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sexta-feira, 26 de julho de 2019

O ESCOCISMO

O ESCOCISMO
Cristiano José Rehder

Nome dado ao conjunto dos graus, ritos e sistemas que são ou pretendem ser originários da Escócia.

Ainda que seu número passe de 200, se acha plenamente provado que nenhum, exceto os três chamados de primitivos, base de todos os sistemas ou inovações, se acha direta nem indiretamente relacionado com aquele país, escolhido como "palanque" lendário de todas as utopias e de todas as inovações, que o charlatanismo e os amante do maravilhoso têm inventado como objeto de satisfazer suas intencionadas aspirações.

A confusão que se tem introduzido no campo do escocismo, a imensa variedade de graus e sistemas que pretendem ser escoceses e a falta de informação que muitos irmãos se acham a respeito da historia do mesmo, pela escassez de livros que tratem sobre estes assuntos, nos obrigam a falar um pouco sobre história.

Desde o princípio de nossa era, existiam nas ilhas britânicas, as célebres confrarias de obreiros construtores, que o imperador Cláudio enviou junto com as legiões romanas para que suas obras de fortificações defendessem aqueles lugares das invasões dos escoceses.

Terminadas as obras, aqueles construtores se dedicaram a embelezar o interior das colônias militares edificando notáveis monumentos, vastos edifícios, suntuosos templos, termas e pontes importantes, em uma palavra, criando com sua arte e com seu gênio grandes povoados que logo adquiriram o título de cidades romanas.

A primeira que obteve este favor foi a antiga "El boranum" (York), que tanta celebridade tem chegado a adquirir nos anais da Franco maçonaria.

Logo os nascidos no país se associaram a estes trabalhos a assim os obreiro pediam para serem agregados às corporações dos arquitetos romanos, os ricos e proprietários se faziam construir suntuosas habitações a imitação dos romanos.

O estado perene de guerra que se mantinham os montanheses da Escócia, obrigaram os romanos a construir uma série de imensas muralhas para se defenderem de suas temíveis incursões , sendo obrigados a solicitar a ajuda dos bretões que obtiveram todas as franquias e privilégios de que desfrutaram as sociedades dos construtores.

A cooperação no trabalho, o exercício da mesma arte, a unidade de plano e combinação de forças estabeleceu, naturalmente, uma grande intimidade e tolerância nas opiniões nas crenças religiosas da qual nasceu uma verdadeira fraternidade.

Ao conjunto dos obreiros empregados em uma mesma obra, reunidos nas cavernas ou tendas que se levantavam nas imediações da mesma e na qual o primeiro mestre até o último aprendiz se reuniam para comer e para se por em acordo com a marcha dos trabalhos, se chamou de uma "LOJA".

Quando Calázio se declarou independente de Roma e receando de um ataque surpresa de Diocleciano, tratou de se relacionar com a Sociedade mais importante e influente do país , que era as corporações maçônicas , compostas de romanos e de gregos, porém em sua imensa maioria, nativos.

Para eles, se confirmaram todos os antigos privilégios tais como havia estabelecido Numa Pompilho , e que haviam sido muito restringidos pelos últimos imperadores , dando-lhes o direito de "jurisdição".

Esta independência de todo outro tribunal foi que lhes valeu o nome de Franc-maçons (free-masons), com que se distinguiram dos outros maçons não privilegiados e estranhos a Associação.

A invasão dos anglo-saxões abriu um funesto parêntese na marcha do progresso e bem-estar daquele país.

Destruídas as cidades e os grandes monumentos e obrigados a escaparem do selvagerismo dos invasores , se refugiaram nas montanhas de Gales e da Escócia e nas ilhas onde conservaram com religioso zelo o segredo de sua ciência e o depósito de suas antigas instituições.

Mas pouco a pouco foram perdendo os privilégios, e ainda que sempre desfrutaram de grande consideração e franquias, chegou o momento em que lhes foi necessário aceitar o protetorado de algumas famílias poderosas.

Ricardo Agustin Hay, escocês de origem e beneditino de Santa Genoveva de Paris, descobriu das antiqüíssimas cartas que demonstram que o protetorado das corporações maçônicas pertencia hereditariamente desde de tempo imemorial a família dos lordes Rosilin de Saint-Clair.

A primeira delas, é uma ata de reconhecimento dos direitos desta família, que havia caído em desuso por falta de exercício, causando grande prejuízo às corporações, pelas discussões e as usurpações que lhes havia ocasionado a falta de um protetorado definitivo e está firmada por Tomás Wair, mestre de obras (master of work) maçon de Edimburgo; Tomás Robertson, vigilante (wardine) da "Loja Dumfermline e San Andrés" e Robert Bailic, pela Loja de "Haddington", etc.

A Segunda está datada de 1630 e é igualmente uma ata de reconhecimento de direitos da mencionada família, destinada a reintegrar um título antigo que foi queimado num incêndio que sofreu o castelo de Rosilin.

Nela figuram muitos maçons de Dresde, Edimburgo, Glascow, Stirling, Ayre, Dumferline e muitos representantes das corporações de ferreiros, "canteiros", etc., tratando-se em ambos os documentos mais que dos títulos do patrono , dos privilégios e jurisdições das corporações obreiras.

Vê-se claramente por estes manuscritos que a Maçonaria havia perdido já seu primitivo caráter de associação livre e colegiada , sendo mais uma espécie de cooperativismo destinado a manter entre os obreiros de uma mesma agremiação o ofício das tradicionais práticas estabelecidas para o exercício do mesmo.

E ainda entre estas mesmas agremiações a decadência chegou a tal extremo que em 1695 todas as antigas Lojas da Escócia haviam parado de trabalhar.

Não podiam , portanto, nem nesta nem em épocas anteriores haver conhecido, nem mesmo praticado, a franco maçonaria filantrópica e filosófica, como alguns pretendem.

Em 1736, dezenove anos depois do renascimento ou da transformação realizada no seio da Grande Loja de Londres, foi quando os maçons escoceses trataram de construir uma Grande Loja na Escócia.

Em 30 de novembro daquele ano, reunidos todos os maçons escoceses em assembléia constituíram , na Capela de Santa Maria de Edimburgo, tendo-se em conta a renúncia que fazia o chefe da família Rosilin, William de Saint-Clair, do patronato vinculado à mesma.

Assim aceita esta renuncia, seguidamente foi aclamado por unanimidade Grão Mestre da nova Grande Loja, e em 24 de junho de 1837, esta decidiu que se revisassem e renovassem os títulos de todas as lojas escocesas.

Até aqui só se observa uma perfeita identidade entre a Maçonaria propriamente chamada e a Maçonaria Escocesa.

Nada se vê interferir ou figurar os cruzados, os templários nem os Rosa Cruzes, muito ao contrário, em quanta ocasiões se tem apresentado depois, a Grande Loja da Escócia não tem cessado de proclamar sempre em todas os seus boletins " que considerava altamente prejudiciais os altos graus e que ela unicamente reconhecia como legítimos os três graus do simbolismo: aprendiz, companheiro e mestre.

O autor da franco maçonaria titulada de escocesa foi sim uma disputa entre o barão de Ramsay, nobre escocês, jacobita ardente e preceptor do pretendente Carlos Eduardo Stuart  convertido ao catolicismo por Fenelon, que se ocupou toda a vida de intrigas e de complôs Estuardistas.

Consta que Ramsay disse ao Grão Mestre Jouaust, em sua história do Grande Oriente da França, que imaginou agregar ao mestrado um escocês, um noviço, um cavaleiro do Templo e um real arca. Nada sabemos hoje sobre os rituais a que acompanhou a estes graus; porém é certo a nossos olhos que o cavaleiro do Templo de Ramsay não é o templário moderno sucessor e vingador de Jacobo de Molay.

Ramsay, protestante, convertido ao catolicismo e em ralações diárias com Roma e com os jesuítas, por interesses de partido dos Stuart, não podia sonhar com uma tal quimera. Ele imaginou um grau ilustre, destinado a relacionar, pelas cruzadas, o Templo de Salomão com o de Jerusalém e dar o esplendor da cavalaria ao moderno companheirismo dos discípulos de Hiram.

A tese sustentada por Ramsay, em 1738, em um discurso solene pronunciado ante a Grande Loja da França: "O nome de free masons não deve pois ser tomado em um sentido literal grosseiro e material, como se efetivamente nossos instituidores tiveram sido simples trabalhadores em pedra e mármore, ou gênios puramente curiosos que quiseram estudar as artes. Entre eles, não só hábeis arquitetos que queriam consagrar seus talentos e seus bens a construção dos templos exteriores, sem que também príncipes religiosos e guerreiros que desejavam ardentemente edificar, esclarecer e proteger os templos viventes do Altíssimo.

Isto é que vos demonstra o desenvolvimento da história da Ordem. No tempo das guerras santas da Palestina, muitos príncipes, senhores e cidadãos entraram na Sociedade, fazendo voto de restabelecer os templos dos cristãos na Terra Santa, e se comprometeram, sob juramento a empregar seus talentos e bens a devolver à Arquitetura seu primitivo esplendor.

Congregaram-se em muitos sinais antigos, em palavras simbólicas, tiradas do fundo da religião, para distinguir-se dos infiéis e reconhecer-se entre os sarracenos. Estes sinais e palavras não se comunicavam mais que aqueles que prometiam solenemente e freqüentemente aos pés dos mesmos altares, não revela-los jamais. A promessa sagrada não era pois, um juramento execrável, como se atribui, senão um laço respeitável para unir os homens de todas as nações em uma mesma confraternidade. Algum tempo depois, nossa Ordem se uniu intimamente com os Cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde aquele dia nossas Lojas levaram o título de Lojas de São João em todos os países. Esta união se fez a imitação dos israelitas quando estes reedificaram o segundo templo, em cujos trabalhos manejavam com uma das mãos a trolha e a espada e o escudo com a outra (Esdras.IV,16).

Os reis, príncipes e os senhores, ao regressar da Palestina, estabeleceram em seus estados e domínios diferentes Lojas de São João, nas quais mantinham a íntima aliança que existiam entre eles ".

Ramsay estava muito versado nos estudos teológicos, aos quais havia se dedicado desde a juventude; foi fácil, portanto, acomodar a lenda bíblica na redação dos catecismos e instruções históricas destes graus.

Ramsay era escocês e pretendeu que estas elucubrações vieram da Escócia; lhes deu uma origem ilustre, ligando-as com as cruzadas, o que faziam seus graus mais agradáveis aos adeptos, que a simples free-masonary da Grande Loja de Londres, e os distinguiu da Maçonaria inglesa, dando-lhes o título de escocesa.

Tal é a origem mais racional do Escocismo na Maçonaria.

Mais tarde quando o escocismo foi se estendendo com êxito na França e em outros países, a Escócia não faltou a reivindicar a Maçonaria escocesa e se remontar também a origem do Rito de Heredom, de Kiliwinning (um dos ramos do escocismo) até o ano de 1150, por mais que se tenha a certeza de que a Grande Loja de Kiliwinning não data mais que o ano de 1763.

Fica plenamente demonstrado que a Maçonaria Cavalheiresca Templária pretendida descendente das cruzadas e que já do primeiro dia se tentou fazer passar como superior a inglesa, não pode de maneira alguma ter origem na Escócia, porquanto a Franco maçonaria Filosófica, não havia nascido naquele país ainda. Contudo, a causa de uma cisão entre algumas Lojas, a ficção do escocismo serviu a uma delas para erigir-se em autoridade rival. Esta foi a Loja do pequeno bairro de Kilwinning, que ao se revestir de títulos das Lojas escocesas, pretendeu ser inscrita a primeira no quadro das que concorriam a formar a Grande Loja de Edimburgo, por datar sua existência dos tempos do rei Robert Bruce. Porém como não pode fundar sua pretensão em nenhum documento autêntico, por carecer de títulos, se deu a preferência a Loja Santa Maria, que exibiu uma patente que remontava ao ano de 1598. A Loja de Kilwinnig protestou deste fato e insistiu em suas pretensões, fundando-se que era notório que de Robert Bruce havia aceitado o patronato de seus maçons, em recompensa dos serviços que estes o haviam prestado em uma batalha contra os ingleses e que os antigos reis da Escócia haviam continuado exercendo o dito cargo.

Foi seguidamente rejeitada sua tese e então se retirou e se erigiu em potência rival sob o título de Loja Mãe Real, e deu entrada nas inovações de Ramsay, que havia tratado, inutilmente até aquele dia e fazer aceitar pela Grande Loja de Londres, cirando o Rito conhecido com o nome de Ordem de Heredom de Kilwinnig, que não era mais que uma imitação do Rito de Perfeição praticado na França pelo Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente.

Havia templários na Escócia, como também na França. Sua Ordem foi dispersada, porém não perseguida; não tiveram necessidade de refugiarem nas Lojas Maçônicas que eram senão naquela época simples corporações de obreiros; ainda que a Ordem Templária se achava formada da flor da nobreza de toda a cristandade.

Aos sete graus de Ramsay, logo se sucederam as superposições do Eleito, grau bíblico fundado sobre a vingança, na continuação da lenda de Hiram, e do Eleito nasceu o Kadosch O Eleito Templário sucessor e vingador dos antigos templários.

Seguindo a escala progressiva das inovações, foram aparecendo sucessivamente: os Príncipes do Real Segredo, os Inquisitores e os Inspetores, formando um conjunto de 25 graus; pouco depois, seu número elevou-se a 33.

Logo se abre um horizonte mais dilatado pretendendo uma renovação dos mistérios antigos do Egito, dividido em 90 graus sob o título de Rito de Misraim.

A verdade é que hoje o Rito Escocês Antigo e Aceito, é um rito em seus altos graus (4 a 33) não tem nada haver com a Maçonaria Simbólica, simples e pura.

Os graus filosóficos são graus ilustrativos, históricos e religiosos com profundo tom filosófico voltado para o dia-a-dia e nunca deve ser encarado como uma ostentação de paramentos e de orgulho.

Fraternalmente

Cristiano José Rehder 33∴ 

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