AS TRÊS VERTENTES DA MAÇONARIA
Ir.´. José Carlos de Araújo
Loja Pesquisa “Brasil”
Oriente de Londrina-PR
A Vertente Tradicional
A linha tradicional, de origem inglesa, propõe o aperfeiçoamento humano, dentro do pensamento refletido no antigo conselho do oráculo de DELFOS: “Conhece-te a ti mesmo” em letras maiúsculas, como estava no alto do portal do oráculo. Desenvolve-se a ideia da possibilidade de, pelo trabalho consciente, o individuo eliminar suas imperfeções e adquirir autodisciplina, pondo em ordem, hierarquicamente adequada, a razão, as emoções e os sentidos.
É a cabeça que deve dominar sobre o corpo; a razão, sobre as emoções e os sentidos. A pratica em Loja aberta, com o momento e a maneira apropriada de falar, sem possibilidade de réplica, já induz a uma disciplina e um comedimento raramente encontramos em nossa civilização atual, cuja palavra de ordem tem sido por muito tempo “é proibido proibir”. Associa-se toda ideia de disciplina à repressão, sendo, como tal, rejeitada. É uma proposta de desenvolvimento do ato reflexivo. O homem precisa se conhecer para melhor se acostumar. De acordo com os rituais, as reuniões em Loja visam a: “impormos um freio salutar a essa impetuosa propensão (ao vicio), para elevar-nos acima dos vis interesses que atormentam o vulgo profano e acalmarmos o ardor de nossas paixões”, como diz um texto conhecido de todos os maçons. Esse aperfeiçoamento preconizado não tem qualquer associação com conotações religiosas e seu objetivo é claramente identificado, não se tratando de nenhum aprimoramento espiritual, para levar o homem a um nível de aceitação por Deus, como propunham as religiões do passado em suas praticas e ritos de purificação. Quando se fala em espirito, no contexto maçônico, trata-se de uma referencia à luz da razão, a atributos intelectuais, não a qualquer interpretação religiosa sobre a natureza do ser.
Não possuindo nenhuma doutrina filosófica especifica sobre ontologia – a natureza do ser – e sua interação com o divino, a Maçonaria afirma apenas a necessidade de o homem aceitar a ideia de um principio criador do Universo e da continuidade da vida. Não são apresentados desenvolvimentos doutrinários sobre estes dois aspectos, pois eles acham-se contidos no acervo conceitual das diferentes religiões e crenças praticadas por seus filiados.
A Vertente Agnóstica
A origem é francesa. O Grande Oriente da França é seu principal representante, existindo também na Itália, em Portugal e nos países Latinos. A manifestação do agnosticismo na Maçonaria levou ao extremo a ideia de liberdade de pensamento, contestando a proposição de Anderson, impondo a necessidade de o maçom estar filiado a uma religião, sugerindo ate a existência de incompatibilidade entre liberdade de pensar e a sujeição a normas e conceitos religiosos. Lembramos que o agnóstico não nega a existência de uma realidade transcendental, como faz o ateu, ele apenas afirma nada conhecer sobre esse tema. A eliminação da invocação ao Grande Arquiteto do Universo levou a extremos materialistas e anticlericais, causando grandes celeumas, desviando, com essa postura contestadora, a Maçonaria de sua origem tradicional. Essa tendência manifesta-se, ainda hoje, em alguma Obediência e Lojas. A postura materialista, entretanto, não tem sustentação nem mesmo em seu reduto tradicional – a ciência.
A Vertente Mística
A nova versão da Maçonaria, chamada Especulativa, teve sua eclosão publica no inicio do século XVII (em 1717) e, desde cedo, atraiu sobre si atenções diversas. Além das desconfianças dos governos (de então) e das Igrejas (exceto igrejas Anglicanas e Presbiterianas), atraiu também intelectuais de diferentes tendências e escolas. Estes se filiaram à nova instituição, levando consigo suas ideias filosóficas e praticas ritualísticas, dando aos antigos símbolos novas interpretações, com as quais os operativos jamais tinham sonhado.
Alguns desses novos iniciados procuravam apresentar a instituição como um novo florescimento das mesmas antigas raízes formadoras das escolas de mistério do Egito, da Índia e da Grécia.
Da mesma forma, como os antigos construtores procuravam suas origens fazendo-as remontar, primeiro, ao construtor da Torre de Babel e depois a Salomão e seu Templo, alguns dos novos maçons queriam vincular sua instituição às antigas filosofias religiosas do oriente Próximo e distante.
Assim, encontramos, em nossos símbolos, referencias herméticas, cabalísticas, rosa-cruzes, templários, etc., refletindo o simbolismo e a formulação filosófica que os forjadores de mutações da instituição podiam justapor ao acervo de significados da associação de construtores operativos.
As interpretações de origem mística acrescentadas compõem uma verdadeira colcha de retalhos simbólico/filosófica que pode ser chamada de sincretismo maçônico, e foram penetrando, sendo aceitas e incorporadas, em diferentes graus, nos países para onde a Maçonaria se expandiu.
A maioria dos autores que abordaram esse tema parece não compreender que, quando descreveram os ritos egípcios, os mistérios de Elêusis ou a Cabala, estão falando de especificas manifestações filosófico/religiosas dos egípcios, gregos e judeus, não da Maçonaria. O que existe de comum entre a Ordem maçônica e aquelas antigas manifestações religiosas é, em certa proporção, o método iniciático e alguns elementos inseridos na simbologia maçônica; a Maçonaria, entretanto, não constitui, de maneira alguma, uma versão atualizada daquelas organizações. Os símbolos antigos, presentes no acervo maçônico, foram recolhidos daquelas antigas instituições pelos promotores das alterações das guildas operativas (os construtores de catedrais, por exemplo), formando os diversos graus e seu simbolismo. Uma primeira evidencia disso é o fato de nenhuma daquelas escolas de sabedoria ter evoluído em sua região de origem para qualquer organização assemelhada à atual Maçonaria. Na Índia, no Egito e em muitos outros pontos do Oriente Médio e da Europa Oriental, existem, atualmente, cultos que preservam muito do pensamento e da pratica daquelas antigas religiões, sendo, hoje em dia, suas herdeiras. Todos são cultos ou seitas religiosas, em sua configuração, práticas e objetivos, nada tendo em comum com a Maçonaria além de um ou outro elemento simbólico.
Entre as organizações ocidentais que se apresentam como herdeiras (filosófica e espiritualmente, não historicamente) das antigas escolas de mistérios, estão a Teosofia de Blavatsky, Besant e Leadbeater com suas derivações; as Ordens Rosa-Cruz (1606), AMORC – Antiquus Mysticusque Ordo Rose Crucis, (1915) e outras; os novos Gnósticos de Weor e outras assemelhadas. Essas instituições são completamente dissociadas da Maçonaria em seus símbolos e rituais, muitos elementos hebraicos, como mostram as referencias ao Templo de Salomão, à lenda de Hiram, às palavras de passe e sagradas (em todos os graus), às lendas de graus superiores. Contudo e claramente, a Maçonaria não consiste por isso em uma versão ocidentalizada do Judaísmo. Do mesmo modo, foram incorporados ao simbolismo maçônico elementos do pitagorismo (da escola de Pitágoras), da Cabala (século XIII, vertente mística do judaísmo) e da teosofia (síntese de filosofia, ciência e religião, final do século XIX), utilizados em associação à tradicional simbologia dos construtores medievais.
Todavia, a presença desses elementos não torna a Maçonaria uma escola de Cabala, um culto pitagórico ou teosófico, como querem alguns. O que dava, a cada uma daquelas escolas, suas características essenciais era o conteúdo teórico/filosófico ministrado, seus objetivos, suas praticas ritualísticas coletivas e individuais. As escolas de mistérios eram imbuídas de caráter fortemente religioso e propunham, por meio de uma serie de iniciações, colocar o neófito em contato com verdades cada vez mais esclarecedoras, contidas em dois grandes títulos, “os pequenos mistérios” e “os grandes mistérios”. A revelação dessas grandes verdades deveria ser acompanhada de reais mutações interiores do individuo, que poderia, então, ascender a níveis de consciência ultrafísicos, adquirindo o poder de realizar maravilhas. Cada uma delas tinha uma maneira especial de codificar sua verdade, que era transmitida aos seus componentes em cerimônias especiais.
Como vemos, os objetivos não são os da Maçonaria. A maçonaria não detém nenhuma verdade mística transcendental a ser comunicada a seus adeptos nem se propõe a servir de ponte entre o neófito e qualquer suposta consciência superior.
Considerações Finais
A instituição maçônica enfatiza a necessidade do uso da decisão racional e do empenho da vontade para a eliminação dos defeitos de personalidade, para que o homem torne-se melhor, mais ajustado e capaz de auxiliar seus irmãos humanos.
Enfatiza, também, a necessidade de aprimoramento continuado, de fazer melhor, inclusive, aquilo que já é benfeito.
A Maçonaria constitui uma organização sui generis, não sendo religião ou seita. Tem, contudo, atitudes de conformação, parecendo religiosa: possui ritos, rituais, liturgia e exige de seus membros a crença em um principio criador, que, simbolicamente, é o Grande Arquiteto do Universo, e na continuidade da vida, cuja definição deixa a cada um, segundo sua opção religiosa ou sua crença. Essa exigência reflete o reconhecimento da necessidade humana de um relacionamento intimo, com os aspectos transcendentais da realidade e a rejeição de uma visão cosmogônica materialista. Esse reconhecimento congrega também uma admissão implícita de que o aprimoramento pessoal pregado pela instituição não poderá ser alcançado por alguém que, desses aspectos, esteja dissociado, pois: todo maçom é obrigado, por sua condição, a obedecer à lei moral; e “se compreende bem a arte, não será jamais um ateu estupido nem um libertino irreligioso” (Anderson, 1982). Valorizando a religiosidade, a Maçonaria incentiva a disciplina e o cultivo dos valores do espírito.
Há que se ressaltar também que algumas das visões da Maçonaria, como religião, encontram respaldo nos escritos de certos autores maçônicos. Como aconteceu no passado, em nossos dias existem aqueles que são iniciados com ideias pré-concebidas sobre a Ordem e, utilizando sua liberdade de pensar, interpretam os símbolos, as alegorias e lendas segundo sua convicção religiosa ou mística particular. Esses escritos devem ser compreendidos dentro de seu significado real, como expressão livre de entendimento particular, que, entretanto, não traduz com fidelidade o pensamento, a doutrina e a filosofia da instituição, conforme o exposto nestas páginas.
Por ultimo, lembramos que existem maçom místicos que encontram profundos significados em todas as prática em Loja, sejam elas antigas ou recentemente adotadas. Essas interpretações, sem entrar no seu mérito, são de cunho pessoal e não podem ser apresentadas como doutrina da Instituição. Os espíritos sensíveis podem assimilar profundas lições dos aspectos mais triviais da vida, e a observação dos processos naturais, o nascer e o pôr do sol, as forças titânicas desencadeadas nas tempestades e a singela beleza dos campos floridos, podem produzir insights significativos com ecos de transcendência, que não podem ser ensinados ou transmitidos. Se um dia, porem, a interpretação mística se tornasse dominante, impondo suas interpretações, olvidando a tradição e os Landmarks, nesse dia teria fim a Maçonaria, pois logo seria transformada em mais uma seita religiosa, tornando-se aquilo que seus acusadores agora a consideram, afastando todos os sinceros praticantes de outras religiões, negando, assim, seus princípios basilares.
Contudo, enquanto predominar a forma tradicional de Maçonaria, também os místicos encontrarão nela seu lugar, dada a fundamental característica de tolerância por ela cultivada, de “respeito à crença e à autoridade de cada um”.
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Este ensaio é de autoria de Eleutério Nicolau da Conceição e foi publicado em seu livro Maçonaria, Raízes Históricas e Filosóficas, 2ª edição, Florianópolis: Editora O Prumo, 2006, p. 196-203, aqui reproduzido, com algumas modificações, com autorização do autor. Eleutério nasceu em Florianópolis, em 1950. Graduou-se em Física e fez mestrado em Físico-química na Universidade Federal de Santa Catarina. Lecionou em diversos colégios e na UFSC. Aposentado em 2004, tem se dedicado a popularizar eventos históricos catarinenses e a escrever livros sobre a Maçonaria. É Mestre Maçom, tendo sido Venerável Mestre de sua Loja. É grau 33 no Rito Escocês Antigo e Aceito. Atualmente, é presidente da Academia Catarinense de Letras Maçônicas.
Bibliografias:
Anderson, J. As Constituições dos Franco-Maçons de 1723. São Paulo: A Fraternidade, 1982.
Conceição, E. N. Maçonaria, Raízes Históricas e Filosóficas. 2ª ed. Florianópolis: Prumo, 2006.
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