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quinta-feira, 7 de junho de 2018

O TERCEIRO PASSO

O TERCEIRO PASSO
José Maurício Guimarães

O desenho que coloquei no início deste texto aparece repetidas vezes nas redes sociais. É exatamente por causa de aparecer tanto no Facebook e no WahtsApp que ninguém dá a mínima atenção ao profundo significado que a simplicidade dessa ilustração encerra. 

Quando alguém não entende patavina do que queremos dizer, quando alguém não percebe bulhufas de nada, nem do óbvio, costumamos perguntar ironicamente:

‒ Entendeu não? Quer que eu desenhe?

Pois é. Neste caso o desenho vem antes do que tenho para dizer. Portanto, olhem bem para a ilustração antes de lerem o texto; procurem compreender qual o significado das quatro subdivisões ali representadas.

(Pausa para olhar o desenho e refletir) 

Primeiro quadrinho: Num primeiro momento, recebemos apenas informações ‒ estamos mergulhados num mundo de WhatsApp, Facebook, e-mails, livros, televisão, jornais, opiniões, objetos, bens de consumo, conversas fiadas, etc. Carl Gustav Jung chamou isso de sensação: “função periférica através da qual se recebe informação sobre o mundo dos objetos exteriores” (1). É nesse mar caótico que 99% de nós vivemos, 90% do tempo. Um amontoado inútil de percepções que “entram num ouvido e saem no outro”, como se diz popularmente. Eu chamo isso de “alzheimer-auto-programado” onde ninguém é capaz de lembrar o que almoçou no dia anterior. Você se lembra?

É nesse nível de informação que se situa a maioria das pessoas: ouvindo e vendo, ouvindo e vendo..., ouvindo e vendo... mas não conseguiram sair do lugar. Não deram sequer o primeiro passo.

O primeiro passo é alcançado apenas quando a pessoa passa do primeiro quadrinho para o segundo ‒ vejam de novo a ilustração: o primeiro passo é a passagem do mundo das informações para a função do conhecimento. Agora os pontos esparsos já estão conectados entre si e formam um padrão inteligível, algo que pode ser apreendido pelo intelecto, além dos sentidos. No livro já citado, Carl Gustav Jung chamou isso de “pensamento”, um segundo círculo onde as coisas recebidas via informação são elaboradas, recebem um nome (2). Ou seja: se você não consegue explicar algo com suas próprias palavras, é porque não sabe; não aprendeu.

O segundo passo acontece quando passamos do conhecimento para o plano da experiência. Aqui o sentimento representa fator fundamental. Trata-se de uma questão íntima, a descoberta ‒ conforme ensinou Jung ‒ da relação entre as coisas apreendidas: no desenho é o quadrinho onde os elementos que interessam são separados dos demais (selecionados pelo discernimento) numa construção lógica, permitindo ao pensamento extrapolar os limites meramente conceituais: executamos esse segundo passo quando descobre EM QUÊ & COMO o simbólico ou a filosofia pode nos ajudar a sermos mais felizes e úteis aos semelhantes.

Esse segundo passo consiste no aprendizado real de como enfrentar desafios na vida ‒ como encarar uma mudança de carreira na meia-idade, por exemplo. Ou como não se desestruturar ao se debater na dúvida entre opções que possam lhe custar o emprego; ou mesmo como lidar com preocupações. 

Mas essa descoberta tem que ser pessoal e mediante experiência própria. Nesse aspecto nenhuma religião, nenhuma filosofia contida nos livros, nenhuma ordem iniciática ou terapia tem uma receita pronta. O alquimista é você mesmo; todo o resto são apenas referências.

Muitas pessoas que conheço conseguiram dar o segundo passo e obtiveram conhecimento próprio pela experiência. São artistas, escritores, artesãos e até mesmo pessoas simples e desconhecidas do “grande público”.

Mas o TERCEIRO PASSO é que está perdido ‒ a passagem da experiência para a INTUIÇÃO.

“É a intuição que nos faz ver o que está acontecendo nos cantinhos mais escondidos da consciência, o destino das coisas percebidas, bem como da maneira pela qual elas se desenrolam no presente” ‒ diz Carl Gustav Jung (3).

Reparem no último quadrinho do desenho. Os objetos particulares e as conexões entre eles continuam existindo, mas em segundo plano. Estão no presente, mas a função mental aponta vigorosamente para além e com força criativa de nova realidade. É impossível, por exemplo, compreendermos e REALIZARMOS o Cristianismo, e mesmo a figura de Jesus Cristo, sem essa espécie de “salto quântico”. Há muitos cristãos, budistas, judeus, maometanos, etc. que olham para o vazio, para realidades mortas e sepultadas no túmulo vazio do conhecimento. Seriam necessários aqueles “três dias” e uma ressureição para que esses sepulcros dessem a conhecer, de novo, o Verdadeiro Mestre (4).

Dar esse Terceiro Passo é próprio dos autênticos líderes, dos gênios, daqueles que passam da experiência para a INTUIÇÃO CRIATIVA ‒ seja na elaboração de projetos, seja pela criação de “novas realidades” ou pela mudança de paradigmas nas artes, nas ciências e mesmo nas religiões e Ordens iniciáticas. Essas pessoas fazem a diferença enquanto que os demais são simples imitadores. Como dizia Théophile Gautier, referindo-se aos conjuntos de pessoas que seguem um sistema de pensamento ou doutrina: “Une école c'est un qui a du talent et beaucoup d'autres qui n'ont pas” (uma escola é uma pessoa que tem talento e muitos outros que não têm).

Considerações finais:

O momento é de REFLEXÃO, ‒ a começar pelo desenho que aparece tantas vezes nas redes sociais e que coloquei no início deste texto. O momento é de aprendizagem dos verdadeiros valores civilizatórios, hoje sufocados pelos excessos de formalismo, pela repetição sem significado procedimentos, palavras e ideias, fatores que, sozinhos, não conduzem a absolutamente nada.

(1) “Fundamentos de Psicologia Analítica”: Segunda Conferência. Editora Vozes, Petrópolis, 1989 ‒ páginas 32 e seguintes.

(2) Nomear é conhecer: assemelha-se esta fase ao momento em que, no Paraíso, Adão começa a dar nomes aos animais (“E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo o animal do campo...” Gênesis 2:20). Muita gente ri dessa alegoria Bíblica. Mas é como eu disse: não conseguem ver além das aparências. 

(3) JUNG, Carl Gustav ‒ obra citada. 

(4) Acontece o mesmo com o mítico “túmulo de Christian Rosenkreuz” (ou de Hiram) que a razão tenta falsificar de diversas formas sem ter olhos para ver o que se passa no “grande além de dentro”.

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