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quarta-feira, 15 de junho de 2011

OS PRIMÓRDIOS DA MAÇONARIA EM SÃO PAULO

Do saudoso Ir∴ José Castellani


Em relação a outras Províncias brasileiras, como Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, a atividade maçônica na Província de S. Paulo começou relativamente tarde. Enquanto, nas Províncias citadas, os primeiros anos do século XIX já viam um grande desenvolvimento de Lojas e a fundação da primeira Obediência maçônica do território nacional, o Grande Oriente Brasílico, São Paulo só teria a sua primeira Loja em 1831. Sem embargo desse nascimento tardio, o florescimento da Maçonaria paulista, a partir da segunda metade do século, seria evidente, fazendo com que ela se tornasse, no século XX, o mais importante agrupamento maçônico do país, tanto em número de Lojas quanto em número de obreiros.

No primeiro quartel do século XIX, porém, a Província de São Paulo apresentava, em relação a outros pontos do país, um pequeno desenvolvimento, tendo, inclusive, uma capital ainda bastante acanhada. Na realidade, a cidade de São Paulo, nessa época, tinha pouco mais de 10.000 habitantes na cidade e cerca de 13.000 no município, restringindo o seu espaço físico a um raio de um quilômetro a partir do seu centro, como ocorria cem anos antes, limitando-se à colina de origem, ocupada pelo triângulo urbano delimitado pelos riachos Anhangabaú, Tamanduateí e Bexiga; seus bairros, localizados além desses riachos, eram arrabaldes sem edificações, pontilhados por esparsas chácaras. Sua iluminação urbana, escura e malcheirosa, era feita com azeite de peixe, por meio de lampiões suspensos a postes de madeira, ou diretamente presos às paredes das casas; não havia canalização de água, a não ser a do córrego Saracura, afluente do rio Anhangabaú, e a da represa do tanque do Bexiga, que abastecia de água o chafariz do Largo da Misericórdia e uma bica do Largo da Memória.

A cidade, todavia, tomaria um grande impulso desenvolvimentista, a partir de 1827, com a criação, a 11 de agosto, de um dos dois primeiros cursos jurídicos do país — o outro foi em Olinda (PE) — o qual se tornou um centro de ensino procurado por jovens de todo o país, colocando São Paulo no cenário cultural brasileiro e permitindo o intercâmbio com os principais centros culturais do Brasil e do Exterior. As idéias liberais, que haviam atingido o seu apogeu, na Europa, no último quartel do século XVIII e chegado ao Brasil nos últimos anos daquele século, através de brasileiros que estudavam na França, encontrava terreno fértil nas novas Academias de Direito e, daí, se estenderia à nascente Maçonaria paulista. E, embora, ainda durante algum tempo, fosse pequeno o desenvolvimento urbano, o impulso cultural, que foi dado a partir de 1827, iria contribuir para incrementá-lo, nos anos posteriores.

A primeira Loja da Província e S. Paulo foi a Inteligência, de Porto Feliz, fundada a 19 de agosto de 1831, no Rito Moderno e na jurisdição do Grande Oriente Brasileiro, um dos troncos — depois desaparecido — juntamente com o Grande Oriente do Brasil, surgidos do primitivo Grande Oriente Brasílico, que havia sido fundado a 17 de junho de 1822 e fechado a 25 de outubro do mesmo ano (1). Essa Loja duraria muito pouco, vindo a abater colunas antes de 1850, depois de ter passado à jurisdição do Grande Oriente do Brasil, a 19 de agosto de 1832. Logo depois, surgiria a primeira Loja da capital paulista, a Amizade, fundada a 13 de maio de 1832, a qual adotou o Rito Moderno, passando, depois, para o Escocês Antigo e Aceito — cuja primeira Loja, no país, é de 1829 — e se colocou sob a jurisdição do Grande Oriente Brasileiro, só passando para o Grande Oriente do Brasil em 1861, recebendo o número 141, no Registro Geral da Obediência. Foram sete os fundadores da Loja Amizade: José Augusto Gomes de Menezes e Vasconcellos Drumond — em cuja residência ocorreu a reunião de fundação — Constâncio José Xavier Soares, Bento Joaquim de Souza, João Manoel Lopes Pimentel, Luiz Fortunato de Brito, Bernardino José de Queiroga e Manoel de Jesus Valdetaro. Desses sete, cinco eram estudantes de Direito, mostrando, bem, a importância que a nova Academia teve no desenvolvimento da Maçonaria em S. Paulo, principalmente na capital (2).

Pouco depois da fundação da Loja Amizade, era criado, a 12 e novembro de 1832, o Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito para o Império do Brasil, com patente fornecida pelo Supremo Conselho dos Países Baixos, por Francisco Gomes Brandão, que, na onda nativista, alterara o seu nome para Francisco Gê Acayaba de Montezuma (gê, de um grupo indígena brasileiro; acayaba, de uma palmeira do Brasil; e montezuma, alusivo a um antigo imperador azteca), futuro visconde de Jequitinhonha. Esse foi um fato importante, porque, em pouco anos, a maior parte das Lojas da Província de S. Paulo, adotava o Rito Escocês Antigo e Aceito, apesar deste ter ingressado no país quase trinta anos após os ritos Moderno e Adonhiramita.

A partir daí, houve um período de grande atividade maçônica, com a fundação de diversas Lojas na Província, embora a maior parte delas tivesse efêmera existência, já que ainda não havia o suporte suficiente para um grande número de Lojas, numa região que, na época, apresentava uma baixa densidade demográfica. Assim, no ano seguinte ao da fundação da Amizade, eram criadas as Lojas Firmeza e Caráter, de Bragança Paulista, na jurisdição do Grande Oriente Brasileiro e no Rito Escocês; Fraternidade, de S. Paulo, do Grande Oriente Brasileiro e do Rito Escocês; Harmonia, de São Carlos, do G. O. Brasileiro e do Rito Escocês; União do Ypiranga, de S. Paulo, do G.O. Brasileiro e do Rito Escocês; Imparcialidade, do Grande Oriente Brasileiro e do Rito Escocês; Beneficência Ituana, do Grande Oriente Brasileiro e do Rito Escocês; Harmonia, de Areias, do Grande Oriente do Brasil e do Rito Moderno; Amor da Sabedoria, de S. Paulo, do G.O. Brasileiro e do Rito Escocês. Todas essas Lojas teriam vida muito curta, vindo a abater colunas em curto espaço de tempo; algumas duraram menos de cinco anos e a que teve existência mais duradoura foi a Harmonia, que abateu colunas em 1860. O fato de a maioria das Lojas ter sido fundada na jurisdição do Grande Oriente Brasileiro é explicável, já que este, criado um pouco antes do reerguimento do Grande Oriente do Brasil (Ver Nota 1), cuidara de instalar Lojas em diversas Províncias, para tentar firmar sua supremacia sobre o Grande Oriente do Brasil, já que ambos disputavam o direito de sucessão do Grande Oriente Brasílico de 1822. Quando do declínio e extinção do Grande Oriente Brasileiro, suas Lojas foram incorporadas ao G. O. do Brasil.

Apesar desse grande surto de 1833, os anos restantes da década iriam ser parcimoniosos em criação de novas Oficinas e iriam mostrar uma reação do Grande Oriente do Brasil. Assim, foram criadas apenas cinco Lojas, que eram: União e Fraternidade, de Bananal, fundada em 1834, na jurisdição do G.O. do Brasil e no Rito Moderno; Amor da Ordem Respeitada, de Ubatuba, fundada em 1837, na jurisdição do G.O. do Brasil e no Rito Moderno; União Paranagüense, de Paranaguá, no Paraná (então pertencente à Província de S. Paulo), fundada em 1837, na jurisdição do G. O. do Brasil e no Rito Escocês; Cruzeiro do Sul, de Bananal, fundada em 1838, na jurisdição do G.O. do Brasil e no Rito Moderno; Sete de Setembro, de Santos, fundada em 1840, na jurisdição do G.O. Brasileiro e no Rito Escocês. Tais Lojas, também pouco duraram: a União e Fraternidade abateu colunas cerca de dezesseis anos após a fundação; a Amor da Ordem Respeitada durou doze anos; a Cruzeiro do Sul resistiu cerca de vinte anos; a Sete de Setembro, menos de doze anos; e a União Paranaguense, cerca de treze anos.

A década seguinte, embora agitada, em termos políticos, com a Revolução Liberal de 1842, em S. Paulo — sob a liderança de maçons paulistas, como o padre Diogo Antônio Feijó (iniciado na Loja Amizade) e o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, o primeiro Grão-Mestre do Grande Oriente Brasileiro, do Passeio — e a instabilidade dos primeiros anos do Segundo Império, foi de marasmo para a Maçonaria paulista, com criação de poucas Lojas. Assim, depois da Sete de Setembro, só a 17 de junho de 1844 é que seria criada nova Loja, a Asilo da Virtude, de Capivari, da jurisdição do Grande Oriente do Brasil e do Rito Escocês, a qual duraria cerca de dezesseis anos; depois dela, veio a Loja Paz, fundada na jurisdição do Grande Oriente Brasileiro, em 1845 e desaparecida antes de 1860; também em 1845, seria fundada a Loja Fraternidade Curitibana, de Curitiba, que então pertencia à Província de S. Paulo; e, encerrando a paupérrima atividade da década, era fundada, a 15 de junho de 1847, na Capital da Província, a Loja Ypiranga, na jurisdição do Grande Oriente do Brasil e no Rito Escocês, a qual viria a abater colunas seis anos depois, tendo reerguidas e novamente abatidas suas colunas, posteriormente, em várias ocasiões.

Em compensação, o início da década seguinte viu a fundação da Loja Piratininga, tão importante quanto a Amizade, na História de S. Paulo; e esse foi o começo de um surto de Lojas importantes, por toda a Província, as quais teriam, nos anos subseqüentes, ativa participação nos movimentos abolicionista e republicano.

——— NOTAS ——–

1. Depois de fechado o Grande Oriente Brasílico, a 25 de outubro de 1822, a Maçonaria brasileira passou por um período de relativo adormecimento, devido a uma legislação cerceadora das atividades das sociedades ditas secretas. A partir do novo Código Criminal, sancionado a 16 de dezembro de 1830, com disposições bem mais brandas, em relação a essas sociedades, e, também, a partir da abdicação de D. Pedro I, a 7 de abril de 1831, os maçons começaram a se reagrupar.

Assim, seria fundado, em 1830, mas só instalado a 24 de junho de 1831, o Grande Oriente Nacional Brasileiro,o qual foi conhecido, no início, como Grande Oriente da rua de Santo Antônio, e, depois, como Grande Oriente da rua do Passeio, ou, simplesmente, do Passeio, em alusão aos locais em que se acomodou. Ao ser instalado, passou a se intitular, apenas, Grande Oriente Brasileiro, formado pelas Lojas União, Vigilância da Pátria e Sete de Abril, às quais se juntou a Razão, de Cuiabá. Menos de dois meses depois, a essas Lojas, juntava-se a Inteligência, a primeira Loja da Província de S. Paulo.

Já o Grande Oriente do Brasil, que se considerava sucessor da Obediência de 1822, reinstalava os três primeiros quadros, em outubro de 1831, sendo reinstalado, como Obediência maçônica, a 23 de novembro do mesmo ano. O seu Grão-Mestre era, novamente, José Bonifácio de Andrada e Silva, que já o dirigira por ocasião de sua fundação, enquanto que o Grão-Mestre do Passeio era o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Trinta anos depois, o Passeio estava no auge da decadência, com a passagem do visconde do Uruguai para o Grande Oriente do Brasil, acompanhado por vinte Lojas, incluída, entre elas, a Amizade, de S. Paulo. Ocorreria, logo depois, o desaparecimento do G.O.do Passeio, com a incorporação de suas Lojas ao G.O. do Brasil.

2. Durante praticamente todo o século XIX, a Faculdade de Direito de S. Paulo, foi um dos maiores celeiros da Maçonaria paulista. Dela, saíram, para os quadros maçônicos de Lojas importantes da Província, nomes como — só para exemplificar — Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Américo Brasiliense, Américo de Campos, João Cardoso de Menezes e Sousa (barão de Paranapiacaba), Joaquim Inácio Ramalho (barão de Ramalho), Bernardino de Campos, Campos Salles, Júlio Mesquita, Martinico Prado, Manoel de Moraes Barros, Pedro de Toledo, Pinheiro Machado, Prudente de Moraes, Rangel Pestana, Silva Jardim, Ubaldino do Amaral, Washington Luís e Wenceslau Brás.

Do livro ―Grande Oriente de São Paulo – 75 Anos‖ Edição do Grande Oriente de S. Paulo – 1996

Fonte: JBNews - Informativo nº 291 - 15.06.2011

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