decidi lançar um pouco de luz sobre as origens deste sistema de crença que ainda nos tempos de hoje se nos afigura tão profundo e atual.

1 Yasna, Cap. 30-5,6 e 7.“5. Of these twain Spirits he that followed the Lie chose doing the worst things; the holiest Spirit chose Right, he that clothes him with the massy heavens as a garment. So likewise they that are fain to please Ahura Mazda by dutiful actions. 6. Between these twain the Daevas also chose not aright, for infatuation came upon them as they took counsel together, so that they chose the Worst Thought. Then they rushed together to Violence, that they might enfeeble the world of men. 7. And to him (i.e. mankind) came Dominion, and Good Mind, and Right and Piety gave continued life to their bodies and indestructibility, so that by thy retributions through (molten) metal he may gain the prize over the others.” (apud ww.avesta.org)

2 Avesta, Vendidad, Fargard 1-5, “Thereupon came Angra Mainyu, who is all death, and he counter-created plunder and sin.” (apud www.avesta.org)

Florianópolis/SC, 05-06 de agosto de 2010.

Bibliografia:
Heródoto. “História”, Editora Ediouro, São Paulo: 2001.
Curmont, Franz. “Os Mistérios de Mitra”, Editora Madras, São Paulo: 2004.
Durant, Will. “Our Oriental Heritage”, Simon and Schuster, Nova Iorque: 1954.
Coulanges, Fustel de. “A Cidade Antiga”, Editora Hemus, São Paulo: 1975.
Sykes, P. M. “A History of Persia”, Vol. I., Macmillan and Co., Londres: 1915.
Asheri, David. “O Estado Persa”, Editora Perspectiva, São Paulo: 2006.
Vários. “Sacred Books of the East”, Vol. XLVII, Oxford/Clarendon Press: 1897.

Na Internet:
http://www.avesta.org
http://www.farsinet.com/iranbibl/index.html
http://www.iranica.com - Encyclopaedia Iranica Online, Columbia University

Fonte: JBNews - Informativo nº 154 - 28/01/2011

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