Páginas

terça-feira, 19 de julho de 2016

MAÇONARIA E JUDAISMO

MAÇONARIA E JUDAISMO
Por Ir∴ William Almeida de Carvalho 33

A tradição judaica não é dominada por muitos escritores maçônicos que, por isto mesmo, cometem muitos pecados de interpretação no tocante à sua influência na maçonaria. Antes de apontar a influência judaica na maçonaria seria interessante fixar alguns traços da cultura judaica, comumente desprezados, para não se incorrer em erros lamentáveis. Veja-se, por exemplo, as colunas do Templo de Salomão que estão citadas em Reis I, 7, 21: “Ergueu as colunas diante do pórtico do santuário; ergueu a coluna do lado direito, à qual deu o nome de Jaquin; ergueu a coluna da esquerda e chamou-a Boaz”. 

Quando se pergunta a um professor de hebraico o que significa BOAZ, ele discorrerá sobre o significado e a tradução desta palavra. Se perguntarmos, ao mesmo professor, o que significa BOOZ, muito empregada pelos maçons franceses e repetida pelos brasileiros e que é uma corrupção de BOAZ, ele não saberá, obviamente, o significado da palavra, pois ela não tem nada a ver com o hebraico. 

Quanta discussão inútil se evitaria se se pudesse resolver a questão filologicamente. Os caracteres da escrita hebraica não possuem vogais. Normalmente são substituídos por sinais (massoréticos) que agem como vogais. Assim, se um judeu religioso escrevesse o nome de Deus em hebraico, no alfabeto ocidental soaria algo como: D–s ou N-ss- S-nh-r, tomando todo o cuidado para não tomar o santo nome em vão. 

Os judeus pronunciam o nome de Deus de várias maneiras: El, Eloim, El Shadai, Adonai etc. Contudo, o nome inefável de Deus [desnecessário dizer que o hebraico se lê da direita para a esquerda] raríssimamente é grafado (quando o é, normalmente para uso em pesquisa etimológica sobre a origem do Nome) ou pronunciado (sendo que, nestas pouquíssimas vezes, não é propriamente pronunciado e, sim, soletrado com as letras hebraicas: iod, hei, vav e hei). Em inglês, o nome inefável é transliterado como YHVH (Javé em Português, como se verá a seguir). 

Os estudiosos cristãos ensinam que os judeus adoram Deus com um nome relacionado com a letra W. Tal fato se deve à dominação que os alemães exerceram no campo teológico nos últimos duzentos anos. O W, em alemão, é pronunciado como o V em português e inglês e o vav em hebraico. Os alemães também grafam como J onde encontram o iod hebreu ou o Y em inglês (tal letra inexiste no alfabeto português) quando ele ocorre. Assim YHVH apareceria como JHWH. 

A Bíblia de Jerusalém grafa como Javé e/ou Iahweh. A tradição judaica afirma que a atual pronúncia do Nome é um segredo para sempre perdido desde a destruição do Templo e é considerado impróprio tentar pronunciar o Nome. Quando o Nome ocorre em caracteres hebraicos deve ser usada uma palavra substituta, ou seja Adonai. 

Outro traço importante na cultura religiosa hebraica é o termo Bíblia. Claro que Bíblia é o termo português para a palavra hebraica Tanach. Tanach ou Tanack é um acrônimo construído pelas três seções da Bíblia: a Torah, ou seja a Lei, o Nevi'im, ou seja os Profetas e o Kesuvim ou Ketuvim, ou seja os Escritos ou os Hagiógrafos. 

Na versão moderna, constituem os 39 livros (considerando-se Samuel I e II e Reis I e II como livros separados) da Escritura Hebraica que, obviamente, os judeus não chamam de Velho Testamento. 

Aquilo que os cristãos chamam de Velho Testamento e Novo Testamento, os judeus chamam de Escritura Hebraica e Escritura Cristã. O cânon hebraico difere do cânon cristão por desconsiderar os livros escritos em grego e os suplementos gregos de Ester e Daniel. 

Para uma breve recordação, o cânon hebraico lista os seguintes livros: Pentateuco: 1- Gênesis, 2- Êxodo, 3- Levítico, 4- Números, 5- Deuteronômio; Profetas: [anteriores] 6- Josué, 7- Juízes, 8- Samuel (I e II), 9- Reis (I e II), [posteriores]10- Isaías, 11- Jeremias, 12- Ezequiel, 13- 'Os Doze' profetas, na ordem retomada pela Vulgata: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias; Hagiógrafos: 14- Salmos, 15- Jó, 16- Provérbios, 17- Rute, 18- Cântico dos Cânticos, 19- Eclesiastes (Coelet), 20- Lamentações, 21-Ester, 22- Daniel, 23- Esdras, 24- Neemias e 25- Crônicas. 

Aqui surge uma questão que agora pode ser respondida com maior conhecimento de causa. Quando um candidato maçônico judeu presta um juramento, a Torah deve ser posta no altar como Livro da Lei? Não. A Torah é somente uma parte da Bíblia judaica. Colocar a Torah no altar seria o equivalente para os cristãos de se colocar somente os quatro Evangelhos no altar, sem as Epístolas, o Apocalipse etc. 

O Livro dos Profetas e os Hagiográfos assumem um importante papel na adoração judaica e no entendimento da lei judaica. A Torah é a mais importante seção da Bíblia, e é particularmente venerada, mas não é toda a Escritura. 

Seria, então, o caso de se colocar o Talmud no altar para os candidatos judeus? Aqui, convém esclarecer que o Talmud é um livro de interpretação legal. O Talmud também ensina uma grande parte sobre o pensamento judeu e a crença religiosa, mas ele não é a Sagrada Escritura. As obras de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino desempenham o mesmo papel numa relação similar com a Bíblia dos cristãos, contudo, também não são as Escrituras. 

Surge agora uma outra pergunta. Os judeus usam chapéu em Loja? Aqui convém distinguir entre o chapéu propriamente dito e quipá (kipah), uma espécie de solidéu. O solidéu (solis Deo = só a Deus) designa o pequeno barrete, geralmente feito de fazenda mole e flexível, o qual se ajusta à cabeça, com que os padres cobrem a coroa ou pouco mais e que deve ser tirado ante o sacrário. 

A cobertura da cabeça é preconizada em diversos ritos maçônicos (apesar da prática não ser uniforme) para os Mestres em qualquer Sessão, ou para todos os Obreiros, ou apenas para os Mestres em Sessão do terceiro grau. Geralmente, tal cobertura é necessária e feita com o chapéu negro desabado, podendo-se, todavia, utilizar o solidéu (que é o quipá hebraico) em Sessões do terceiro grau ou de Pompas Fúnebres. 

O judaísmo adota a prática oriental de cobrir a cabeça durante as orações como um sinal de respeito, enquanto nos países ocidentais a prática é totalmente ao contrário: descobre-se a cabeça exatamente pela mesma razão. 

Algumas Obediências Maçônicas decidiram que o quipá (iarmulque [yarmulke], barrete, tiara etc.) não é um chapéu no sentido maçônico, mas um elemento do vestuário. O R∴E∴A∴A.'. adota a opinião que o barrete do rito não deve ser removido, por exemplo durante a saudação da bandeira.

Deve ser considerado, também em maçonaria, o barrete frígio, que era um pequeno boné de feltro, de forma cônica e com um pequeno rebordo, com o qual, na Antiguidade, o senhor cobria a cabeça do escravo na cerimônia de libertação e que era tomado como emblema de liberdade; graças a isso, ele é, em alguns ritos, um símbolo maçônico, já que a maçonaria sempre foi libertária. 

Uma última distinção deve ser feita sobre o diferente uso do conceito fariseu entre cristãos e judeus. O judaísmo moderno é farisaico no seu temperamento, mas os judeus não usam a palavra como um sinônimo de “hipócrita”. É provável que este último significado adveio de um conflito entre aqueles que escolheram seguir Jesus e Paulo e aqueles que permaneceram com o cerne da fé judaica. 

Naquele tempo, os fariseus dominavam o pensamento e a prática judaica e é melhor denunciar o farisaísmo como um desvio do pensamento judeu do que denunciar os judeus propriamente ditos, desde que os antigos cristãos almejavam converter os judeus. 

Os fariseus e os saduceus eram os competidores primários no pensamento e na prática religiosa dos judeus, embora houvessem outros grupos, como os essênios, buscando oferecer ideias diferentes. Os saduceus eram o partido da classe sacerdotal e mantinham a posição de que somente a Lei escrita deveria ser seguida à risca. Os fariseus conseguiam fazer uma combinação mais flexível entre a Lei escrita e a oral. 

Outra importante distinção era que os fariseus afirmavam que uma pessoa não deveria pertencer, necessariamente, à classe sacerdotal para bem cumprir os mandamentos e adorar a Deus. É esta última diferença que é a mais importante no desenvolvimento do judaísmo na sua forma para os últimos dois mil anos. Alguns autores fazem um símile entre este conflito e o da Reforma protestante, quinze séculos depois. 

Existem traços comuns entre os rituais, símbolos e palavras maçônicos e judaicos. Um dos landmarques judaicos é a crença num Deus que criou tudo na nossa existência e que nos deu uma Lei para ser seguida, incluindo, ipso facto, os preceitos morais de relacionamento humano. A crença em Deus, a prece, a imortalidade da alma, a caridade, o agir respeitosamente entre os seus semelhantes fazem parte integrante do ideário maçônico – pelo menos da maçonaria teísta – como também do judaísmo, e por que não dizer de todas as grandes religiões do mundo (o budismo seria um caso à parte).

O judaísmo ensina que a Lei de Deus está contida na Torah, a parte principal da bíblia judaica que contém os 5 primeiros livros de toda a Bíblia, como visto anteriormente, ou seja, o Pentateuco dos cristãos. A tradição judaica ensina que a Torah é a eterna lei dada por Deus e é completa, nunca será mudada até mesmo por Deus e, obviamente, nunca poderá ser alterada por qualquer mortal. 

Já aqui surge naturalmente uma comparação com os landmarques maçônicos que preceituam não estar no poder de qualquer homem-maçom ou corpo maçônico fazer inovações na estrutura básica da maçonaria. 

Nos tempos modernos, ambas assertivas podem cheirar politicamente incorretas, apresentando um odor dogmático que repulsa as mentes liberais e tolerantes no limiar do terceiro milênio, mas convém salientar que isto se refere aos fundamentos que deverão permanecer intocados. Tanto que um dos livros clássicos de Pike se intitula Moral e Dogma. 

Assim, maçonaria e judaísmo, tais como os padrões éticos das outras grandes religiões, ensinam que devemos nos autodisciplinar e manter nossas paixões em constante guarda. O disciplinamento ritualístico, seja nas sinagogas seja nas lojas maçônicas, auxilia a desenvolver esta habilidade. 

Outra similitude poderá, também, ser encontrada na cerimônia da circuncisão e do Bar Mitzvah. Logo após o nascimento de todo judeu homem, ele é circuncisado pelo rabino, ou seja, é feito o corte no prepúcio do pênis do bebê, numa cerimônia familiar como um sinal ancestral de aliança entre Deus e o patriarca Abraão. Treze anos depois, já adolescente, o mesmo judeu macho participa do Bar Mitzvah que consiste em aprender a recitar preces e passagens bíblicas em hebraico e a participar em rituais judaicos quando, enfim, adquire todos os direitos e deveres do homem judeu. 

Todos os maçons já fizeram, aqui, a comparação com a iniciação maçônica do profano e a exaltação ao grau de mestre quando se adquire a plenitude maçônica… 

No tocante à liberdade individual, maçonaria e judaísmo emulam para ver quem apresenta maior performance de respeito e apoio. Tal fato, contudo, não é exclusivo dos dois, pois o cristianismo apresenta, também, considerações profundas sobre o livre-arbítrio, mas não é o caso de ser aqui discutido. 

O judaísmo ensina que todo ser humano é capaz do bem e do mal e tenta ajudar o fiel a usar o livre-arbítrio para escolher o caminho eticamente correto. A maçonaria ensina que aqueles que são moralmente capazes podem encontrar a “luz” na maçonaria se eles desejarem isto por suas próprias vontades livres. Os maçons franceses, principalmente os do Grande Oriente de França, chegaram ao ponto de colocar como um dos seus lemas a liberdade absoluta de pensamento. 

O conceito de exercitar a vontade livre para aceitar a lei e a reparação pelas transgressões passadas é o que preconiza o Rosh Hashanah e o Yom Kippur. Os judeus acreditam que dez dias no início do novo ano judeu devem ser usados para reparar os pecados passados e buscar a resolução firme de evitar o pecado no futuro. 

De modo análogo, a maçonaria ensina que todo homem deve lutar para crescer moralmente e livrar-se de todo preconceito. Não é a toa que a disputa entre a maçonaria francesa e a inglesa se dá entre a liberdade absoluta de pensamento, preconizada pelos franceses, contra o teísmo inglês, que forçou a própria reformulação da Constituição de Anderson, quinze anos após a sua promulgação. 

A luz é um importante símbolo tanto no judaísmo como na maçonaria. “Pois o preceito é uma lâmpada, e a instrução é uma luz”, Prov. 6, 23. Um dos grandes feriados judaicos é o Chanukah ou seja o Festival das Luzes, comemorando a vitória do povo de Israel sobre aqueles que tinham feito da prática da religião um crime punível pela morte, ali pelo ano 165 a. E. V. (Os judeus substituem o antes de Cristo e o depois de Cristo pelo antes e depois da Era Vulgar). 

A luz é um dos mais densos símbolos na maçonaria, pois representa (para os maçons de linha inglesa) o espírito divino, a liberdade religiosa, designando (para os maçons de linha francesa) a ilustração, o esclarecimento, o que esclarece o espírito, a claridade intelectual. A Luz, para o maçom, não é a material, mas a do intelecto, da razão, é a meta máxima do iniciado maçom, que, vindo das trevas do Ocidente, caminha em direção ao Oriente, onde reina o Sol. 

Castellani diz que graças a essa busca da Verdade, do Conhecimento e da Razão, é que os maçons autodenominam-se Filhos da Luz; e talvez não tenha sido por acaso que a Maçonaria, em sua forma atual, a dos Aceitos, nasceu no “Século das Luzes”, o século XVIII. 

Outro símbolo compartilhado é o tão decantado Templo de Salomão. Figura como uma parte central na religião judaica, não só por ser o rei Salomão uma das maiores figuras do panteão de Israel, como o Templo representar o zênite da religião judaica. 

Na maçonaria, juntou-se a figura de Salomão, à da construção do Templo, pois os maçons são, simbolicamente, antes de tudo, construtores, pedreiros, geômetras e arquitetos. Os rituais maçônicos estão prenhes de lendas sobre a construção do Templo de Salomão. Para os maçons existem três Salomões: o Salomão maçônico, o bíblico e o histórico. 

Outro traço cultural comum seria a obediência para com a autoridade. Max Weber propôs três tipos de autoridade: a tradicional, a carismática e a racional-legal. A primeira adstrita às sociedades antigas, a segunda referente aos surtos de carisma que a humanidade vive de tempos em tempos e a terceira, apanágio da modernidade. 

A tradição judaica ensina uma obediência respeitosa para com os pais e os rabinos. A maçonaria ensina, desde a Constituição de Anderson de 1723, o respeito para com a autoridade legitimamente constituída. (Este preceito é cristalino na maçonaria de cunho anglo-saxão, já os latinos, no embate contra o trono e a cruz…). 

Como último aspecto comum, tem-se os esforços positivos na maçonaria e no judaísmo para encorajar o aprendizado. A cultura judaica tem uma larga tradição de impulsionar o maior número de judeus a se notabilizar pelo conhecimento nas artes, na literatura, na ciência, na tecnologia, nas profissões em geral. Durante séculos, os judeus têm se destacado nos diversos campos do conhecimento humano e o seu empenho em melhorar suas escolas e seus centros de ensino demonstram cabalmente isto. 

Digno de notar-se é que as famosas escolas talmúdicas – as yeshivas – vem do verbo lashevet , ou seja sentar-se. Deste modo, para aprender é necessário sentar-se nos bancos escolares. Assim, também na maçonaria, nota-se uma preocupação constante, cada vez maior, com o desenvolvimento intelectual dos seus epígonos, no fundo, não só como um meio de melhorar a sua escola de fraternidade e civismo como também para perpetuar os seus ideais e permanecer como uma das mais ricas tradições do mundo moderno.

Fonte: Informativo O MALHETE Ano VIII nº 82

Nenhum comentário:

Postar um comentário