Páginas

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

MAÇONARIA OPERATIVA

MAÇONARIA OPERATIVA
Francisco Carromeu, M∴M∴ 
(R∴L∴ Madrugada, nº 508 a Or∴ de Lisboa, G∴O∴L∴) 

A Maçonaria, tal como hoje a conhecemos e com as poucas alterações que foi sofrendo ao longo do tempo, é a mesma que nasceu da constituição da Grande Loja de Londres, em 1717, pela reunião das quatro lojas que a fundaram. Desse acto fundador da Maçonaria Moderna, também designada de especulativa, relevam três características fundamentais que a definem: a variedade de profissões a que pertencem os seus membros, a tolerância religiosa e política entre si e em relação aos outros e, finalmente, a adopção de um ritual e de um conjunto de normas estatutárias, derivadas das antigas corporações de ofícios da Idade Média. 

Estas três características, se por um lado, legitimam a nova maçonaria como a continuadora daquelas instituições medievais, porque encontramos nelas, formas, expressões e comportamentos que se revêm nas lojas maçónicas, por outro lado, elas não podem ser entendidas como uma mera evolução da primeira. Primeiro, porque as lojas fundadoras da Grande Loja de Londres não eram antes operativas, ou qualquer outro tipo de confrarias ou corporações e os seus membros não tinham essa proveniência; segundo, porque essas corporações tinham a singularidade de congregar indivíduos da mesma profissão ou de profissões afins, enquanto as lojas maçónicas se caracterizam, precisamente, pela sua interprofissionalidade; terceiro, porque as primitivas associações medievais adoptavam um santo protector, ou orago, à volta do qual se desenvolvia uma liturgia própria, ao contrário das lojas maçónicas, onde essa questão é ultrapassada pela designação de Grande Arquitecto do Universo, sem definição objectiva, para que cada um reveja nele, ou a partir dele, o fundamento das suas convicções religiosas e o possa aceitar como seu.

É claro que estas preocupações se explicam melhor, se enquadrarmos a fundação da Grande Loja de Londres, na Inglaterra de princípios do século XVIII. Alguém lhe chamou o século da tolerância porque sucedeu a um outro que foi o seu contrário - um longo período, longamente castigado pelos conflitos religiosos, com vítimas que se contavam às centenas de milhar e com os consequentes reflexos no tecido social e na estrutura do poder político, instabilizado no interior e, por isso, fragilizado para enfrentar os concorrentes europeus, também eles a passar por dificuldades semelhantes. 

Para uma Inglaterra que havia assumido uma rebelião radical contra Roma e contra a autoridade papal, era compreensível o aparecimento de certos focos do grande conflito religioso que continuava em toda a Europa, enquanto se não definisse a estrutura de uma nova religião, que fosse suficientemente autónoma e distante das questões pelas quais se rebelara. Mas a Igreja católica tinha enveredado pela via mais radical e definia as novas regras nas conclusões do Concílio de Trento. Era a separação das águas que o protestantismo agradecia como legitimação da sua dissidência. A via protestante do cristianismo europeu tinha agora um caminho mais fácil a percorrer. 

Ao longo do século XVII e com o fim do consulado de Cromwell, a Inglaterra possuía uma igreja própria, a anglicana, autónoma em relação a Roma, mas faltava-lhe uma organização de elite que tivesse uma função reguladora da sociedade, da moral e dos costumes, mas que não deixasse de promover um certo dinamismo social e económico, de que o país tanto precisava; que fosse uma espécie de superestrutura que, tanto protegesse as instituições nacionais como também lhes conferisse uma acentuada competitividade, numa Europa onde o Antigo Regime já ia dando muitos sinais de cansaço, sem deixar vislumbrar os contornos da nova ordem. Estabilizadas as instituições inglesas, havia agora que propiciar-lhes um terreno fértil para se desenvolverem, promover as melhores condições para a congregação de uma massa crítica, intelectual, científica, religiosa e política, que atravessasse horizontalmente as classes e permitisse um debate de ideias, livre e alargado. 

É este o contexto em que aparece a Maçonaria Moderna, vinda do interior de um sistema político e religioso que defenderá sempre, enquanto cria as mais diversas dinâmicas de crescimento, na sociedade, na economia e nas organizações. A Inglaterra, como toda a Europa, tinha uma longa experiência de instituições corporativas que congregavam a maioria das actividades artísticas e comerciais, tinham rituais próprios e selectivos de entrada de novos membros e uma prática operativa só conhecida dos seus iniciados.É essa prática secreta que a Maçonaria Moderna importa e a coloca ao serviço e ao alcance de indivíduos pertencentes a várias classes, fazendo dessa nova organização uma Ordem de consciência e de valores. Se a Maçonaria Moderna tivesse saído do interior dessas organizações, podíamos conhecer as fases e as formas dessa evolução, as contestações internas e as dificuldades próprias de cada processo evolutivo. Mas não, as confrarias, as irmandades, as corporações de artes e ofícios, não se deram conta do nascimento da Grande Loja de Londres e o percurso de ambas decorreu afastado e sem pontos de cruzamento. 

Não foram, portanto, essas instituições da antiga maçonaria operativa que se desenvolveram no sentido da maçonaria especulativa. Delas, a Maçonaria Moderna só aproveitou a forma simbólica e ritualista que a legitimou. Se assim não fosse, poderíamos supor que a Maçonaria especulativa bem poderia ter surgido num outro qualquer país da Europa, como em França, em Itália, em Espanha ou em Portugal. A maçonaria moderna, da forma como a conhecemos desde 1717, não podia ter resultado do desenvolvimento das confrarias ou das corporações de ofícios, como as conhecemos em Portugal. As suas histórias são importantes, sem dúvida, sábias nas formas como definiram e aperfeiçoaram determinadas actividades ou artes, ricas nos elementos ritualísticos, simbólicos e iniciáticos que desenvolveram. Neste aspecto, a maçonaria moderna pode reivindicar para si uma herança que lhe pertence por inteiro, mas se repararmos na vida destas instituições, no tempo em que elas coexistem, apresentam percursos paralelos sem nunca se terem cruzado, é descontínua. Das corporações de artes e ofícios, há uma herança imaterial que a maçonaria moderna recebe e adapta ao racionalismo do século XVIII, mas a herança material e humana, transfere-se para a diversidade das novas instituições nascidas da Revolução Industrial, as Academias e as novas Universidades, as Ordens profissionais e, mais tarde, os Sindicatos. 

A história portuguesa assinala a existência de inúmeras corporações, confrarias e irmandades, com uma extraordinária capacidade de intervenção na sociedade e na economia.Essas instituições tiveram, algumas desde os primórdios da nacionalidade, uma acção determinante na própria formação do estado e da nação portuguesas, sem que se tenham deixado contaminar com as prerrogativas do poder político ou do poder religioso e é pena que ainda escasseiem as monografias sobre elas que, cremos, bem podiam confirmar esta asserção. Casos como o da Casa dos Vinte e Quatro, o das Ordens Religiosas e Militares, o do movimento das Misericórdias e o da Irmandade de São Lucas, são alguns desses casos, mas há outros, e muitos, que continuam a aguardar quem os estude devidamente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário