A COBERTO E A DESCOBERTO
Rui Bandeira
No texto "O Mestre Maçom perante a Sociedade"
referi que o que importa é a contribuição que os maçons dão para a Sociedade,
quer a sua condição de maçom seja publicamente revelada, quer por si se
mantenha prudentemente reservada.
Por outro lado, também já várias vezes pontuei que a
vertente do segredo maçônico que obriga todos os maçons a não revelarem a
condição de maçons dos seus Irmãos que não se assumiram publicamente como tal, para além de evidentes e pertinentes
razões de segurança, prementes em diversas épocas históricas, constitui um
imprescindível ato de respeito pelo critério e pelas escolhas dos seus Irmãos.
Divulgar a sua condição de maçom ou manter a mesma
preservada do público conhecimento é escolha, decisão, que só a cada um compete
fazer e que os demais só têm de respeitar.
Cada um sabe das razões da sua decisão. Isso é para mim uma
evidência. No Brasil e, de uma forma geral no continente americano, como na
Grã-Bretanha, é natural a divulgação da condição de maçom. Na Europa
Continental, e particularmente nas culturas de predominância católica, onde
pontificou a dita Santa Inquisição e mais eco tiveram, historicamente, as bulas
papais de condenação da Maçonaria, é mais corrente que os maçons preservem
publicamente a sua condição, seja por temerem represálias sociais ou
profissionais sobre si ou sobre a sua família, seja por puro reflexo de
preservação da sua intimidade. Compreendo e aceito - só posso fazê-lo! - a
opção de cada um.
Confesso, porém, que cada vez mais a prudência (legítima,
repito) dos meus irmãos que preservam publicamente a sua condição de maçons se
me afigura digna de reponderação.
Sou Mestre Maçom há mais de vinte anos e há mais de vinte
anos que não escondo de ninguém a minha condição de maçom, que orgulhosamente
afirmo ter a satisfação e a honra de ser reconhecido como maçom pelos meus
Irmãos - e nunca notei qualquer represália ou censura ou desconsideração por
essa pública afirmação.
Bem sei que a minha situação profissional - exercício, em
escritório próprio, da profissão de advogado - me isenta de preocupações com
superiores hierárquicos ou competições na hierarquia laboral. Mas vivo e
trabalho em sociedade. Os meus rendimentos dependem de ter clientes que me
procurem e me solicitem que lhes preste serviços da minha profissão. Também sou
tão vulnerável a preconceitos ou represálias como qualquer outro, na medida em
que posso perder trabalho por preconceito de quem me sabe maçom. Mas, repito, nunca dei conta de que tal tivesse
sucedido.
Acho que é tempo de os maçons reponderarem a questão de se
manterem a coberto ou se afirmarem maçons. A Inquisição e os seus atropelos à
dignidade humana são, felizmente, já apenas memória histórica.
Mesmo a proibição salazarenta da Maçonaria foi abolida há já
perto de quarenta anos. Não é, a meu ver, argumento válido o fato de ainda
haver muito preconceito contra a Maçonaria, muitas disparatadas teorias de
conspiração sobre "tenebrosos desígnios" e "subreptícias
conspirações" dos maçons. Porque, se é certo haver esses preconceitos e
essas disparatadas posturas, não é menos certo que o fato de muitos maçons
esconderem a sua condição não só não ajuda nada à extinção ou diminuição desses
preconceitos e disparates, como, em alguma medida, os alimenta, pois
possibilita o raciocínio de que "se eles escondem o que são é porque não são
coisa boa". E é forçoso reconhecer que este argumento pode ser filho do
preconceito, mas não deixa de aparentar algum sentido...
A imagem que ainda existe de que a Maçonaria encobre algo de
conspirativo, de que só existe para que os maçons manobrem na sombra em
proveito próprio, é alimentada por alguns que, eles sim, se aproveitam da
imagem distorcida que voluntariamente dão da instituição para ganharem uns
cobres com umas "reportagens" e uns livros de
"desvendamento" das "ocultas ligações", das
"tenebrosas maquinações" que, insinuam, certamente serão a causa de
todos os males deste país.
Os tais tenebrosos sujeitos que na sombra movem todos os
cordelinhos para se alimentarem das dificuldades de todo um país e todo um
povo, são perigosíssimos, organizadíssimos, escondidíssimos, poderosíssimos,
mas não conseguiram resistir ao cuidadoso escrutínio e à formidável
inteligência dos escribas que, quais super-heróis sem capa, colocam à
disposição dos olhares de todos "importantes" informações - mas um
bocadinho de cada vez, para dar para vários artigos, que a imprensa está em
crise e assim sempre se vendem mais uns exemplares de várias edições... E, bem
coordenadas as coisas, também sempre dá para lançar uma meia-duzia de livros
que, bem publicitados pelo meio, sempre darão para conseguir mais uns
trocados...
Quem publica e alimenta esta imagem negativa da Maçonaria e
dos maçons tem o direito de fazê- lo (chama-se a isto Liberdade de Imprensa - e
qualquer maçom que se preze preza-a também, mesmo que e, sobretudo quando a
mesma é utilizada contra a instituição em que se insere).
Cumpre a nós, maçons, reconhecer que quando não nos
assumimos como tal, quando nos escondemos (é o termo), estamos a alimentar as suspeitas, as
desconfianças, as teorias conspirativas, a deixar o campo aberto a todas as
especulações, a todas as invencionices. A má imagem da Maçonaria que a opinião
publicada instila na opinião pública também, resulta, reconheçamo-lo, da nossa
postura de reserva.
A Maçonaria é um meio e uma cultura de aperfeiçoamento do
Homem - e isso não envergonha ninguém, pelo contrário. Sou maçom porque
procuro, em cada dia, ser um pouco melhor do que na véspera, em todos os
aspetos e todas as vertentes da minha vida. Na minha vida pessoal, na minha
vida familiar, na minha integração social, na minha atividade profissional.
Não tenho, pois, qualquer receio de que os demais saibam que
sou maçom. Não alimento preconceitos nem disparates. Proclamo alto e bom som,
que sou maçom - e com muita honra! Porque ter sido reconhecido pelos meus
Irmãos como um homem livre e de bons costumes me honra! Porque procurar ser
melhor e ajudar os meus Irmãos a ser melhores é motivo de honra!
Ao ter, já há mais de vinte anos, assumido publicamente que
sou maçom, eu sabia que me colocava sob o escrutínio de todos aqueles que,
sabendo-o, lidavam, ou podiam lidar, comigo.
A primeira mensagem que tacitamente deixei a todos foi,
pois, que não temia esse escrutínio. Que não temia que, sabendo-me maçom, me
ajuizassem como homem, como marido, como pai, como profissional. Sabendo que,
se o resultado do escrutínio me fosse desfavorável, haveria o risco de se
dizer: "pois, é maçom...".
Mas esperando que, merecendo bom escrutínio, uns quantos
acabassem por concluir que, se ser maçom é ser o que eu sou afinal os maçons
não são tão maus como alguns os pintam... E fico feliz por poder dizer que,
vinte anos passados, não perdi amigos, não perdi clientes, nunca fui
desconsiderado por não esconder que sou maçom!
Se nós, maçons, queremos ser úteis à Sociedade também pelo
nosso exemplo, então é preciso e
conveniente que a Sociedade saiba que somos maçons...
Termino como comecei: respeito intransigente e completamente
o juízo de cada maçom sobre a divulgação ou não da sua condição. Mas insto a que cada um
daqueles que opta pela posição prudente periodicamente reexamine se a deve
manter ou alterar.
Porque quantos mais manifestarem o seu orgulho na condição
de maçons, sem receio do escrutínio público das suas ações, melhor publicamente
se compreenderá que os maçons não são o que alguns escribas procuram vender,
pelo contrário são homens bons que procuram ser melhores, que reconhecem ter
virtudes e defeitos e que procuram corrigir estes e aprimorar aquelas. E
quantos mais forem exemplo, mais sementes se lançam para que a Sociedade seja
também melhor.
Fonte JB News – Informativo nr. 2.082
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