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quarta-feira, 28 de outubro de 2015

MAÇONARIA & ILUMINISMO

MAÇONARIA & ILUMINISMO

Ir∴ Kennyo Ismail

Muito se diz sobre a relação da Maçonaria com o Iluminismo. Mas até onde realmente foi essa relação? Teria o Iluminismo influenciado a Maçonaria, ou a Maçonaria influenciado o Iluminismo? Seria mesmo a Maçonaria precursora da democracia?  

Kramnick[i] resumiu bem a intenção do movimento iluminista ao declarar que sua ideia central era a de que a razão, e não a fé ou a tradição, que deveria constituir o principal guia para a conduta humana. E onde a Maçonaria entra nisso? Estudos de importantes historiadores têm relacionado a Maçonaria com o Iluminismo e creditado à instituição o princípio da igualdade entre os homens, embrionário do movimento democrático[ii] [iii] [iv], creditando-a também o papel de protagonista de revoluções, como a Revolução Francesa[v]. 

Um dos principais pensadores do iluminismo, o filósofo alemão Immanuel Kant[vi], compreendeu essa vocação das Lojas Maçônicas como uma vocação natural, de homens de bem se unindo e se comunicando com seus semelhantes sobre questões que afetam a humanidade como um todo.

Habermas[vii], famoso filósofo alemão da escola crítica, coaduna com tal pensamento, ao registrar sua leitura do período iluminista:

A promulgação secreta do iluminismo, típica das Lojas, mas também amplamente praticada por outras associações e Tisclzgesellschaften, tinha um caráter dialético. Razão pela qual o uso público da faculdade racional a ser realizado na comunicação racional de um público composto por seres humanos cultos, em si precisava ser protegido de se tornar público porque era uma ameaça para todas e qualquer relações de dominação. Enquanto a publicidade tinha a sua sede nas chancelarias secretas do príncipe, a razão não podia revelar-se diretamente. Sua esfera de publicidade ainda tinha que confiar no sigilo; seu público, até mesmo como um público, permaneceu interno. A luz da razão, assim velada de autoproteção, foi revelada em etapas. Isso lembra a famosa declaração de Lessing sobre a Maçonaria, que na época era um fenômeno europeu mais amplo: ela era tão antiga quanto a sociedade burguesa – “se de fato a sociedade burguesa não é apenas a prole de Maçonaria” (The Structural Transformation of the Public Sphere, Habermas, 1989, p. 35).  

Em reforço à teoria da Maçonaria como berço do Iluminismo e uma instituição emancipadora do indivíduo por meio da razão, tem-se o fato de que a Maçonaria, anteriormente ao movimento iluminista, já praticava uma forma de governança democrática por séculos, na qual o voto já era bem do indivíduo e não por propriedade ou localidade[viii] [ix].

Estudos indicam que essa ameaça maçônica ao absolutismo foi motivadora de respostas como o decreto de Luis XV, em 1737, proibindo conselheiros reais e administradores públicos de pertencer a Lojas Maçônicas, assim como o início da perseguição da Maçonaria pela Igreja Católica, pelo decreto do Papa Clemente XII, em 1740, proibindo os católicos do ingresso à Maçonaria e ordenando ao clero o seu combate[x].

Já Bullock[xi] evidencia em sua obra que, seguindo essa vocação que impulsionou o iluminismo, de mancipadora do homem pela razão, a Maçonaria realizou movimentos semelhantes nas colônias do Continente Americano, colaborando para a independência dos Estados Unidos e dos países latino-americanos. No caso da Revolução Americana de 1776, Morel e Souza[xii] afirmam que “é inegável a militância maçônica de líderes como Benjamin Franklin, George Washington e La Fayette”. Essa militância maçônica inegável pode ser constatada pela declaração de independência americana na qual, conforme Gomes[xiii], “dos 56 homens que assinaram a declaração de independência, cinquenta eram maçons”. 

Morel e Souza[xiv] também indicam a presença maçônica na independência da América Espanhola, relacionando alguns libertadores da América como maçons: 

Neste caso, ressalta-se a atuação do precursor dos movimentos de independência, Francisco Antônio Gabriel de Miranda y Rodrigues. Este, após ser iniciado na maçonaria dos Estados Unidos, fundou em Londres a Logia Gran Reunión Americana, destinada a preparar militantes para lutar pela independência da América espanhola. Esta Loja foi um foco de expansão do ideal de independência, tendo preparado lideranças como Bernardo O’Higins, Simón Bolívar, Antônio Narino e José de San Martin (O Poder da Maçonaria, MOREL & SOUZA, 2008, p. 44). 

Com base em tais passagens, pode-se propor que a Maçonaria realmente colaborou com o desenvolvimento do iluminismo e, munida do mais profundo princípio de igualdade entre os homens, emprestou seu conceito e experiência de democracia à sociedade contemporânea então recentemente instalada. E, por sinal, instalada graças à liderança libertadora de seus membros.  

NOTAS: 

[i] KRAMNICK, I. The Portable Enlightenment Reader. Harmondsworth: Penguin, 1995. 

[ii] WEISBERGER, R. W. Speculative Freemasonry and the Enlightenment. A Study of the Craft in London, Paris, Prague, and Vienna. New York: Columbia University Press, 1993. 

[iii] JACOB, M. C. The Radical Enlightenment: Pantheists, Freemasons and Republicans. Cornerstone Book Publishers, Lafayette, Louisiana. 2006.

[iv] ELLIOTT, P. & DANIELS, S. The “school of true, useful and universal science”? Freemasonry, natural philosophy and scientific culture in eighteenthcentury England. The British Journal for the History of Science, 39, 2006, pp 207-229. 

[v] SCHMIDT, J. What is Enlightenment? Eighteenth-Century Answers and Twentieth-Century Questions. Berkeley, CA: University of California Press, 1996, pp. 1-44.

[vi] KANT, I. The Metaphysical Elements of Justice; Part I of the Metaphysics of Morals. 2nd ed. Tradução: John Ladd. Indianapolis: Bobbs-Merrill, 1999. 

[vii] HABERMAS, J. The Structural Transformation of the Public Sphere: An Inquiry into a Category of Bourgeois Society. Cambridge, MA: MIT Press, 1989. 

[viii] JACOB, M. C. Living the Enlightenment: Freemasonry and Politics in Eighteenth-Century Europe. New York: Oxford University Press, 1991.

[ix] MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.  

[x] MEHIGAN, T. & De BURGH, H. “Aufklärung”, freemasonry, the public sphere and the question of Enlightenment. Journal of European Studies 38(1): 2008,p. 5–25. 

[xi] BULLOCK, S. C. Revolutionary Brotherhood: Freemasonry and the Transformation of the American Social Order, 1730–1840, Chapel Hill, 1996. 

[xii] MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. 

[xiii] GOMES, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. 

[xiv] MOREL, Marco & SOUZA, Françoise Jean de Oliveira. O poder da maçonaria: a história de uma sociedade secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Fonte: JB News – Informativo nr. 1.227

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