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sexta-feira, 30 de agosto de 2019

MAÇONARIA NO BRASIL: ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA UNIVERSITÁRIA

MAÇONARIA NO BRASIL: ANÁLISE DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA UNIVERSITÁRIA
William Almeida de Carvalho*

I- Introdução

Os estudos maçônicos universitários têm sofrido um incremento substancial, principalmente na Europa. A França lidera essa nova safra de maçonólogos (não necessariamente maçons) universitários, como se pode constatar pelo trabalho de levantamento de Charles Porset – Franc-maçonnerie, Lumières et Révolution, Trente Ans d’Études et de Recherches. Na Inglaterra, a pesquisa universitária é extremamente precária, apesar da criação de uma cadeira universitária maçônicas na Universidades de Sheffield. Essa deficiência inglesa na pesquisa universitária é superada pelos estudos e anais da primeira (1886) e maior loja de pesquisa maçônica do mundo: a famosa Quattuor Coronati Lodge de Londres. Os holandeses também criaram uma cadeira universitária maçônica na Universidade de Leyde. Os norte-americanos dão a sua contribuição original com o trabalho de Steven C. Bullock – Revolutionary Brotherhood, Freemasonry and the Transformation of the American Social Order, 1730-1840 – e os escoceses com o livro do profano David Stevenson – The Origins of Freemasonry. Scotland´s Century, 1590-1710, traduzido recentemente no Brasil pela Madras. Numerosos trabalhos começam a aparecer na Alemanha, Áustria, Itália, Espanha e na Bélgica.  

Os pioneiros dos estudos universitários do fato maçônico na França na década de 60 foram os maçons Pierre Chevalier, falecido em 1998 e Daniel Ligou, atualmente aposentado da pesquisa maçônica. Os estudos desbravadores de Augustin Cochin e François Furet influenciaram muito a recente historiografia francesa sobre maçonaria. 

As contribuições importantes de Ran Halévi sobre sociabilidade maçônica, atualmente contestadas por Pierre-Yves Beaurepaire, que desponta como um dos principais historiógrafos maçônicos nesse limiar do século XXI, não podem ser desprezadas.

Em 2001 criou-se na França um Espace de Recherches et d´Échanges Maçonnologiques – EREM, que tem agido como uma verdadeira câmara de compensação de teses e estudos maçônicos.

No Brasil, nos nossos contatos com a Prof. Esther Bertoletti, criadora e gestora do Projeto Resgate (http://www.comciencia.br/reportagens/501anos/ br02.htm) está se discutindo a possibilidade de criarmos um Fundo Maçônico na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro para reunir todos os manuscritos e documentos atinentes à maçonaria brasileira num só local a exemplo da Biblioteca Nacional da França. O fundo maçônico francês recebeu, quando da implosão do império soviético, centenas de caixas de manuscritos e documentos da ex-KGB russa de peças pertinentes ao Grande Oriente de França. Tais documentos ficaram disponíveis aos pesquisadores a partir de 2001.

As Ciências Sociais não possuem telescópio nem microscóspio para analisarem a sua realidade. Superam tal diferenciação em relação às ciências, ditas exatas, para atuarem no contexto científico através da criação e lapidação de conceitos. Conceitos potentes e claros iluminam a realidade pesquisada e trazem avanços científicos; conceitos obscuros e inconsistentes são inúteis para analisar a realidade estudada e pesquisada. Popularmente se diz que a “teoria na prática é outra” significando que os conceitos utilizados não conseguem explicar a realidade.

II- O Conceito de Sociabilidade

Um conceito que o mundo acadêmico internacional, e ultimamente o bra-sileiro, utiliza para analisar a maçonaria é o de sociabilidade. Proposto pioneiramente pelo historiador francês Maurice Agulhon no seu livro seminal lançado em 1966 esgotado 15 anos depois, agora clássico na sua terceira edição de 1984, Pénitents et Francs-Maçons de l´Ancienne Provence (Penitentes e Franco-Maçons na Antiga Provence).

Agulhon define a sociabilidade como a maneira como os homens vivem suas relações interpessoais e se inserem nos seus diversos entornos, não caracterizando somente psicologias individuais. Varia com o meio social, muitas vezes com o país e certamente com as épocas. Grupos inteiros podem ser coletivamente sociais, ou mais sociais que outros: os parisienses mais que o pessoal do interior, os operários mais que os camponeses, os homens do século XVIII mais que os do século XVII etc. Enfim, estudar sociologicamente a maçonaria como um fato social, ou seja, uma forma de coerção sobre os indivíduos que é tida como uma coisa exterior a eles, tendo uma existência independente e estabelecida em toda a sociedade, que é considerada então como caracterizada pelo conjunto de fatos sociais estabelecidos. Paul Leuilliot tinha proposto isto desde 1953 nos Annales.

Agulhon reconhece também que o sociólogo alemão Georg Simmel já tinha escrito Sociologia da Sociabilidade (Soziologie der Geselligkeit) em 1911, mas que só veio a tomar conhecimento desse escrito na década de 80. Assim como Norberto Elias escrevera o seu lapidar Über den Prozess der Zivilisation em 1939 (traduzido no Brasil em 1993 como O Processo Civilizador) sobre o processo civilizatório que tem certo parentesco com o conceito de sociabilidade e que, também só veio a tomar conhecimento em meados da década de 70.

A maçonaria seria um dos grupos sociais, assim como os inúmeros salões de café, clubes, academias, sociedades literárias, que teriam introduzido, na Europa do século XVIII, um novo comportamento em pleno Estado Absolutista. Agulhon vai estudar esse novo comportamento na Provence que incluiria desde as confrarias religiosas até, e principalmente, as lojas maçônicas.

Dois outros intelectuais alemães deram a sua contribuição nessa discussão sobre sociabilidade e espaço público. O historiador Reinhardt Kosseleck e o filósofo Jürgen Habermas. Reinhart Koselleck escreveu em 1959 um clássico: Crítica e Crise. Este clássico só viria a ser traduzido no Brasil 40 anos depois em 1999. Pelo segredo, as lojas maçônicas representavam uma nova forma de poder burguês no qual a própria burguesia começou a corroer o Estado Absolutista por dentro. Jürgen Habermas no seu clássico Mudança Estrutural da Esfera Pública contribuiu de maneira insofismável para aclarar o conceito de espaço público. Kosseleck e Habermas usam a construção do século XVIII de um novo espaço público como um verdadeiro prisma para lançar luz sobre a nova sociabilidade. Os maçonólogos universitários utilizam essa plataforma conceitual para realçar o papel que a maçonaria desempenhou na construção dessa mesma sociabilidade.

Essa sociabilidade urbana, maçônica, Beaurepaire chama de sociabilidade em mutação, será o apanágio da maçonaria no século XVIII europeu. No Brasil, esse conceito buscará orientar as pesquisas de nossos historiadores, agora no início do século XIX, de como essa nova forma de sociabilidade concorreu para a independência do país, as novas pautas políticas, o constitucionalismo no primeiro e segundo império, a luta contra os monopólios eclesiásticos dos cemitérios, a filantropia, a nova educação mais laica etc.

III- Produção Científica Brasileira sobre Maçonaria

Os estudos universitários brasileiros sobre maçonaria, como tema específico de análise, eram escassos até recentemente. As teses universitárias, se e quando focavam a presença da maçonaria na história do Brasil, eram, na maioria das vezes, genéricas, fragmentadas, dispersas e unilaterais. Fora dos meios acadêmicos e universitárias, a historiografia maçônica, quando tratada por maçons ou anti-maçons, na maior parte das vezes, acarreta discussões pró ou contra, eivada de preconceitos, que não concorrem para melhorar o nível do debate. Assim, o avanço da historiografia maçônica, no Brasil, está sendo elaborado por historiadores não-maçônicos.

O tema maçonaria apresenta, no Brasil, alguns percalços ou entraves que devem ser evitados ou superados: i) falta de tradição no meio acadêmico e universitário, fato que concorre para tornar o tema inédito; ii) fascínio do tema por estar envolvido em mitos, “visões conspirativas da história”, concepções e preconceitos pré-iluministas que dificultam uma abordagem mais serena e profissional dos fatos e iii) falta de acesso dos pesquisadores aos famosos e, muitas vezes inexistentes, arquivos maçônicos.

Os historiadores acadêmicos brasileiros são imprensados entre os trabalhos historiográficos dos maçons e dos anti-maçons que, muitas vezes, primam pelo escasso valor teórico-metodológico. Buscam, como reação natural, encontrar os conceitos operacionais e a pesquisa empírica para o estudo da maçonaria mais no exterior do que no Brasil. A França surge, assim, como o porto conceitual e de pesquisa para onde velejam os pesquisadores brasileiros universitários.

O Congresso de Historiografia Maçônica (COHISMA) visa abrir um espaço para que os historiadores acadêmicos – na sua maioria não-maçons -possam discutir suas teses entre si. Além disso, concorrerá para trazer a cultura maçônica brasileira para dentro da Universidade, principalmente na área da pesquisa historiográfica. À médio prazo, estimular a mudança de patamar teórico-metodológico entre os historiadores maçons.

Procura-se agora registrar os trabalhos acadêmicos, principalmente os mais recentes, sobre o estado da arte da pesquisa universitária sobre maçonaria no Brasil.

Bibliografia Universitária Básica Sobre Maçonaria

A - Produção Brasileira:

ANDRADE, Alex Moreira, Maçonaria no Brasil (1863-1901): Poder, Cultura e Idéias, Tese de Mestrado em História, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2004.[o resumo da obra pelo autor afirma que esta dissertação analisa a maçonaria brasileira na segunda metade do século XIX. A pesquisa envolveu seu pensamento político (especialmente quanto a direitos civis relacionados à religião e à escravidão), sua cultura política (concernentes à memória, à história e tradições) e os interesses materiais que tinham ao aderir à maçonaria. A pesquisa também apresenta o voto dos maçons no Congresso e dados biográficos dos principais líderes da instituição. A pesquisa também apresenta a maçonaria como uma instituição com estratégias políticas e um pensamento político.]

AZEVEDO, Célia M. M. de, Maçonaria: História e Historiografia, Revista da USP. n.32, p. 178-189, São Paulo, 1996-97. [um dos primeiros trabalhos acadêmicos a enfocar a influência da maçonaria na história do Brasil. “O ponto de partida deste artigo, portanto, é o problema da perda de visibilidade da maçonaria na história do Brasil. Para começar a elucidar este problema, percorremos, em primeiro lugar, alguns dados da maçonaria e sua história no Brasil; em segundo lugar, vamos examinar os modos de abordagem da maçonaria por parte de três historiadores cujos trabalhos imprimiram tendência duradouras na historiografia do Brasil monárquico. São eles: Francisco Adolfo de Varnhagen, Manuel de Oliveira Lima e Caio Prado Jr.; e em terceiro lugar, veremos os novos rumos da historiografia ocidental sobre a maçonaria, assinalados em particular pelas contribuições recentes de Margaret C. Jacob, historiadora dos Estados Unidos” (Azevedo:180)]

BARATA, Alexandre Mansur, Luzes e Sombras: a Ação da Maçonaria Brasileira (1870-1910), Ed.Unicamp, Campinas, 1999.[livro pioneiro, pois durante as últimas décadas do século XIX e os anos iniciais do século XX, a Maçonaria brasileira constituiu-se na principal e mais estruturada organização no que dizia respeito à necessidade de se instituir uma sociedade mais secularizada. Nesta perspectiva, este livro analisa a atuação dos maçons, bem como a singularidade da “sociabilidade maçônica”. Segundo Célia M.M. de Azevedo, no Prefácio desse livro, “três aspectos chamam a atenção, particularmente neste livro. Em primeiro lugar, é de se destacar o pioneirismo deste trabalho, uma vez que se trata de pesquisa de mestrado defendida em 1992. Até onde pude constatar em um levantamento inicial das fontes sobre a história da Maçonaria no Brasil, poucos se interessaram sobre isso até o momento, não obstante os muitos e significativos indícios legados pelos intérpretes da história do Brasil no século XIX, como Francisco Adolfo Varnhagen, Manuel de Oliveira Lima e Caio Prado Jr. Com exceção de algumas teses acadêmicas defendidas nos anos 1940 e outras poucas surgidas nos últimos dois ou três anos, o leitor interessado em conhecer a história da Maçonaria dispõe até o momento somente da literatura produzida por historiadores maçons, muitas vezes impregnadas de um tom celebrativo e pouco convincente. Mesmo assim, esta literatura produzida dentro do recorte isolacionista de “estudos maçônicos” é de difícil acesso para os leitores não pertencentes à Maçonaria. A venda destes livros é, em geral, vedada aos chamados “profanos”. Há ainda a literatura antimaçônica cujo estilo agressivo e preconceituoso permite entrever a profundidade das rivalidades e disputas políticas e pessoais em torno dessa história. Trata-se, em suma, de uma história muito falada, mas pouco pesquisada.

Em segundo lugar, o grande feito desse livro é trazer à cena a Maçonaria atuante nas últimas décadas do século XIX e início do século XX. Para isso, o autor contrariou expressamente a tradição historiográfica que, através de algumas referências passageiras, parece conferir importância à atuação dos maçons somente durante o processo de luta pela emancipação política de Portugal no início do século XIX. Com base em extensa e cuidadosa pesquisa, Alexandre comprova que a Maçonaria teve uma atuação expressiva no período de 1870 a 1910, engajando-se nos mais diversos debates intelectuais e destacando-se como um grupo de pressão política em defesa da abolição da escravidão, da separação entre Igreja e Estado e da universalização do ensino primário com ênfase na inclusão da mulher e das classes populares. Ao mesmo tempo, o autor deixa claro que a Maçonaria jamais constituiu uma ordem homogênea e monolítica. Embora desejosa de fundar uma fraternidade universal a partir do exemplo dado pela conjugação de esforços fraternos das suas lojas, a Maçonaria vivenciou graves conflitos internos decorrentes de diferenças ideológicas, a exemplo da ruptura entre maçons republicanos e monarquistas, liderados respectivamente por Joaquim Saldanha Marinho e pelo visconde do Rio Branco.

Em terceiro lugar, este livro é prova suficiente de que é possível pesquisar a Maçonaria. Uma das perguntas mais freqüentes ouvida por todo aquele que ouse pesquisar a Maçonaria, sem ser maçom, é quanto à possibilidade de se encontrar fontes primárias maçônicas. Apesar do fechamento dos arquivos da Maçonaria no Brasil aos chamados pesquisadores “profanos” – o que, diga-se de passagem, constitui um triste contraste com a Maçonaria em países como os Estados Unidos, França e Holanda -, Alexandre demonstra que é possível localizar inúmeros documentos maçônicos em diversas bibliotecas públicas do país. Através da sua pesquisa, podemos visualizar a expansão das lojas maçônicas a partir dos anos de 1870 e a sua efervescência social e cultural, exprimindo-se na fundação de hospitais, sociedades beneficentes e escolas em muitos estados brasileiros.

Por estes motivos e outros mais que o leitor certamente encontrará ao longo destas páginas, é de se esperar que este livro instigue não somente novas pesquisas sobre o assunto, como também uma reflexão sobre o silêncio instaurado pela historiografia acadêmica em torno da história da Maçonaria no período de constituição da nação brasileira” (Barata, 1999:15)]

BARATA, Alexandre Mansur, Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência (Brasil, 1790-1822), Dissertação de Doutorado, Unicamp, Campinas, 2002.[quem se entusiasmou com a tese de mestrado de Alexandre Barata, não pode deixar de entoar loas a esta tese de doutorado. Aqui encontramos um Alexandre mais maduro e profundo já trabalhando competentemente com o conceito de “sociabilidade maçônica’. Segundo ele, o objetivo desse trabalho foi o de “analisar a inserção da sociabilidade maçônica no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, na virada do século XVIII para o século XIX, procurando identificar: os principais mecanismos de recrutamento dos seus membros; sua organização; as motivações em torno do pertencimento à maçonaria; as relações entre maçons e as autoridades portuguesas, tanto seculares quanto eclesiásticas; as conexões existentes entre os maçons dos dois lados do Atlântico. Tais questões visam melhor compreender a progressiva politização do espaço maçônico, sobretudo, no período que antecedeu a Independência, marco primeiro da construção do Estado Nacional brasileiro” (Barata, 2002:3)]

COLUSSI, Eliane Lucia, A Maçonaria Gaúcha no século XIX, EDIUPF, Passo Fundo, 1998.[Colussi inicia a montagem do mosaico da maçonaria brasileira a partir das peças estaduais analisando a maçonaria gaúcha, especialmente na segunda metade do século XIX, num enfoque de história política e cultural. Afirma que “assim, percorremos caminhos em torno dos principais acontecimentos, processos, instituições e personagens da história do Rio Grande do Sul daquele período, buscando responder aos questionamentos acerca da importância ou da influência da instituição maçônica naquele contexto. A nova história política abriu múltiplas possibilidades de relações e interpretações em torno do objeto de análise.

A abordagem permitiu que viessem à tona temas vinculados à forte presença e oposição da Igreja Católica no cenário da segunda metade do século XIX na sua relação com os defensores do pensamento liberal e cientificista, especialmente os integrantes da maçonaria. Além desse, enfatizamos o grupo maçônico nos diversos espaços sociais onde ele se encontrava no espaço da política institucional e não institucional, nos espaços culturais e educacionais e nos espaços de filantropia.

Tão importante quanto as ações maçônicas nesses espaços é a constatação de que a loja maçônica se constituía num dos únicos espaços de sociabilidade, exclusiva das elites e dos homens, no período em questão. Em outras palavras, numa sociedade de pouquíssimas opções de lazer para os homens (eram eles, via de regra, que podiam usufruir dos espaços públicos), os templos maçônicos eram locais onde eles se reuniam para os banquetes, para as festas, para o debate político, para a polêmica filosófica, etc.”(Colussi:10)]

COSTA, Frederico Guilherme. A Maçonaria e a Emancipação do Escravo, ed. Trolha, Londrina, 1999.[o autor é um dos raros maçons brasileiros com titulação acadêmica na área historiográfica. Na apresentação de seu trabalho, outro também raro historiador maçom – Ricardo Gonçalves – assegura que “assim, tendo optado por trabalhar a questão da influência da Maçonaria no processo de emancipação do escravo em nosso país, não se contenta o nosso historiador em fazer uma insípida enumeração de fatos, nomes e datas. Coloca ele uma hipótese de trabalho e se dispõe a prová-la, através da análise de documentos primários, colhidos uns nos arquivos, obtidos outros através da cooperação de pesquisadores maçônicos espalhados por todo o país que o ajudaram encaminhando-lhe atas de Sessões de Lojas e outros documentos inéditos… …Além disso, seguindo os passos de Maurice Agulhon, historiador francês da École des Annales que se ocupou da Maçonaria em seu trabalho monumental Pénitents et Francs-Maçons dans l´Ancienne Provence, insere nosso pesquisador a História Maçônica na História da Sociabilidade, definindo a nossa Ordem como uma instituição alternativa de sociabilidade que se desenvolveu a partir do início do século XVIII e atuou desde então como um dos principais canais de difusão do pensamento liberal e ilustrado (ou iluminista), tendo sido um dos sustentáculos, em nosso país, desse projeto de eliminação lenta e gradual da escravatura, cuja inspiração se encontra exatamente na Filosofia das Luzes”.]

GONÇALVES, Ricardo Mário, A influência da Maçonaria nas Independências Latino-Americanas, in COGGIOLA, Osvaldo (org), A Revolução Francesa e seu Impacto na América Latina, ed. Nova Stella-ed. Usp, São Paulo, 1990.[outro raro historiador maçom com formação acadêmica. Neste seu artigo, Gonçalves afiança que “é um lugar comum repetido por muitos historiadores a afirmação de que a influência da Maçonaria sobre os movimentos de independência latino-americanos – do Brasil, inclusive – foi muito grande. Caio Prado Jr., por exemplo, na Formação do Brasil Contemporâneo, afirma que a Maçonaria se incumbiu de propagar no Brasil a filosofia dos enciclopedistas e que seu papel é bem mais amplo do que aquele que se lhe atribui no movimento de independência. Mas quando mergulhamos no estudo da História Maçônica as coisas começam a ficar pouco claras. Surgem inúmeras questões em que consiste, afinal de contas, a Franco-Maçonaria? Ela é uma corrente monolítica de pensamento ou apresenta sub-correntes com tendências diversas de pensamento? Em que medida, afinal, podemos falar de uma influência maçônica nas revoluções liberais?

Ao ensaiar os primeiros passos rumo a possíveis respostas a essas questões, somos levados a uma primeira constatação: a existência de um sério descompasso entre a historiografia “profana” e os estudos históricos produzidos por maçons. Hoje em dia seria exagero referir-se à Maçonaria como uma sociedade secreta. Permanece ela, porém, sendo uma organização extremamente discreta. Os arquivos de suas lojas, quando existem, geralmente não estão ao alcance de pesquisadores profanos. Daí o fato da maior parte dos historiadores dispor de poucas informações sobre o assunto e se limitar e repetir velhos lugares comuns sem se aprofundar na temática. Por outro lado, os maçons que se dedicam a estudos históricos sobre a Ordem geralmente não são historiadores profissionais, o que faz com que a historiografia maçônica seja, de uma maneira geral, de baixa qualidade, não ultrapassando o nível de história factual e muitas vezes apresentando informações errôneas, baseadas em documentação falsa e espúria aceita sem nenhuma crítica” (Gonçalves 1990:195).

GONÇALVES, Ricardo Mário (org), Quintino Bocaiuva Nº 10: a Trajetória de uma Loja Maçônica Paulistana (1923-1998), Arquivo do Estado – Imprensa Oficial, São Paulo, 1998.[aqui, Gonçalves traça a trajetória da centenária Loja Quintino Bocaiúva no. 10. Confessa suas dificuldades iniciais, pois, “a primeira diz respeito a minha própria formação, voltada para a História Antiga, para a História Oriental e par a História das Religiões, não tendo eu nenhuma experiência de trabalho em História recente de nosso país. A segunda está no fato de ser eu um novato na Loja, onde ingressei por filiação em março de 1995. Parecia-me então ser uma grande presunção, para não dizer arrogância, encarregar-me de fazer a História da Loja, quando existem na mesma tantos IIr. veteranos dedicados que viveram essa História de forma intensa como uma porção extremamente significativa de suas vidas. Entretanto, desde 1989, quando apresentei uma comunicação sobre A Influência da Maçonaria nas Independências Latino-Americanas no Simpósio Internacional A Revolução Francesa e seu Impacto na América Latina, realizado pelo Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, vinha eu ensaiando meus primeiros passos como historiador maçônico. O amplo interesse despertado por minha comunicação entre os alunos me havia animado, inclusive, a criar um Programa de Introdução à História da Franco-Maçonaria, que ministrei como matéria do Curso Optativo de História das Instituições até minha aposentadoria de 1995. Sentia, portanto, ser para mim um verdadeiro dever de ordem moral a aceitação da incumbência” (Gonçalves 1998: 13).

MOREL, Marco, As Transformações dos Espaços Públicos – Imprensa, Atores Políticos e Sociabilidades na Cidade Imperial (1820-1840), Ed. Hucitec, São Paulo, 2005. (Tradução da Tese de Doutorado, La Formation de l’Espace Public Moderne à Rio de Janeiro (1820-1840), Opinion, Acteurs et Sociabilités, Tese de Doutorado. Université de Paris I, 1995).[mais um trabalho que utiliza a categoria de sociabilidade maçônica. Francisco Falcon, no Prefácio do livro de Morel, constata que “o autor tem como cenário a cidade do Rio de Janeiro, entre 1820 e 1840, englobando assim o clímax do processo de independência e as peripécias do liberalismo tupiniquim. Seus eixos teóricos são dos mais conhecidos e respeitáveis: Habermas e Kosseleck, Rosanvallon, Chartier e Roche, Agulhon e Farge; como elemento integrador da perspectiva da história política e do papel do sujeito histórico Morel destaca a contribuição de François-Xavier Guerra…

…Talvez o que mais se destaca neste livro venha a ser o tipo de abordagem utilizado e a proposta de enfocar a dinâmica dos espaços públicos do ponto de vista da questão das sociabilidades, uma temática ainda relativamente nova e pouco freqüentada na nossa historiografia. A partir dessas coordenadas mais gerais, desenvolvem-se as três partes da obra: I- As palavras; II – Os atores políticos – intelectuais e opinião pública; III – As diversas formas de sociabilidade, com ênfase nas maçonarias.

Na primeira parte, Morel analisa com riqueza de pormenores o papel do livreiro-editor francês Pierre Plancher. Fazendo uso dos minuciosos relatórios diplomáticos franceses e de outros papéis por ele localizados em arquivos parisienses, nosso historiador esmiúça a noção de “novas idéias”’ e tenta conhecer melhor as identidades políticas e as formações político-partidárias cambiantes. Como curiosidade, sublinhe-se a variedade das metáforas zoológicas então comuns e o recurso às imagens de monstros e às monstruosidades no debate exacerbado entre Exaltados, Moderados e Restauradores.

Na segunda parte, o objetivo é de identificar e analisar os que seriam “os construtores de opinião”, cujo perfil coletivo na cidade do Rio de Janeiro tem como referência as transformações dos espaços públicos, tendo em vista aí o surgimento da opinião pública como instrumento de legitimação política. Vale notar aqui a habilidade com que Morel aborda a sempre difícil questão da realidade de uma nobreza cultural, ao mesmo tempo que define melhor a idéia d o Rio de Janeiro como cidade imperial, sem no entanto esquecer-se das relações intensas entre o Rio e a Bahia. Como uma de suas muitas originalidades documentais, o texto inclui rico acervo cartográfico que o autor localizou em instituições francesas. Talvez não menos interessante seja a maneira como o autor descreve e analisa as trajetórias da chamada nobreza cultural, enfocando a figura do jornalista/panfletário (redator ou gazeteiro), assim como a diferenciação que estabelece entre os intelectuais presos à tradição iluminista, mais conservadores, e os propriamente liberais ou patriotas, mais radicais.

Ao tratar, na terceira parte, das formas de sociabilidade, Morel atinge, no nosso modo de entender seu trabalho, o ponto decisivo de sua exposição. De fato, ele reúne aí tanto as manifestações populares – manuscritos, gritos e gestos – como a questão das lojas maçônicas e oferece assim ao leitor um dos textos mais atualizados e completos a respeito das origens, organização, funcionamento e composição social e política das diversas maçonarias. Na realidade, houve a preocupação de reunir, num visão globalizante das agitações políticas da época tratada, os chamados papéis incendiários, a nova função dos teatros como espaços de manifestações políticas, e as diferenças ou divisões entre os maçons, criando assim um retrato animado, dinâmico, do Primeiro Reinado e do Período Regencial.

Nas considerações finais Morel tenta articular as três partes do trabalho em busca do que ele denomina de contextura dos espaços públicos”(Morel, 2005:9)]

MOREL, Marco, Sociabilidades entre Luzes e Sombras: Apontamentos para o Estudo Histórico das Maçonarias da Primeira Metade do Século XIX, Estudos Históricos, n.28, Rio de Janeiro, 2001/2.[artigo extraído dos capítulos 8 e 9 da tese de doutorado acima do mesmo]

NEVES, Berenice Abreu de Castro, Intrépidos Romeiros do Progresso: Maçons Cearenses no Império, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 1998.

SILVA, Eliane Moura, Maçonaria, Anticlericalismo e Livre Pensamento no Brasil (1901-1909), Comunicação apresentada no XIX Simpósio Nacional de História – ANPUH, Belo Horizonte, 1997.[Silva afirma que a componente inseparável da História das Idéias desde o início do século XIX aos dias atuais, a história da Maçonaria, do anticlericalismo e do livre pensamento é também a da cultura, da religião, da educação e do poder na sociedade contemporânea. Sistemas característicos de idéias e teorias, o anticlericalismo e o livre pensamento organizaram-se, em diferentes períodos, como movimentos específicos de feições particulares, sobretudo no final do século XIX e inícios do XX, articulando-se em primeiro lugar com tendências políticas liberais e radicais tais como o anarquismo e o socialismo e em seguida, com a Maçonaria e com correntes espiritualistas.

Desde meados do século XIX, os movimentos de livre pensamento e anticlericalismo marcaram profundamente a sociedade contemporânea. A crise das religiões cristãs tradicionais, os avanços do pensamento materialista, racionalista e científico, o surgimento de novas formas políticas de pensar o poder, fizeram parte da difusão das idéias anticlericais e de livre pensamento.

SOUZA, Françoise Jena de Oliveira e, Vozes Maçônicas na Província Mineira (1869-1889), Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004. [mais um tijolo no mosaico maçônico estadual brasileiro aplicando-se o conceito de sociabilidade, pois a presente dissertação, no dizer da autora, trata da maçonaria mineira entre os anos de 1869 e 1889, período de consolidação da instituição na província. Buscando contribuir como processo de renovação dos objetos e abordagens da Nova História Política, tomou-se a maçonaria como um dos importantes espaços de sociabilidade existentes na época e que no qual, para além dos círculos oficiais do poder, os homens faziam política. Neste sentido, analisou-se o lugar ocupado e o papel desempenhado por esta instituição em Minas Gerais, o perfil de seus membros e a maneira como, através da elaboração de variados e, por vezes, divergentes discursos impressos, maçons e maçonaria estabeleceram diálogos com os acontecimentos da época, dentre os quais destaca-se a romanização, a Questão Religiosa, o crescimento do protestantismo, a abolição da escravidão e propaganda republicana.]

TELLES, Marcus Vinicius, A Influência da Maçonaria na Independência do Prata (as Relações da Maçonaria Platina com a Brasileira), Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 1977.

VÉSCIO, Luiz Eugênio, O Crime do Padre Sório: Maçonaria e Igreja Católica no Rio Grande do Sul (1893-1928), EDUFSM, Santa Maria; EDUFRGS, Porto Alegre, 2001.[em 1899, numa estrada que cortava uma região de imigração italiana no Rio Grande do Sul, alguns homens atacaram o padre do lugar, que voltava a cavalo para sua igreja. Derrubaram o padre e o espancaram no baixo ventre, sangrando-lhe os testículos. Ele agonizou durante três dias, não declarou o nome de seus agressores e morreu em conseqüência dos ferimentos. Não foi instalado precesso-crime para investigar o caso. Anos depois, os padres historiadores passaram a dizer que o sacerdote fora um homem santo, agredido pela Maçonaria. Durante décadas, ninguém contestou esta versão, embora todos os idosos da região murmurassem que o padre andava com mulheres e, principalmente, que havia uma donzela “ofendida” por ele. E que os familiares da moça, num certo dia, resolveram dar uma lição ao homem. Essas duas versões – a dos padres historiadores e a da tradição oral – sempre dialogaram, mas nunca se entenderam. O atentado ao padre teria relação com os conflitos entre a Igreja Católica e a Maçonaria, existentes no Europa e no Brasil no século XIX e início do XX? Esta disputa entre a Cruz e o Compasso expressara-se de modo violento no interior do Rio Grande do Sul? E a memória coletiva a respeito das “aventuras” do padre, seria verdadeira? Responder a estas questões seria o objetivo do livro. José de Andrade Arruda, no prefácio do livro em questão, relembra que “o trabalho encerra, portanto, uma proposta metodológica e teórica inovadora, além de oportuna. Num momento em que a nova história, emparedada no discurso narrativo e descritivo, dá sinais de esgotamento, vislumbra-se uma alternativa profícua que busca o enlace entre descrição e análise, entre narração e reflexão, entre micro e macro-história, entre representação e conceituação, entre sensibilidade e análise racional. Esta postura atravessa o texto e se revela na própria urdidura da obra no seu conjunto, que nasce pontual, de uma problemática gestada a partir de um evento local, précorrendo a problemática ampla do conflito histórico entre católicos e maçons, retraçando suas origens medievais, ambientado em clima periférico, no mundo da ex-colônia, deslocando-a, a seguir, para o círculo regional, num momento decisivo de sua trajetória, no âmago da formação do Estado na Velha República para, finalmente, volver ao pontual, ao evento em si, ressignificando-o, tranferindo ao episódio singular um densa carga de potencial explicativo” (Véscio:14)]

VIEIRA, David Gueiros, O Protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Ed.UnB, Brasília, 1980.[um dos livros pioneiros no tratamento acadêmico da maçonaria no Brasil apesar de não focalizar a maçonaria como objeto específico de análise. Gilberto Freyre na apresentação do livro ressalta a condição de autêntico scholar universitário e que durante mais de 10 anos estudou os assuntos de que trata no livro. Gueiros relata que o ano de 1850 foi o escolhido como ponto de partida do estudo, porque foi nesse ano que o tráfico de escravos da África conheceu oficialmente o fim. Marca também o ano em que, por carência de mão-de-obra, recrudesceu a demanda de imigração branca. Mais ainda, : assinala o ano em que milhares de norte-americanos começaram a dirigir-se à Califórnia por via marítima, seguindo a rota do Estreito de Magalhães, com parada obrigatória no Brasil. Esse movimento migratório ocasionou o estabelecimento de uma “Capelania de Marítimos” no Rio de Janeiro, e a chegada de James Cooley Fletcher, que pelos vinte anos seguinte envolveu-se intimamente com a facção maçônico-liberal do Brasil e com o estabelecimento aqui de postos missionários protestantes. Ressalta ainda que “aspecto significante deste estudo não é, creio, a verificação que a facção conservadora católica brasileira, “ultramontana”, como era chamada, objetivasse à imigração e à propaganda protestante, ou à legislação que permitia ocorressem livremente. Preconceitos intransigentes e discriminação eram práticas comuns aos católicos tanto quanto aos protestantes em toda a Cristandade. O Partido Know-Nothing nos Estados Unidos da América, o chamado “’Movimento Anti-Tractariano” na Inglaterra e a Kulturkampf na Alemanha, são exemplos de discrimes protestantes, que até hoje anacronicamente ecoam na Irlanda do Norte entre os Ian Paisleys e os chamados “protestantes radicais”. Na realidade, o aspecto digno de nota da história deste período é a existência num país técnica e educacionalmente atrasado, como o Brasil do século dezenove, de tantos católicos liberais de projeção, lutando denodadamente pelo direito dos acatólicos de entrarem no país. De praticarem livremente o seu culto e de gozarem dos direitos civis iguais aos dos católicos brasileiros” (Vieira:13)]

VIEIRA, Maria Elisabete, O envolvimento da Maçonaria Fluminense no Processo de Emancipação do Reino do Brasil (1820-1822), Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2001.[a autora afirma que o tema deste trabalho versa sobre o envolvimento da maçonaria fluminense no processo de emancipação política do reino do Brasil, entre os anos de 1820 e 1822. Buscou-se demonstrar a forma que ela se envolveu e em que momento este envolvimento contribuiu na escolha das opções políticas implementadas pela elite local da época. As fontes e a bibliografia utilizadas na construção deste trabalho são de origem maçônica, composta por materiais reproduzidos pela própria Ordem ou publicações cujos trabalhos foram realizados por maçons, bem como pelas produções historiográficas oriundas da academia ou de outros centros de estudo. Com base no material mapeado para este trabalho pode-se perceber que o envolvimento da maçonaria fluminense neste momento da história do Brasil iniciou pelo “fato” dela ter-se constituído em um importante espaço de discussão e elaboração frente à conjuntura política do período. Esta mobilização das loja fluminenses em torno de questões políticas estava relacionada aos interesses individuais e coletivos de seus membros, bem como a um princípio filosófico da Ordem, qual seja, o ‘’aprimoramento dos povos”.]

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*William Almeida de Carvalho – Secretário de Educação e Cultura do Grande Oriente do Distrito Federal – GODF/GOB, membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF e da Academia de Letras de Brasília, ex-Secretário de Estado do Distrito Federal, ex-membro do Gabinete Civil da Presidência da República, sociólogo e pós-graduado em Administração Pública e doutorando em Ciência Política.

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