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domingo, 11 de novembro de 2018

O RITO MODERNO

O RITO MODERNO 

O Ir∴ Octaviano Galvão Filho, ao prefaciar a obra do Ir∴ José Castellani – A MAÇONARIA MODERNA [1] -, com propriedade, afirma:

“Para pesquisar a verdade, é preciso desfazermo-nos de todos os conceitos adquiridos e reconstruir de novo, desde os fundamentos, todos os sistemas do nosso conhecimento.”

E a sua assertiva é de tamanha propriedade, que nos induz a uma profunda reflexão: 

- Quem de nós está certo, quando falamos em Maçonaria?
Nesta pergunta, inserimos os conceitos mais adotados, deturpados e, por isto mesmo, os mais atacados. São conceitos como dogmatismo, adogmatismo, teísmo, deísmo e agnosticismo. Já se fala, até mesmo, em panteísmo. Quando se trata, em Maçonaria, acerca de um rito, as primeiras considerações que se fazem são as que dizem respeito ao conhecimento de Deus. Mas a Maçonaria, apesar de enxertar temas de religiosidade [2] em seus rituais, não poderá, jamais, ser confundida com religião. E por esta razão, com propriedade, que o Rito Moderno faz questão de aplicar os “landmarques” de Findel, cuja compilação, extraída do trabalho do Ir∴ Antônio Onías Neto [3], Grande Inspetor do Rito Moderno, é a seguinte:

1.- A obrigação de cada Maçom de professar a religião universal em que todos os homens de bem concordam. (praticamente transcrevendo as Constituições de Anderson, primeiro documento oficial da moderna Maçonaria)

2.- Não existem na Ordem diferenças de nascimento, raça, cor, nacionalidade, credo religioso ou político.

3.- Cada iniciado torna-se membro da Fraternidade Universal, com pleno direito de visitar outras Lojas.

4.- Para ser iniciado é necessário ser homem livre e de bons costumes, ter liberdade espiritual, cultura geral e ser maior de idade.

5.- A igualdade de Maçons em Loja.

6.- A obrigatoriedade de solucionar todas as divergências entre os Maçons dentro da Fraternidade.

7.- Os mandamentos da concórdia, amor fraternal e tolerância; proibição de levar para a Ordem discussões sobre assuntos de religião e política.

8.- O sigilo sobre assuntos ritualísticos e os conhecimentos, havidos na iniciação.

9.- O direito de cada Maçom de colaborar na legislação maçônica, o direito de voto e o de ser representado no alto corpo.

Diante da compilação de Findel, podemos observar um distanciamento de dogmas havidos na compilação de Mackey.

José Castellani [4], in Análise da Constituição de Anderson, com sua maestria em discorrer sobre a História da Maçonaria, traça um paralelo entre os “Antigos” e os “Modernos” e, ao depois, concluí tecendo comentários acerca dos “Estatutos e Regulamentos Gerais” do Grande Oriente de França, “que não incluindo exigências de ordem religiosa e metafísica, o que não provocou nenhuma reação da Grande Loja Unida da Inglaterra. Em 1849, entretanto, por influência dos partidários de uma aproximação com a Grande Loja Unida da Inglaterra, os estatutos foram reformados e transformados em Constituição, contendo cláusulas inspiradas pela revisão de 1815, com exigência da crença em Deus, mas com a recomendação de se respeitar a consciência individual.”

O certo é que a Maçonaria surge, enquanto Maçons dos Aceitos, devidamente constituída legalmente, na Europa do Século XVIII, nitidamente racionalista. Ultrapassamos o naturalismo e o homem passa a dar mais importância às experiências científicas, surgindo a clássica obra de Descartes [5] – O Discurso do Método -, onde, dentre outras teorias racionalistas, pretendia provar cientificamente a existência de Deus.

Também não podemos chegar ao ponto de admitir a existência de Deus através de formas científicas. Aos teólogos, sim, compete o árduo trabalho de definir e apresentar a “imagem” Divina. Nós, enquanto Maçons, apesar de termos recebido como herança todo a religiosidade dos Maçons Operativos e as compilações do Reverendo James Anderson, devemos respeitar, com absoluta liberdade de pensamentos, todas as correntes doutrinárias e teológicas de nossos Irmãos. 

E, neste ponto, a declaração de agnosticismo de um rito em nada fere os conceitos da Franco-Maçonaria Universal. Ao contrário, se por um lado o Rito Moderno é por demais incompreendido, por outro, em se tratando de Maçonaria, que não pode ser, sob qualquer hipótese, confundida com uma seita ou religião, o agnosticismo é a consumação do respeito à liberdade de pensamento.

O Rito Moderno evoluiu, em seus conceitos. A sociedade se modifica, a cada dia. E um dos princípios básicos da Maçonaria é justamente a evolução conciliada com a tradição. É o progressismo pregado na Constituição do Grande Oriente do Brasil. O próprio Leviatã de Hobbes vem sendo estudado de forma diversa e criando-se teorias novas acerca do Estado. Apesar de racionalista, Hobbes e Descartes discordavam em seus pontos de vistas, podendo afirmar, mesmo, que os dois eram inimigos. Se por um lado havia a necessidade de uma lógica matemática, por parte de Hobbes, Descartes admitia a existência como uma dualidade – corpo e espírito.

As teorias filosóficas, desde a era socrática, vêm sofrendo modificações, onde o homem passa a ter liberdade absoluta de consciência. Saímos de um medievalismo para alcançarmos o racionalismo a partir do século XVII. E eis que surge, no início do Século XVIII, o Iluminismo, livrando a sociedade, como afirmam Castellani e Frederico Costa [6], de séculos de credulidade e superstições. Mesmo em Descartes e Hobbes, que podem ser considerados precursores do pensamento racionalista, há uma mistura entre a razão e a metafísica, não se podendo, desta forma, admitir, simplesmente, o pensamento racional como suas grandes bases.

Continuam os historiadores: “Mas nem tudo, naquela época, era razão pura. Mitos e fantasias corriam par a par com o despertar do racionalismo. O mito templário, entre outros, surgiu ao lado da revisão histórica. A simples crença nos mitos medievais mostra claramente como os homens que viveram o Iluminismo podiam afastar-se do racionalismo científico rígido. Os Templários não eram estudados criticamente, mas sob o manto da fantasia e da mistificação.”

A Maçonaria dos modernos, ainda mesmo no século XVIII e início do século XIX, sempre pugnou pela simplicidade e pela igualdade entre os Maçons. Podemos observar isto, nos dias de hoje, com clareza meridiana, ao analisar o manual de orientação ritualística do Rito Moderno, editado pelo Grande Oriente do Brasil, onde, somente para efeito de raciocínio desta igualdade, podemos observar que o balandrau é a vestimenta padrão do Rito. E faz sentido! Liberdade – Igualdade – Fraternidade. O uso do balandrau iguala e nivela os Maçons em Loja. Nada de exigência de ternos, cores de gravata etc. A igualdade na vestimenta demonstra um desapego a toda e qualquer vaidade humana – tão combatida pela Maçonaria – e nivela os II∴ em Loja, por uma única veste. A Maçonaria do Rito Moderno, ainda que nascida no Século XVIII, transforma-se na Maçonaria do Terceiro Milênio, ao passo em que as mistificações dentro da Ordem vêm perdendo espaço e os II∴ passam a dar mais importância ao verdadeiro estudo da Maçonaria.

Neste ponto, contudo, faço referência a trabalho de minha autoria, intitulado Uma Visão Transdisciplinar da Maçonaria, onde, diante dos conhecimentos recebidos por meio de investigações dentro da Ordem e mesmo pela historiografia Maçônica séria – onde temos como grande difusor o I∴ José Castellani e, ao depois, o I∴ Frederico Guilherme Costa – os estudos acerca dos problemas mundiais e outros, até mesmo dentro da mais profunda análise filosófica, são permitidos, posto estarmos em um meio onde os Maçons são, sem sombra de dúvidas, formadores de opinião e livres pensadores. Contudo, a figura laica deve ceder espaço à LIBERDADE ABSOLUTA DE CONSCIÊNCIA. Os conhecimentos Maçônicos devem romper fronteiras. Talvez o grande ponto do antimaçonismo seja exatamente o de criar um descrédito na Ordem, pelo misticismo exagerado que alguns pregam. O Rito Moderno nasce, assim, como forma de destituir estes pensamentos. E neste ponto destacamos mensagem do Grande Oriente da França [7]: 
Le Grand Orient de France vit dans son siècle et mène les combats émancipateurs de son temps.
(...) Elle a pour principes la tolérance mutelle, le respect des autres et de soi-même, la liberté absolue de conscience. 
Considérant les conceptions métaphysiques comme étant du domaine exclusif de l'appréciation individuelle de ses membres, elle se refuse à toute affirmation dogmatique (...).
Article Premier (suite).
Le Grand Orient de France pratique la Tolérance Mutuelle qui est le fait d'être tolérant avec ceux qui sont tolérants, ce qui impose de lutter contre tous les dogmatismes qui veulent contraindre à des politiques et à des croyances en refusant aux hommes toutes libertés en quelque domaine que ce soit.
Alors que dans d'autres formes de Franc-Maçonnerie -notamment dans celles descendant directement de la Franc-Maçonnerie anglaise et en ayant conservé les dogmes- il faut être croyant et pratiquant pour être Franc-Maçon, le Grand Orient de France est institutionnellement une société qui pratique la Liberté Absolue de Conscience, c'est-à-dire qui laisse à ses membres le choix de croire en une vérité révélée de son choix ou de n'en pratiquer aucune. C'est ainsi que dans ses Loges Maçonniques cohabitent des croyants de toutes religions avec des athées, des agnostiques, des libres penseurs. C'est dans le sens de cette liberté de conscience que le Grand Orient de France défend la laïcité de l'état dans l'ensemble de ses activités et pas seulement dans l'enseignement public qu'elle veut maintenir gratuit, laïque et obligatoire pour tous. Cette conception nouvelle de la Franc-Maçonnerie -de Liberté Absolue de Conscience née du Convent (Assemblée Générale annuelle) de 1877 et qui veut agir sur les problèmes de son temps- a donné naissance à un nouveau courant d'exercice de la Franc-Maçonnerie que l'on appelle la Franc-Maçonnerie Libérale. Celle-ci se développe très rapidement dans tous les pays du monde où les hommes aspirent à ne plus être esclaves des dogmes et des obligations de croire et veulent changer la société dans laquelle ils vivent, pour préparer celle de demain, meilleure et plus éclairée.
Em sua obra, Filosofia da Maçonaria [8], Giuliano di Bernardo, discorre sobre a impossibilidade de a Maçonaria ser considerada como religião. Se, por um lado, adotarmos critérios litúrgicos exacerbados, inclusive em nossas Iniciações, remontando, até, a práticas místicas do animismo africano, transformaremos a Maçonaria em uma religião ou mesmo em uma seita – o que é inadmissível, dentro do princípio da mais ampla liberdade de consciência.

Não podemos olvidar, contudo, que há Maçons que praticam e são adeptos do esoterismo e do misticismo, assim como em muitas religiões. O Brasil, por natureza, é de tal forma eclético, que até este fato é permitido. Contudo, como sempre assevera o Eminente I∴ Antônio Onías Neto, é preciso distinguir o pensamento místico da Maçonaria.

O misticismo exagerado – e quando falamos em misticismo estamos adotando concepções metafísicas, nitidamente aplicada pelos rosacruzes, confundimos a essência da Maçonaria. Poderíamos dividir a Maçonaria em Maçonaria dos autênticos e Maçonaria dos místicos e, neste ponto, seríamos um péssimo “divisor de águas”. Ao invés disto, é importante que os nossos II.'. esoteristas tenham idéia de que a Maçonaria pode adentrar ao estudo de “mistérios”. Não pode, contudo, ser interpretada como tal. Não pode ser considerada a Maçonaria, assim, escola de mistérios ou de divulgação de ensinamentos de Hermes; ainda que muitos queiram. Ao adotar a posição agnóstica, o Rito Moderno expurga os “divisores de água” dentro da Ordem. E assim se admite com uma propriedade sem fim. Giuliano di Bernardo, assevera que “a experiência mística é, por sua natureza, inefável e incomunicável. Disto se deriva uma situação paradoxal: o misticismo é a negação da história dentro da história mesma.”

E o que seria, então, o agnosticismo?

Segundo definição da Enciclopédia Digital Koogan-Houaiss, o “agnosticismo é a doutrina que declara inacessível o absoluto ao espírito humano ou que considera vã qualquer metafísica ontológica.”

Diante disto, já que estamos em uma sociedade nascida enquanto dos aceitos junto com o Iluminismo e podemos observar que mesmo dentre os racionalistas puros do século XVII há grande divergência entre seus pensamentos, é de se afirmar que o espírito humano, com sua mente limitada a uma capacidade mínima de uso, não tem como explicar ou declarar o que é o supremo. Compete-nos, contudo, estudar e pesquisar. Ampliar nossos conhecimentos e separar o que é de César e dar a César.

Porque, no Rito Moderno, (...) Sa devise est : Liberté, Egalité, Fraternité.

José Carlos de Araújo Almeida Filho
M∴M∴ - CIM 188725
Trabalho elaborado para a Loja de Pesquisas Maçônicas Quatuor Coronati do Brasil, 2671

BIBLIOGRAFIA

[1] CASTELLANI, José – A Maçonaria Moderna – Ed. Gazeta Maçônica – São Paulo – SP - 1987

[2] ALMEIDA FILHO, José Carlos de – Caderno de Pesquisas Maçônicas XVII – Anuário da Loja de Pesquisas Maçônicas Quatuor Coronati do Brasil ( Coletânea ) com diversos autores – trabalho A Religiosidade na Maçonaria – Ed. Maçônica A Trolha Ltda. – Londrina – PR - 2000

[3] ONÍAS NETO, Antônio – Rito Moderno e os Landmarques – Trabalho publicado no Manual de Ritualística do Rito Moderno - G.'.O.'. B.'. - 2000

[4] CASTELLANI, José e RODRIGUES, Raimundo – Análise de Constituição de Anderson – Ed. Maçônica A Trolha Ltda. – Londrina – PR - 1995

[5] Descartes viveu no Século XVII ( * 1596 - + 1650 ), mas suas idéias racionalistas se propagaram no tempo. Descartes é o antagonismo das idéias de Francis Bacon (membro da Ordem Rosacruz, segundo a própria AMORC ) e da teoria cartesiana.

[6] CASTELLANI, José e COSTA, Frederico – O Rito Moderno – A Verdade Revelada – Ed. Maçônica A Trolha Ltda. – Londrina – PR – 2ª edição, 1997

[7] Obtido por meio eletrônico, no “site” http://www.godf.org 

[8] DI BERNARDO, Giuliano – Filosofia da Maçonaria – ed. Royal Arch - 1997)

TRADUÇÃO LIVRE

O Grande Oriente da França vive em seu século e esta a frente dos combates emancipatórios de seu tempo.

(...) Ela [a Maçonaria] tem por princípios a tolerância mútua, o respeito aos outros e a si mesmo, a liberdade absoluta de consciência.

Considerando as concepções metafísicas como sendo de domínio exclusivo individual de seus membros, ela refuta toda afirmação dogmática.
(...)
O Grande Oriente de França pratica a tolerância mútua, que o faz ser tolerante com aqueles que são tolerantes, aquele que se propõe a lutar contra todos os dogmatismos que querem contradizer as políticas e as crenças que não permitem aos homens todas liberdades em qualquer área que seja.

Então que em outras formas da franco-maçonaria - notadamente naquelas que se originam diretamente da franco-maçonaria inglesa e tendo conservado os dogmas – é preciso ser crente e praticante para ser franco-maçom, o Grande Oriente de França é institucionalmente uma sociedade que pratica a liberdade absoluta de consciência, isto quer dizer que deixa a seus membros a escolha de acreditar numa verdade revelada de sua escolha ou de não praticar nenhuma. É assim que nas suas lojas maçônica coabitam crentes de todas as religiões com ateus, agnósticos, livres pensadores. É no sentido desta liberdade de consciência que o Grande Oriente de França defende o estado laico junto de suas atividades e não somente no ensino público que ela quer manter gratuito, laico e obrigatório para todo. Esta concepção da nova franco-maçonaria – de liberdade absoluta de consciência nascida na Convenção (Assembléia Geral Anual) de 1877 que atua nos problemas do seu tempo – deu início a uma nova corrente de exercício da franco-maçonaria que chamamos a franco-maçonaria liberal. Isso se desenvolve rapidamente em todos os países do mundo onde os homens não querem mais ser escravos de dogmas e de obrigações de acreditar e querem mudar a sociedade em que vivem, para preparar o amanhã, melhor e mais esclarecido.

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