Irmão
André Otávio Assis Muniz
BCARLS
XIV de Julho do Rito Moderno
São Paulo
- SP
Temos
plena consciência de que a trajetória histórica do Rito Moderno não foi linear,
mas através de rupturas a partir da grande transformação ocorrida em 1877 que
eliminou dos rituais a obrigatoriedade da forma invocativa do Grande Arquiteto do
Universo e a Bíblia.
Entre as
discussões de 1876 e a votação das reformas de 1877, a maçonaria francesa
chegou a algumas conclusões, fruto de um processo de
evolução racional no sentido de não admitir sectarismo religioso.
“A Franco-Maçonaria não é
deísta, nem atéia nem mesmo positivista. Enquanto Instituição
afirmando e praticando a solidariedade humana ela é estranha a todo dogma e a
todo credo religioso qualquer que ele seja. Ela tem por
princípio único o respeito
absoluto à liberdade de consciência. Não
pretendemos negar ou afirmar qualquer dogma, a fim de permanecermos fiéis ao
nosso princípio e a nossa prática de solidariedade humana. Deixemos aos
teólogos a tarefa de discutir os dogmas. Mas que a Maçonaria fique como ela
deve ser, quer dizer uma Instituição aberta a todos os progressos, a todas as
idéias morais elevadas a todas as grandes aspirações grandiosas e liberais. A
Assembléia considerando que a Franco-Maçonaria não é uma religião; que ela não
pode consequentemente afirmar na sua constituição doutrinas ou dogmas, adota o
voto nº IX”. (Assembléia
Geral de 1877 que aprovou as supressões).
O texto
é bastante claro no sentido de afastar da maçonaria qualquer tendência
religiosa ou dogmática. Ela se oferece “a todos os progressos, a
todas as idéias morais elevadas a todas as grandes aspirações grandiosas e
liberais”, ao mesmo
tempo que remete a discussão dos dogmas aos teólogos sem, contudo, impedir a
livre consciência daqueles que crêem. Esta disposição da maçonaria francesa
seria uma forma de agnosticismo?
Francis
Bacon já distinguia no século XVII três tipos de filósofos: os que pensam que
conhecem a verdade, ou dogmáticos presunçosos; os que
acreditam que nada pode ser conhecido, ou céticos desesperados; e os
que continuam a fazer perguntas a fim de obter um conhecimento imperfeito ou inquisidores persistentes [1].
A
expressão “agnosticismo” é contemporânea da reforma na maçonaria francesa. É
difícil acreditar que inexistisse tal palavra antes da Segunda metade do século
XIX, mas a evidência se encontra durante as reuniões preparatórias na Sociedade
Metafísica, organizada em 1869 por James Knowles, editor e empresário de
vanguarda, com o apoio de Tennyson, festejado intelectual [2].
Numa das
reuniões desta sociedade, Thomas Henry Huxley, jovem biólogo e grande defensor
da teoria da evolução das espécies de Darwin, instado a esclarecer a sua sede
filosófica, declarou:
"Quando cheguei à
maturidade intelectual, e comecei a perguntar-me se era ateu, teísta ou
panteísta, materialista ou idealista, cristão ou livre-pensador, percebi que
quanto mais aprendia e refletia menos fácil era a resposta, até que por fim
cheguei à conclusão de que nada tinha a ver com nenhuma dessas definições, com
exceção da última. A única coisa em que todas essas excelentes pessoas estavam
de acordo era a única coisa em que eu discordava delas. Estavam bastante
seguras de que tinham atingido uma certa "gnose" - haviam, com maior
ou menor sucesso, resolvido o problema da existência, enquanto eu estava
bastante seguro do contrário, e possuía uma convicção razoavelmente forte de
que o problema era insolúvel. E, com Hume e Kant a meu lado, não podia
considerar-me presunçoso por aferrar-me a essa opinião. Portanto, meditei e
inventei o que me parece ser um rótulo adequado: “agnóstico”. Pensei nele como
uma antítese sugestiva dos “gnósticos” da história da Igreja, que professavam
conhecer coisas em que eu era ignorante, e utilizei a primeira oportunidade de
apresentá-la à nossa sociedade (...) Para minha grande satisfação, o termo
pegou." [Vida e cartas, l, 343 e 343-4] [3]
Até esse
momento o mais próximo do termo “agnóstico” era o de livre pensador, mas aquele
que tinha dificuldade em crer era considerado um cético ou pirronista, algo bem
diferente da dúvida exposta por Huxley. O significado, portanto, do “agnóstico”
para o biólogo deve ser entendido como uma contraposição para com aqueles que
adotam doutrinas segundo as quais é possível saber mais coisas do que nos
permite a ciência [4]. Seis anos mais tarde será a vez de Darwin, em sua
Autobiografia, declarar-se agnóstico:
“O mistério de todas as
coisas é insolúvel para nós; quanto a mim, contento-me em permanecer
agnóstico” [5]
O Rito
Moderno não pergunta ao candidato à Iniciação se ele é ateu, teísta ou se
acredita em um Ser Supremo. Seu compromisso, a partir da reforma, é com o
agnosticismo e não tem porque negar esta condição racionalista. O racionalismo
é a característica do pensamento de Rousseau, cujo Contrato Social procura
fundar a Sociedade e o Estado em bases puramente racionais.
O
racionalismo do Rito Moderno corresponde à exigência fundamental da filosofia e
da ciência, pois tanto uma quanto outra são discursos lógicos, racionais, que
pretendem o desenvolvimento humano na direção do possível, em cada intervalo do
tempo histórico.
A idéia
do conhecimento absoluto está travada pela impossibilidade humana de perceber o
incogniscível, na medida em que ele se mostra instável frente à dinâmica
humana. O conhecimento dialético cria constantemente novas contradições que
trazem a reboque novos questionamentos. Dentro destes limites não há como impor
racionalmente uma teleologia, pois apenas através de um dogma sustentado pela
fé e pela revelação, privilégio daqueles que crêem, será possível chegar à
verdade final. A opção está em crer ou permanecer na expectativa. A escolha é
sua.
[1] Cif.
Roger Shattuck. Conhecimento Proibido, pp. 46/47. São Paulo: Companhia das
Letras, 1998.
[2]
Idem, p. 49.
[3]
Retirado de Roger Shattuch, op. cit., p. 50.
[4] Cif.
José Ferrater Mora. Diccionario De Filosofia, t. 1, p. 67. Madrid: Alianza
Editorial, 1984.
[5]
Retirado de Roger Shattuch, op. cit., p. 51.
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