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segunda-feira, 18 de abril de 2016

1927: NA PALAVRA DE UM GRÃO-MESTRE DO PASSADO

1927: NA PALAVRA DE UM GRÃO-MESTRE DO PASSADO, OS PROBLEMAS DO BRASIL ATUAL
José Castellani

A 15 de novembro de 1927, acontecia, no Rio de Janeiro, no Restaurante Assyrio, uma homenagem a Octavio Kelly, Soberano Grão-Mestre Grande Comendador da Ordem --- no caso, do Grande Oriente do Brasil e do Supremo Conselho escocês -- responsável pela ação que impedira, meses antes, a desagregação tanto do Grande Oriente quanto do Supremo Conselho, quando ocorrera a cisão, provocada pelos dissidentes, sob o comando de Mario Behring, ex-Grão-Mestre e Soberano Grande Comendador, da qual resultara a criação das Grandes Lojas estaduais brasileiras.

Octavio Kelly, o homem que salvou o Grande Oriente do Brasil do esfacelamento, foi, seguramente, pelo menos para quem já pesquisou toda a história da Obediencia-Mater da Maçonaria brasileira, o seu maior Grão-Mestre. Nascido a 20 de abril de 1878, em Niterói (RJ), e falecido a 31 de dezembro de 1948, no Rio de Janeiro, Kelly foi juiz da 1a. Vara Federal, político e figura respeitada na República. Bacharelado em 1899, pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, advogou até 1909 e foi deputado à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, de 1907 a 1909. Foi iniciado maçom através da Loja “União, Pátria e Caridade”, do Rio de Janeiro, em 1898, antes de se bacharelar. Presidiu o Tribunal de Justiça Maçônica do Grande Oriente e, quando da crise iniciada em 1926 --- que desembocaria na cisão de 1927 --- ele, que se encontrava afastado das lides políticas maçônicas, foi retirado desse ostracismo, pelas cabeças pensantes do Grande Oriente, que viam, nele, o único homem capaz de enfrentar a tormenta, sem deixar o barco afundar. Assim, ele foi eleito e empossado Grão-Mestre Adjunto, a 21 de março de 1927, assumiu interinamente o Grão-Mestrado quando o Grão-Mestre João Severiano da Fonseca Hermes licenciou-se do cargo, a 6 de junho, pressionado pelos acontecimentos --- iria renunciar no dia 24/6 --- e seria eleito Grão-Mestre, em 1928, conservando o cargo até 1933. Pela sua atuação em todo esse período crítico, Kelly tornou-se o maior credor da gratidão do Grande Oriente do Brasil em todos os tempos, embora seja geralmente esquecido.


Por essa atuação, então, é que, na ocasião acima referida, por homenagem de seus contemporâneos, era realizado, no Assyrio, o banquete para 150 pessoas e ao qual estavam presentes, além de altos dignitários da Ordem, obreiros de expressão na Obediência e políticos maçons, alguns políticos profanos e representantes dos jornais O Globo, A Manhã, Jornal do Commercio, A Noite e da Agência Brasileira, a mostrar o prestígio do Grande Oriente do Brasil na então Capital Federal. Como convinha à época, o cardápio foi todo francês, com “créme d’asparges, filet de sole florentine, tornedos assyrio, dinde roti bresilienne, salade lorette, fruites, café”.

Fizeram-se, então, ouvir vários discursos de saudação ao homenageado, principiando pelo do general Moreira Guimarães, 2o. Grande Vigilante do Ilustre Conselho Geral, seguido pelo do Dr. Pacheco de Andrade, Grande Secretário do Grande Oriente do Rio Grande do Sul, e, finalmente, pelo do deputado à Câmara Federal e Irmão Adolpho Bergamini, que transmitiu o abraço e as saudações do deputado Marrey Junior, Grão-Mestre do Grande Oriente de S. Paulo, o qual ficara impossibilitado de marcar presença ao evento.

Finalmente, levantou-se o Dr. Octavio Kelly, essa figura ímpar da história do Grande Oriente do Brasil, para o seu discurso. Muito mais do que um simples agradecimento, como brilhante orador e espírito culto, Kelly produziu uma incisiva e profunda análise da situação do Brasil, abordou os motivos da crise por que passava a Maçonaria brasileira e apontou os novos caminhos, tanto para o país, quanto para a Instituição. Por ser uma peça de fundamental importância, para que se compreenda a grande crise da época e para que as novas gerações de maçons aquilatem a envergadura daquele extraordinário dirigente maçônico, esse discurso mereceria uma transcrição integral; para o escopo deste trabalho, todavia, atemo-nos à análise, então feita, dos grandes problemas nacionais, no seguinte trecho:
 
“ (...) Cumpre-me agora volver a falar-vos da concepção, em que tenho a realização de nossos propósitos, na hora presente, mudado o scenario do mundo pelas transformações sociaes e attingido o momento em que novas actividades e novas normas devem ser procuradas para o alcance da desejada méta. Comprehendo a Ordem na grandeza de seus symbolos, obrigada a respeitá-los, interpretá-los e segui-los, talqualmente nos ensinaram os fundadores, em magnificos rituaes, que fazem a gloria das gerações passadas e que os seculos não conseguiram siquer esmaecer, tão profundos em sua sabedoria, quão impereciveis em sua historia, razão de ser, outr’ora, da força que desafiava os poderosos, do segredo que creava os iniciados e do culto, que conservava a moral dos santuarios, desde os tempos, quasi lenda, da Chaldéa.

Mas, a só pratica desse ritualismo, não satisfaz, na actualidade, ao problema vital da Maçonaria. Se o fim allegorico se resume na reconstrucção do templo de Salomão, o fim social consiste em propugnar pela solidariedade humana, nas varias modalidades de seu conceito, pelo fortalecimento das virtudes individuaes e collectivas e pelo desenvolvimento das artes e das sciencias.

Para esse escopo teremos de enfrentar o problema da educação, assistencia e protecção á infancia, de modo a fazer do homem de amanhã o typo de selecção imposto á nossa finalidade, apto a tornar-se, no ambiente, um elemento de ordem, de producção e de progresso; --- despertar pelo exemplo energias que vençam o desanimo habitual, no que respeita á necessidade da moralização dos nossos costumes publicos e privados, fazendo ressurgir virtudes esquecidas, que tornem do dever um culto e da rectidão um dever; --- incentivar o espirito das reaes iniciativas e desenvolver o habito de previdencia e de economia, de cuja observancia depende a felicidade do homem e a riqueza das Nações, concorrendo para a reducção do pauperismo e das graves crises do trabalho; --- cuidar do fortalecimento do caracter pela renuncia dos sentimentos subalternos; -- manter o culto da Patria, sem desinteresse pela Humanidade, erguendo no coração uma ára santa de sacrificio para servi-la e de sincero amor para adora-la; --- defender o prestigio das leis e da autoridade, combatendo-lhes os excessos do absolutismo e da demagogia, no afan honesto de corrigi-las e de contê-las; --- melhorar o estado social e politico, sem perturbações que possam comprometter as nossas conquistas liberaes e o respeito á nossa tradição historica; --- propugnar pelo amparo dos vencidos na lucta pela vida, susceptiveis ainda de uma reeducação conveniente,e protege-los, em definitivo, contra a miseria e a mendicancia; --- apontar os aptos para o trabalho das officinas, de cujas forjas sairão os recursos para assegurar o conforto com dignidade, e dos campos, de onde as bem lavradas searas transformarão em ouro os grãos das sementeiras; -- bater-se pela paz interna e externa, contendo as paixões exaltadas e impedindo a politica imperialista, para que as fronteiras, que nos separam dos novos irmãos, sejam somente apagadas pelos sentimentos de confraternidade internacional e nunca pela acção coercitiva das guerras; --- abrir aos homens de todas as partes, de todas as linguas, credos e raças, uma só confortadora acolhida em nosso meio, para tê-los em bom convivio, amando-nos uns aos outros, e vencendo, com as mesmas armas, as competições individuaes que se suscitarem. Sejamos os componentes dessa nova Caravana, que está em marcha e ha de, um dia, dominar o mundo, portadora da regeneração pelo trabalho e da victoria pela energia, fazendo do homem, cuja audacia se não limita a escalar montanhas ou descer ao quasi coração da Terra, singrar os mares e cortar o espaço, um factor efficaz de sua propria felicidade, pelo triumpho vencedor da razão sobre a força, da cultura sobre a ignorancia, e das virtudes sobre os vicios (...) “.

Tais palavras foram ditas há setenta e três anos; nove anos depois do fim de um guerra mundial cruenta e doze anos antes de outra muito pior; antes que se tornassem realidade --- pelo menos no papel --- as grandes conquistas sociais brasileiras, que se iniciaram na década dos 30; uma década antes do advento dos antibióticos, que revolucionaram a terapêutica médica; pouco antes da era atômica, que trouxe o receio do extermínio da espécie humana, embora seja veículo do progresso; trinta anos antes da era espacial, que descortina, para o Homem, as fronteiras do absoluto. Mas continuam contundentemente atuais!

E continuam, porque ainda está tudo por fazer e porque a evolução espiritual do Homem não acompanhou a sua evolução material e tecnológica: a educação, assistência e proteção à infância ainda não superaram a fase dos discursos políticos, fazendo com que, cada vez mais, a criança seja abandonada pelo Estado e pela sociedade em geral; a moralização dos costumes públicos e privados continua a ser uma quimera, enquanto que a ética e a moral são, cada vez mais, moedas em baixa, e enquanto que a retidão, ao invés de um dever, é vista como ingenuidade; o culto da Pátria vai ficando esmaecido pelos interesses dos que se servem dela; o respeito às leis e à autoridade é, muitas vezes, superado pela rebeldia, diante do absolutismo e da demagogia de que elas se revestem; a aptidão pelo trabalho vai sendo substituída pelo desejo de ócio remunerado, francamente deletério ao país; as barreiras de línguas, credos e raças ainda não foram vencidas, porque os preconceitos atávicos foram cavados no cerne da nação; a razão ainda é subjugada pela força, a ignorância torce o nariz para a cultura, e os vícios, cada vez mais, suplantam as virtudes, que, na egocêntrica e aética sociedade atual, são vistas como “caretice”, com tudo o que de menosprezo tal palavra --- gíria, que já se tornou neologismo --- possa encerrar.

Octavio Kelly, com a clarividência dos espíritos iluminados pela razão e pelo raciocínio lógico, chamava a atenção para esses problemas, quando poucos se preocupavam com eles. Chama, ainda hoje, nos dados tirados dos arquivos da História do GRANDE ORIENTE DO BRASIL. Ao historiador, só resta esperar que o maior Grão-Mestre de toda a história da Maçonaria brasileira --- injustiçado, porque foi esquecido --- seja ouvido, embora com considerável atraso, pelos dirigentes atuais.

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