O BEM, O MAL E A LIÇÃO DA PEDRA BRUTA
Uma análise dos símbolos maçônicos
que têm como objetivo a edificação e aprimoramento do ser humano, e a
necessidade de se lapidar e trabalhar o espírito. (Carlos Raposo)
“All in all you’re just
another brick in the wall” (The Wall, Pink Floyd)
Ao entrar para a Ordem, a primeira imagem com a qual o Aprendiz Maçom toma contato,
sob um ponto de vista sintetiza boa parte (senão todos) dos símbolos
pertinentes a seu presente estágio e, sob outro aspecto, ela traz em si a
indicação do trabalho que começou a ser realizado por aquele que iniciou o seu
longo aprendizado.
Descrevendo rapidamente, a imagem apresenta um jovem olhando em direção a um
bloco disforme de pedra. Este jovem, provavelmente um pedreiro ou um escultor,
traz consigo os instrumentos de seu ofício: um malho e um cinzel. Em uma
primeira vista, logo notamos que, pelo menos os já citados quatro elementos
básicos da imagem, saltam aos nossos olhos. Repetindo, são eles: o próprio
pedreiro, o malho, o cinzel e a pedra bruta.
Para podermos iniciar nossas rápida exposição – tanto sobre esses elementos
quanto sobre o conjunto que a imagem em si representa, como um todo – é
necessário que voltemos um pouco no tempo para nos lembrar da época em que
assim chamada Maçonaria, hoje especulativa, era considerada operativa.
Naquele tempo, com a evolução da arte de se construir, o material utilizado nas
edificações aos poucos passaria de madeira para pedra e, depois, da pedra para
a pedra trabalhada. Assim, as construções iam se tornando mais sólidas e belas.
O trabalho na pedra bruta visava, principalmente, a preparar um conjunto de
peças para que essas se moldassem e se encaixassem em um todo maior de pedras,
e que todo as estivessem em conformidade com o projeto dos “construtores”. No
campo operativo, boa parte do trabalho de lapidação executado pelo novos
Pedreiros era feito com o suo de, entre tantos outros materiais, três elementos
básicos : a Pedra em si, o Martelo (ou Malho) e o Prego (ou Cinzel).
Talvez como efeito do avanço industrial, quando a máquina começava a substituir
a mão-de-obra humana, por volta da segunda década do século 18, a Maçonaria
passaria a ser considerada de ordem especulativa. Assim, boa parte dos
componentes materiais até então utilizados no ofício e na arte da construção
passaria a compor símbolos, cuja natureza, ainda associada às edificações, agora
também estariam relacionados a aspectos internos do ser humano, sejam esses
aspectos de ordem moral, sejam de ordem espiritual.
Dessa forma, o que antes era visto como a preparação para se produzir peças
perfeitas, agora ganhava os contornos de símbolos que visavam à edificação do
verdadeiro homem. Para tal, assim como acontecia com os blocos de pedra bruta,
o próprio homem necessitaria ser trabalhado, ou lapidado, para que sua
perfeição enfim se mostrasse.
Na já citada imagem do Grau de Aprendiz, vemos o jovem pedreiro trabalhando a
pedra bruta. Para a realização desse trabalho, ele emprega o Cinzel e o Malho.
O Malho se encontra em sua mão direita, enquanto o Cinzel está na esquerda.
Comparando a pedra com o homem, é mostrado que ela, em seu estado bruto, se
encontra disforme, distante de um possível estado de perfeição que, mais tarde,
será representado pela Pedra Cúbica; igualmente, esse trabalho de lapidação
poderá ocorrer com o próprio ser humano.
Ora se identificando com a Pedra, ora com o Pedreiro, o Aprendiz terá todos os
elementos necessários para trabalhar a si próprio. Esses elementos estão
representados pelos já mencionados Malho e Cinzel.
Superficialmente, alguns autores relacionam o Malho ao elemento ativo da obra
de desbaste da Pedra Bruta, enquanto que o Cinzel seria o elemento passivo. O
primeiro estaria associado à força e ao intelecto, enquanto que o segundo diria
respeito à arte de esculpir propriamente dita. Em uma análise um pouco mais
criteriosa, o Malho seguro pela mão direita, é entendido como sendo um símbolo
da ação pura da vontade o Aprendiz, atuando com perseverança e continuidade
sobre a Pedra, enquanto o Cinzel é visto como a capacidade de orientação e
observação, a capacidade de saber discernir o que deve ou não ser retirado do
bloco em trabalho. Sob o ponto de vista iniciático, Malho e Cinzel podem ser
percebidos, respectivamente, como a Tradição, que prepara, e como a Tradição,
que prepara, e como a Revelação, que cria. Um é inútil sem o outro, e eles
atuam em conformidade com o Princípio Hermético da Polaridade, que diz que
“tudo é duplo”.
Se uma forma de assimilação do símbolo do Grau de Aprendiz o mostra trabalhando
a Pedra Bruta, um outro entendimento, de ordem ainda superior, nos fala que o
Aprendiz, sendo a própria Pedra a ser desbastada, “sofrerá” a ação do Grande
Escultor, que fará uso dos elementos necessário à realização da Obra
final.
Mas qual seria a relação direta do Bem e do Mal com a lição Pedra Bruta? Estes
dois conceitos, Bem e Mal, ocuparam e certamente continuarão ocupando a mente
de todos e quaisquer estudantes das Ciências Antigas. Genericamente tomados
como conceitos absolutos – nos quais primeiramente poderíamos simplesmente
optar por um (normalmente o Bem) e esquecer o outro – tais aspectos da criação
são de tamanha relatividade que defini-los satisfatoriamente pode parecer
tarefa assaz dura, senão francamente impossível. Assim, iremos nos limitar a
dissertar de modo livre e sucinto sobre os mesmos sempre tendo em mente o
símbolo da Pedra Bruta, bem como nossa fé e confiança no Grande Artesão.
Em princípio, quanto mais livre de conceitos (sobremodo conceitos religiosos)
preestabelecidos estiver a mente de alguém, mais apta esta mente estará para
perceber os notáveis equívocos, alguns seculares, com os quais estamos
obrigados a conviver. Por exemplo, tornou-se uso comum associar Deus tão
somente ao Bem, relegando todos os aspectos supostamente vis da criação, as
“coisas” ruins, ao seu eterno opositor. Dessa forma, a perene luta Bem versus
Mal, tendo seu palco há muito armado, segue seu rumo em direção ao eterno.
Somente como ilustração para este equívoco, citamos um trecho, extraído dos
códigos de uma das crenças mais populares de nosso país. Este trecho afirma, de
modo claro, taxativo, lapidar e final ser “[....] Deus, soberanamente justo e
bom...”. A suposição de que algo seja “justo e bom”, mesmo muito antes de poder
ser considerada primária, deve ser vista como realmente é, ou seja, ilógica,
até mesma contraditória.
O Segundo Princípio elaborado por aquele Três Vezes Grande, o Princípio de
Correspondência nos diz que “o que está em cima é como o que está em baixo...”.
Segundo a lógica hermética, sabemos que, em tese, um juiz, quando emite uma
sentença ou julga uma causa humana, intenta nada mais ser senão justo. Ele não
deseja ser nem bom e nem mau, mas apenas justo. As demais partes envolvidas são
as que, segundo a conveniência de cada uma, entendem ter sido o seu veredicto,
a sentença, boa ou má.
Da mesma forma, seguindo o Princípio Hermético das Correspondências, podemos
supor o mesmo a respeito do Grande Juiz, o Criador. Se Ele é justo, como o
crêem todos, é apenas justo. Nós, suas criaturas, é que, dentro de nossa
limitada compreensão, entendemos serem as Sua ações mera conseqüência de um possível
Bem o Mal. E exatamente nisto, em Sua Justiça, está a Sua Perfeição. Não é à
toa que os maçons se utilizam do mote “Justo e Perfeito”, e nunca “Justo e
Bom”.
Seguindo o raciocínio sobre o Bem e o Mal, no trabalho de lapidação da Pedra
Bruta duas vontades parecem agir de modo concomitante : a primeira vontade
seguirá os desígnios do Criador, que é soberana. A vontade secundária partiria
da própria Pedra, ou do indivíduo a ser trabalhado, no caso, o Aprendiz. Em
ambas possibilidades, intenta-se obter o produto final na forma de uma pedra
Justa e Perfeita. Ela é Justa, pois está adequada à Sua Obra, e é Perfeita,
pois também está em conformidade com a Perfeição de Seu Plano Maior.
O livre-arbítrio que, em princípio, parece dirigir a vontade de Aprendiz, nada
mais é do que a faculdade que lhe dá a chance de estar em harmonia com a
vontade Maior que o criou. Nesse caso, as duas vontades, sendo harmônicas,
passam a ser uma única Vontade. Então, poderíamos entender o Bem como sendo a
capacidade do Aprendiz de pôr a própria vontade em sintonia com a vontade
Superior, enquanto o Mal simplesmente representaria a opção contrária a
esta.
Um outro aspecto do símbolo, presente no processo de tornar desbastada a pedra
bruta, também muito teria a acrescentar. Sob um certo ponto de vista, a Pedra
Bruta é entendida como um estado original de liberdade, enquanto que a pedra
trabalhada é vista como sendo nade mais do que o produto da submissão de uma
individualidade pela força. Mas por hora, devido á densidade deste particular
modo de entendimento da lição da Pedra Bruta, não gostaria de me aprofundar.
Para encerrar, diria apenas que cabe a cada um de nós descobrir a sutil
diferença entre a perfeição da pedra trabalhada e a submissão que o desbastar
da pedra por vezes representa. Não reconhecer tal diferença pode nos levar a
ser, simplesmente, um mero produto de nosso meio, mais uma peça moldada à
revelia de nossa própria vontade, de nosso próprio querer.
Enfim, talvez a diferença possa estar no fato de que, enquanto uma traz em si
mesma o objetivo de toda Iniciação, ou seja, a fiel expressão da vontade do
conjunto Criador e Criatura, constituindo uma verdadeira jóia unia – a outra
não passara de um mero capricho da manipulação profana, apenas mais um tijolo
na parede, fadado a nada mais senão o esquecimento.
Carlos Raposo é maçom, pesquisador da história de ordens secretas, filosofia
oculta e ciências herméticas, e também responsável pelo site Arte Magicka
(www.artemagicka.com).
E-mail para contato: raposo@artemagicka.com
(Revista Sexto Sentido nº 48 – pág. 38
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