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segunda-feira, 17 de julho de 2017

O ÓLEO NAS BARBAS DE AARÃO

O ÓLEO NAS BARBAS DE AARÃO
Fernando de Faria *

Maçonaria não é religião. O Ritual Maçônico não é culto a Deus. No campo das atividades humanas, Maçonaria é tão apenas um sistema filosófico – complexo e eclético.

Complexo, porque inequivocamente contém muitos elementos ou partes, as sua manifestações (ritos, graus, cerimoniais, símbolos, lendas, alegorias) não se configurando de modo simples, mas sim alcançando significativa variedade. Eclético, porque reúne sistemas diferentes por justaposição ou por operação mais profunda, formulando, da união desses sistemas diferentes, uma unidade nova com características próprias. Assim a presença de elementos bíblicos, da cabala, de símbolos da arte de construir, da alquimia, etc., tudo reunido em um só corpo. Nesse sentido, outrossim, diz-se que sem simbologia e ritualística não há Maçonaria, demonstrando a unidade de símbolos e rituais maçônicos, embora simbologia e ritualística não sejam privilégios apenas dos maçons. Entretanto somos mestres na arte de interpretar símbolos, bem como de elaborara e praticar rituais. Contudo os símbolos maçônicos não possuem caráter sacramental (como a cruz para o cristão, por exemplo), nem os rituais constituem-se em culto a Deus (como a missa). Símbolos e rituais maçônicos são meramente instrumentos de uma didática própria, muito eficiente, capaz de transformar os obreiros , tornando-os homens cada vez mais aperfeiçoados sob os mais diversos aspectos: intelectual, psicológico, social, moral, mental e espiritual.


Nesse contexto a Bíblia tem destaque excepcional. Basta verificar que – determinado por rígida ortodoxia maçônica desenvolvida pelos ingleses – não se considerará regular o corpo maçônico, o rito, a cerimônia maçônica, em que não seja presente a Bíblia (Livro da Lei ou Livro das Sagradas Escrituras, segundo denominações diferentes, mas inequivocamente identificando o mesmo objeto, a Bíblia). E da Bíblia os maçons retiram significativas composições alegóricas (a escada de Jacó, por exemplo) que ocupam lugar de destaque no coração de muitos. Assim o óleo nas barbas de Aarão. Aarão, o levita, irmão de Moisés, que o próprio Deus (Êxodo 4.14-17) constitui porta-voz mosaico, mais tarde capaz mesmo de operar taumaturgias (em linguagem mais livre, milagres), como, por exemplo, fazendo com que rãs saíssem das águas, cobrindo a terra do Egito, tão apenas com o gesto de estender a sua vara (a Vara de Aarão, tão ao gosto maçônico, também) sobre os rios, canais e poços (Ex. 8.1-7). De Aarão, ainda (com aproveitamento à Maçonaria), sua participação na luta contra os amalequitas, um aglomerado de tribos nômades que, conforme a Bíblia (Gênese 36.12) descendiam de Esaú, o irmão mais velho de Jacó, por Elifaz e Amaleque. Nessa batalha (Ex. 17.8-16), quando Moisés orava com os braços erguidos ao céu, os israelitas venciam; quando, cansado, baixava os braços, os amalequitas venciam. E foi Aarão, auxiliado por Hur (personagem interessante, que não deixa outras participações registradas na Bíblia), que, segurando os braços Moisés, levantados aos céu em prece (e esse gesto é aproveitado na gesticulação maçônica de origem inglesa), permitiria a vitória final israelita na batalha de Rafidim.

Como nota negativa em sua biografia – enquanto Moisés estava no Monte recebendo as placas de pedra, onde Deus escrevia os mandamentos, Aarão permitiu que o povo constituísse um ídolo de ouro, um bezerro (Ex. 32.1-35) e a idolatria era (e é) condenada severamente por Deus. Como bem sabemos, a idolatria é filha muito querida da superstição (que a maçonaria rejeita com todo vigor). Aquele que lida com símbolos e alegorias deve estar atento para não cair nesse vicio (a idolatria), pois toda nossa confiança deve ser depositada em Deus (assim claramente registrado em um ritual do Rito Escocês Antigo e Aceito), e apenas em Deus, o Eterno, Altíssimo, único e verdadeiro (e tais expressões maçônicas), constituindo-se em erro transformar símbolos (meros instrumentos de uma formidável didática) em tolos ídolos que nos desviam do verdadeiro caminho. Bem se diz, em exatos termos maçônicos, nas palavras de James Anderson (Obrigações de um Maçom Livre, publicadas com a Constituição de 1723, artigo I – Concernente a Deus e a Religião):
“(o maçom) se bem compreende a Arte, não será jamais um ATEU ESTÚPIDO, nem um LIBERTINO IRRELIGIOSO.”
Pois bem, Aarão foi o primeiro sumo sacerdote israelita, e os filhos dele, Nadab, Abiu, Eleazar e Itamar os primeiros sacerdotes (Êxodo 28.1). E o próprio Deus (Êxodo 28.3 – 43) ensinou a Moisés como seria a roupa de Aarão (manto, cinto, peitoral, sobrepeliz) com detalhes preciosos, exigindo mesmo que fosse confeccionada uma lâmina de ouro puro (Ex. 28.36-37) que Aarão usaria na testa (para que não houvesse iniqüidades no momento do ofertório, e a Deus fossem ofertadas somente coisas santas), e nessa placa escrita a frase “toda santidade ao senhor” (utilizado significativamente pelos maçons que praticamos o Rito de emulação), que significa genericamente: “separado ou consagrado a Deus”. Tudo seria feito com exatidão (39.1-31). Mais ensinaria Deus: o modo como Moisés deveria consagrar (separar, destacar), ordenando sacerdotes a Aarão e seus filhos (Ex. 29.1 – 35). E nesse cerimonial santo, o ato de colocar na cabeça de Aarão o óleo de ungir (Ex. 29.7 e 30.22 – 33), um azeite preparado de modo especial (pegue a Bíblia, irmão leitor, e confira lá como se faz esse óleo) para ser usado apenas no serviço do culto a Deus, não podendo ser colocado sobre o corpo de quem não fosse sacerdote. Na realidade um óleo perfumado: mirra, canela, cana cheirosa, cássia, tudo muito bem determinado a Moisés por Deus. Tão séria essa ordenação que Nadab e Abiu, filhos de Aarão, sacerdotes também, ao desrespeitarem o cerimonial (Levítico 10.1 – 5), foram mortos por Deus que exigia: “toda santidade ao Senhor”.

E é isso. Podemos imaginar Moisés – e o momento é de magna sublimidade, eis que se ordenava o primeiro sacerdote do povo israelita. O azeite perfumado (obra de perfumista, diz o Livro das Sagradas Escrituras), consagrado a Deus; Aarão, suas vestes sacerdotais, inclusive o manto (fios de lã azul, púrpura e vermelha, de linho fino e de fios de ouro, enfeitado com bordados). Moisés toma do óleo santo e o derrama sobre a cabeça de Aarão, e o óleo corre sobre os cabelos, desce pela barba e vai embeber o manto. Ali está Aarão ajoelhado, Moisés fazendo como Deus lhe ordenara (Levítico 8.4 – 5). Vamos repetir: à entrada da tenda (o Tabernáculo), Moisés lavou Aarão e seus filhos com água; vestiu Aarão com a túnica; pôs a sobrecapa, a estola sacerdotal e o cingiu com o cinto de obra esmeralda, ajustando as vestes; pôs o peitoral e, sobre este, o Urim e o Tumim (presumidamente pedrinhas ou pauzinhos coloridos e com sinais diferentes, que serviam à arte sacerdotal do oráculo); pôs a mitra sobre a cabeça de Aarão e, na mitra, bem na frente da cabeça, colocou a lâmina de ouro (“toda santidade ao Senhor”); tomou o óleo perfumado e ungiu o Tabernáculo e tudo que havia nele, consagrando-os, e, então, derramou o óleo sobre a cabeça de Aarão.

Muitos se emocionam com essa recordação. Basta ver com que solenidade a cena é rememorada em alguns rituais praticados pela maioria dos maçons brasileiros. Sem duvida a Maçonaria não é judaica, mas essa cena da História de Israel foi incorporada às alegorias maçônicas contemporâneas, alcançando nossas mentes e corações. Sim, mais tarde, o rei David, sob o título genérico de Canção de Peregrinos, cantaria em Salmo célebre a união e paz que deve reinar entre Irmãos (é essa mensagem deste texto). Conhecendo o contexto, sabendo que na origem se encontra a ordenação do primeiro sacerdote, instituído conforme as determinações do próprio Deus, sabendo enfim como era preparado o óleo sagrado; sabendo do manto e das barbas venerandas; enfim, vendo a cena de modo integral e tendo em conta o seu significado mais profundo e comovente – ah! – muito bom, isso nos suscita o conhecimento exato do que ocorrerá se os Irmãos viverem em união. O Cântico de David:

“É bom e agradável que os irmãos vivam em união! É como o óleo perfumado sobre a cabeça de Aarão, que desce pelas suas barbas e pela gola de seu manto.”

* Fernando de Faria, Grande Secretário Geral de Orientação Ritualística, adjunto para o Rito Brasileiro – é membro de lojas simbólicas e corpos filosóficos do REAA, bem como pratica o Rito York, integrando, outrossim, Capítulo do Arco Real.

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