Ir∴ Kennyo Ismail
Muito se diz sobre a relação da Maçonaria com o Iluminismo.
Mas até onde realmente foi essa relação? Teria o Iluminismo influenciado a
Maçonaria, ou a Maçonaria influenciado o Iluminismo? Seria mesmo a Maçonaria precursora da
democracia?
Kramnick[i] resumiu bem a intenção do movimento iluminista
ao declarar que sua ideia central era a de que a razão, e não a fé ou a
tradição, que deveria constituir o principal guia para a conduta humana. E onde
a Maçonaria entra nisso? Estudos de importantes historiadores têm relacionado a Maçonaria com o Iluminismo e creditado à instituição o
princípio da igualdade entre os homens, embrionário do movimento democrático[ii] [iii] [iv],
creditando-a também o papel de protagonista de revoluções, como a Revolução Francesa[v].
Um dos principais
pensadores do iluminismo, o filósofo alemão Immanuel Kant[vi], compreendeu essa vocação das Lojas
Maçônicas como uma vocação natural, de homens de bem se unindo e se comunicando com
seus semelhantes sobre questões que afetam a humanidade como um todo.
Habermas[vii], famoso
filósofo alemão da escola crítica, coaduna com tal pensamento, ao registrar sua leitura do
período iluminista:
A promulgação secreta do iluminismo, típica das Lojas, mas
também amplamente praticada por outras associações e Tisclzgesellschaften, tinha um caráter
dialético. Razão pela qual o uso público da faculdade racional a ser realizado na comunicação
racional de um público composto por seres humanos cultos, em si precisava ser protegido de se tornar
público porque era uma ameaça para todas e qualquer relações de dominação. Enquanto a
publicidade tinha a sua sede nas chancelarias secretas do príncipe, a razão não podia revelar-se
diretamente. Sua esfera de publicidade ainda tinha que confiar no sigilo; seu público, até mesmo como um
público, permaneceu interno. A luz da razão, assim velada de autoproteção, foi revelada em etapas.
Isso lembra a famosa declaração de Lessing sobre a Maçonaria, que na época era um fenômeno
europeu mais amplo: ela era tão antiga quanto a sociedade burguesa – “se de fato a sociedade
burguesa não é apenas a prole de Maçonaria”
(The Structural Transformation of the Public Sphere, Habermas, 1989, p. 35).
Em reforço à teoria da Maçonaria como berço do Iluminismo e
uma instituição emancipadora do indivíduo por meio da razão, tem-se o fato de que a
Maçonaria, anteriormente ao movimento iluminista, já praticava uma forma de governança democrática
por séculos, na qual o voto já era bem do indivíduo e não por propriedade ou localidade[viii] [ix].
Estudos indicam que essa ameaça maçônica ao absolutismo foi
motivadora de respostas como o decreto de Luis XV, em 1737, proibindo conselheiros reais e
administradores públicos de pertencer a Lojas Maçônicas, assim como o início da perseguição da
Maçonaria pela Igreja Católica, pelo decreto do Papa Clemente XII, em 1740, proibindo os
católicos do ingresso à Maçonaria e ordenando ao clero o seu combate[x].
Já Bullock[xi] evidencia em sua obra que, seguindo essa
vocação que impulsionou o iluminismo, de mancipadora do homem pela razão, a Maçonaria realizou
movimentos semelhantes nas colônias do Continente Americano, colaborando para a independência
dos Estados Unidos e dos países latino-americanos. No caso da Revolução Americana de 1776,
Morel e Souza[xii] afirmam que “é inegável a militância maçônica de líderes como Benjamin
Franklin, George Washington e La Fayette”. Essa militância maçônica inegável pode ser
constatada pela declaração de independência americana na qual, conforme Gomes[xiii], “dos 56 homens que
assinaram a declaração de independência, cinquenta eram maçons”.
Morel e Souza[xiv] também indicam a presença maçônica na
independência da América Espanhola, relacionando alguns libertadores da América como maçons:
Neste caso, ressalta-se a atuação do precursor dos
movimentos de independência, Francisco Antônio Gabriel de Miranda y Rodrigues. Este, após ser
iniciado na maçonaria dos Estados Unidos, fundou em Londres a Logia Gran Reunión Americana, destinada
a preparar militantes para lutar pela independência da América espanhola. Esta Loja foi um foco de
expansão do ideal de independência, tendo preparado lideranças como Bernardo O’Higins, Simón
Bolívar, Antônio Narino e José de San Martin (O Poder da Maçonaria, MOREL & SOUZA, 2008, p.
44).
Com base em tais passagens, pode-se propor que a Maçonaria
realmente colaborou com o desenvolvimento do iluminismo e, munida do mais profundo
princípio de igualdade entre os homens, emprestou seu conceito e experiência de democracia à
sociedade contemporânea então recentemente instalada. E, por sinal, instalada graças à
liderança libertadora de seus membros.
NOTAS:
[i]
KRAMNICK, I. The Portable Enlightenment Reader. Harmondsworth: Penguin, 1995.
[ii]
WEISBERGER, R. W. Speculative Freemasonry and the Enlightenment. A Study of the
Craft in London, Paris, Prague, and
Vienna. New York: Columbia University Press, 1993.
[iii]
JACOB, M. C. The Radical Enlightenment: Pantheists, Freemasons and Republicans.
Cornerstone Book Publishers, Lafayette,
Louisiana. 2006.
[iv]
ELLIOTT, P. & DANIELS, S. The “school of true, useful and universal
science”? Freemasonry, natural philosophy and
scientific culture in eighteenthcentury England. The British Journal for the
History of Science, 39, 2006, pp 207-229.
[v]
SCHMIDT, J. What is Enlightenment? Eighteenth-Century Answers and
Twentieth-Century Questions. Berkeley, CA: University
of California Press, 1996, pp. 1-44.
[vi] KANT,
I. The Metaphysical Elements of Justice; Part I of the Metaphysics of Morals.
2nd ed. Tradução: John Ladd. Indianapolis:
Bobbs-Merrill, 1999.
[vii]
HABERMAS, J. The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry
into a Category of Bourgeois Society.
Cambridge, MA: MIT Press, 1989.
[viii]
JACOB, M. C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in
Eighteenth-Century Europe. New York: Oxford
University Press, 1991.
[ix] MOREL,
Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a
história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[x]
MEHIGAN, T. & De BURGH, H. “Aufklärung”, freemasonry, the public sphere and
the question of Enlightenment. Journal of
European Studies 38(1): 2008,p. 5–25.
[xi]
BULLOCK, S. C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the Transformation of
the American Social Order, 1730–1840, Chapel Hill, 1996.
[xii] MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira.
O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
[xiii] GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma
princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar
errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010.
[xiv] MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira.
O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
Fonte: JB News – Informativo nr. 1.227
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