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segunda-feira, 9 de setembro de 2019

CAMARA DO MEIO

CAMARA DO MEIO
Ir∴ Artêmio G. Hoffmann 

1. Considerações Iniciais

No decorrer da humanidade encontramos os grandes sábios que são os conhecedores primeiro das coisas. Encontramos grandes sábios que alcançaram o conhecimento e o expandiram. Existe, ainda, aquele que arroga para si a condição de entendido e pensa ser o mestre do saber de todas as coisas. Mas o homem, maduro em seu ser, que busca entender os mestres, consegue aprender. É o eterno aprendiz.

Este trabalho não tem a pretensão de revelar uma verdade inteira, porque se assim fosse não haveria uma outra e, a partir de então não se buscaria novas verdades. O saber não pode ser finito. No pensamento econômico, dos grandes economistas, encontramos a Lei das Necessidades. O ser humano vive de necessidades, e conhecimento é uma necessidade. Sem esta assertiva nosso mundo não se expandiria.

O tema proposto tem por finalidade trazer algumas considerações sobre a Câmara do Meio, tomado por empréstimo dos grandes pensadores maçônicos, que já formularam seu significado e é de uso corrente. Nesta apreensão deste saber o objetivo tende a ver suas variáveis, buscar um contraditório, se é que é possível, e, em síntese aprender.

Isto é o que nos ensina os antigos filósofos que nos legaram o que chamamos de tese, antítese e síntese. Aliás, todo verdadeiro Mestre Maçom deve buscar na filosofia a razão pura de seu conhecimento.

Os responsáveis pela Educação em nosso país, há algum tempo, retiraram de suas diretrizes o ensino da filosofia para a formação de nossos jovens, - um ato lastimável com conseqüências aterradoras em nossos dias. Estudos dão conta de que medidas estão sendo tomadas para a sua implementação, o que já é uma boa notícia. Na Maçonaria todo Mestre e mesmo o candidato a Mestre já deve ter como parâmetro e, ou ser induzido ao estudo filosófico na sua busca da verdade, da palavra perdida, do seu aperfeiçoamento.

2. Definições Históricas

a. Nossos Manuais 

Inicialmente, nossos manuais, como o REAA, nos falam pouco sobre a Câmara do Meio. Diz-nos que a Loja de M∴M∴ tem esta denominação e fala de sua decoração: sombria, obscura, triste. Faz referência a reunião dos Mestres para lamentar a perda de alguém que se destacou por sua coragem, fidelidade e coerência.

b. Cartilha do Mestre, Raimundo Rodrigues

Da parte de nossos pensadores maçônicos selecionamos primeiramente Raimundo Rodrigues, que em sua obra: Cartilha do Mestre, edição de julho de 2008, da Editora “A Trolha” na pág. 107 em diante, nos diz:

“A Câmara do Meio é o nome do lugar onde os Mestres se reúnem, mas pode significar também a própria reunião dos Mestres, daí aceitar-se como correta a expressão - os Mestres estão reunidos em Câmara do Meio. Se quisermos apontar o local da reunião, diremos que eles estão reunidos na Câmara do Meio”. 

“Para alcançar a Câmara do Meio é necessário, em primeiro lugar, que o Candidato aceite o lema imposto por Sócrates "Conhece-te a ti mesmo"; em segundo lugar abraçar a humildade que fazia que o grande filósofo dissesse: "Eu sei que nada sei"; em terceiro lugar, tenha subido os degraus da Escada de Jacó com coragem e, ao mudar de residência, do Norte para o Sul, tenha, com destemor, galgado os três, mais os cinco e mais os setes degraus da Escada em Caracol, e chegado à porta que lhe foi aberta para que entrasse na Câmara do Meio”.

Diz ainda:

“A Câmara do Meio por ser um local lutuoso, precisa de um Templo especial, cujas paredes devem ser pretas, onde se vêem lágrimas e caveiras sobre tíbias cruzadas”. 

“A Câmara do Meio tem um aspecto fúnebre, cujo principal objetivo é fazer que os Mestres carreguem, simbolicamente, no coração, a tristeza pela morte do Mestre Hiram e pela Palavra Perdida”. 

Estas são interpretações soltas dentro da obra de nosso Mestre Raimundo Rodrigues, companheiro das empreitadas Maçônicas de Castellani e “Xico Trolha”, inteiramente conforme nosso ritual, traduzindo o seu significado e nos dando aporte moral e filosófico sobre tema. 

c. Simbolismo do 3º Grau, Rizzardo da Camino

Outro grande pensador: Rizzardo da Camino que em 2007 teve seu passamento para o Oriente Eterno, nos deixou uma coletânea de obras extraordinária. Vale lembrar que era membro correspondente da nossa Loja Francisco Xavier Ferreira de Pesquisas Maçônicas – a Chico da Botica no seio do GORGS. O Mestre Rizzardo da Camino - trata da Câmara do Meio com especial carinho e, em suas obras revela seu conhecimento alicerçado em anos e anos dedicados à maçonaria.

De sua obra pegamos por empréstimo as palavras transcritas no livro: Simbolismo do 3º Grau, pág. 85, que além da definição nos remete á reflexão, quando diz:

A "Câmara do Meio" é a imagem do grande laboratório onde se operam as transformações infinitas. Nada começa sem a morte. O grão perece para que o vegetal se desenvolva. 

A "Câmara do Meio" é a perda das ilusões por meio de práticas herméticas, que transforma o centro dos conhecimentos que passam do cérebro ao coração. 

O conhecimento do coração é a comunicação direta sem intermediários, mais ou menos opaca, em direção ao manancial de toda a vida. Um caminho para a luz, o eco da palavra perdida. 

"Câmara do Meio" seria a corruptela de "piso do meio", mencionado no Livro de Reis, capítulo VI, 8. A expressão "Câmara do Meio" consta nos mais antigos Rituais. "No meio do Esquadro e Compasso" seria o seu exato significado. “Entre a Terra e o Céu." O "meio" é o centro ideal. Ascender à "Câmara do Meio" é dirigir-se ao centro da "Roda", ao eixo imóvel. É escapar à agitação do mundo profano. Os iniciados em marcha sobre os raios da Roda em direção ao centro. 

A "Câmara do Meio" é a quinta essência dos alquimistas, o ponto de interseção dos dois braços da Cruz, o cume da "Pedra Cúbica Pontiaguda".

Nós ascendemos por 15 marchas divididas em três grupos: 3, 5 e 7. Esses números correspondem ao Aprendiz, Companheiro e Mestre.

De forma simplificada, esta é a visão do nosso Mestre Rizzardo da Camino sobre a Câmara do Meio, mas em seu livro ele continua na sua dialética de nos trazer outras considerações que valem a pena ser lidas, refletidas, sublimadas... 

d. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria Simbólica, Nicola Aslan

Para completar nossa pesquisa sobre as definições históricas do que seja o que chamamos de Câmara do Meio e não nos alongarmos no assunto, pois o mesmo é tratado por incontáveis autores, não poderíamos deixar de fora a versão que consta no GRANDE DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MAÇONARIA SIMBÓLICA. Obra extraordinária de Nicola Aslan, apresentada em quatro volumes, um verdadeiro raio-X, de temas correntes de nossa Ordem, com seu significado e interpretação e trazendo ainda o pensamento daqueles Maçons de séculos anteriores e que desenharam a Maçonaria tal qual a vemos hoje.

Nicola Aslan é o mais erudito dos escritores maçônicos brasileiros, segundo Ir∴João Fernando Moreira - Membro Correspondente da "Chico da Botica" - Membro Efetivo da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul, juntamente com o nosso Soberano Grão-Mestre José Aristides Fermino.

A biografia de Nicola Aslan de autoria do Ir∴Moreira foi publicada no Informativo Chico da Botica de setembro de 2008. Cita como escritor maçônico brasileiro, pois apesar de ter nascido na Grécia de pais italianos e conservado a nacionalidade italiana, ao fugir da guerra, aos 23 anos teve o Brasil como sua nova morada, vindo a falecer aos 74 anos e deixando uma intensa e laboriosa vida produtiva no país. 

De sua extensa obra extraímos a definição de Câmara do Meio entremeada de citações de autores do inicio da Maçonaria Especulativa como Mackey, Ragon, Boucher, René Guénon e tantos outros que não caberia citar. A sua primeira interpretação diz o seguinte:

Câmara do Meio - Designa-se sob este nome a Loja, quando funciona no Grau de Mestre. É onde os Mestres recebem o seu salário e exercem os seus mistérios. Diz A. Mellor (DFMFM): 

O primeiro Livro dos Reis (VI, 5, 6, 8) fala da construção do Templo pelo rei Salomão; depois de ter mencionado o pórtico, denominando o "Lugar santo" {Hikal} (Ver Heikal) e o "Lugar muito santo" (Debhir) (VEP), isto é, a câmara mais profunda do Templo. Ascendia-se ao andar do meio por uma escada de caracol (VEP). Assim, na Bíblia, há três câmaras e a do meio não é mais do que uma peça central. 

A tradição maçônica modificou totalmente os dados bíblicos poetizando-os, da mesma forma que tirou de dados bíblicos a lenda de Hiram, que não figura na Bíblia. É assim que ela se inspirou da escada em espiral para dar-lhe uma significação e uma destinação especificamente maçônicas, no Rito Emulação, no 2º Grau. 

Outras definições do GRANDE DICIONÁRIO ENCICLOPÉDICO DE MAÇONARIA SIMBÓLICA:

No R.E.A.A., a Câmara do Meio é um lugar fechado, onde o Companheiro morre para a vida profana, inferior, a fim de renascer para a vida espiritual. Segundo A. Gedalge (Rhéa): 

A Cripta, a Caverna, a Gruta, o Sepulcro, etc., são Símbolos análogos. São os "véus" daquela "Caverna do coração", de que os Upanishad da Índia dizem ser habitada pelo Ser Único, pela Alma Universal, pelo SER Universal, do qual tudo emanou e para o qual tudo volta. É na "Câmara do Meio" que se passa a Iniciação Maçônica do 3º Grau Simbólico. 

A Iniciação ao Grau de Mestre procura ressuscitar o Mestre Hiram, o Iniciado transformado em Adepto e radiante de Luz. Hiram ressuscitado é o Mestre "individualizado", é o "homem verdadeiro", assim como o define René Guénon. Se, de um lado, a Maçonaria é uma "comunhão" (cum, com e união), reunindo homens por uma mesma "liturgia", isto é, por Ritos comuns, do outro lado, tende a criar homens, "indivíduos" (indivis, indivisível) tendo cada um consciência do seu próprio valor... 

Pensava-se, na Antigüidade, que a alma, parcela da alma universal, voltava àquela imensa fonte de vida. Segundo Ragon, a Câmara do Meio é a imagem do grande laboratório em que se operam estas transformações infinitas. 

Para Mackey, é na Câmara do Meio que se transmite a doutrina maçônica, Diz ele: 

A Loja de Mestres Maçons é aberta em Câmara do Meio porque todos os Irmãos presentes são Mestres Maçons e igualmente próximos ou distantes daquele ponto central imaginário que, entre os Maçons, constitui a perfeição. 

Nenhum dos outros Graus Simbólicos pode reunir semelhantes condições, pois a Loja de Aprendiz contém as três classes e a de Companheiro duas, por isso a doutrina não é transmitida nestes Graus. 

Estas considerações de Nicola Aslan trazendo a palavra também dos Mestres antigos com seu lume para nosso aprendizado, encerra o que podemos definir como Câmara do Meio, com as várias interpretações do seu significado e o mais importante, o que representa seu simbolismo para a Maçonaria.

3. Considerações finais

Considerando que a Câmara do Meio é onde se reúne os Mestres, podemos elencar duas questões:

- para os Obreiros da Oficina, na ritualística da Loja, quando se iniciam os trabalhos e por que nos reunimos aqui?

- será na mecânica da reunião na S∴ dos PP∴PP∴?

- será no ingresso do cortejo e assunção dos cargos?

- nas batidas ritualísticas, na palavra conduzida, no acendimento das luzes ou na abertura do L∴L∴?

- na exposição do Painel no centro do Templo?

- ou na forma do balaústre, expediente ou na Ordem do Dia?

Muitas vezes esquecemos desta função principal, pois é mecânica, tudo é feito no ritual. O rito, por definição: conjunto das cerimônias e das regras cerimoniais que usualmente se pratica numa religião, numa seita etc.; - é uma seqüência de procedimentos incutidos no nosso pensamento, porque não dizer, que militariza a ação em detrimento do belo momento de espiritualidade.

Quando abrimos o Painel, este sim nos dá a ordem para nossos trabalhos:

- no Painel do Aprendiz, as colunas, as ferramentas, os 3 degraus, o material se sobrepondo ao espiritual; - o desbastar da pedra; 

- no Painel de Companheiro, as colunas, as ferramentas, a escada e uma luz flamejante a mais na sua caminhada de esquadrejar a pedra; - as cinco nobres ordens da arquitetura, os cinco sentidos, e a alusão às sete artes e ciências;

- no Painel do Mestre, ao o descobrirmos no centro do Templo, o que dele podemos tirar? – qual o ensinamento mágico que irá nortear nossas ações? – o que ele representa? 

- cobiça, inveja, prepotência dos Companheiros que queriam obter ganhos com a maestria do ofício;

- tramóia, agressão e o crime perpetuado;

- a ocultação, a fuga e o remorso;

- prisão, julgamento e sentença nas leis humanas vigentes;

- a inumação, os cinco pontos, os cinco sentidos, a garra firme..., - mas a carne não tem consistência,... - é matéria, sua espiritualidade não está neste plano e a palavra tem de ser substituída...

Assim meus Ven∴IIr∴ não podemos ficar reclusos a uma idéia só. Idéias não têm limites, mas são limitadas pelo nosso conhecimento. E se este conhecimento é empírico ou não, façamo-lo expandir, aumentado seu círculo, sua roda, sua magnificência.

Não cabe agora a análise depurada dos Painéis. Os mesmos tiveram sua origem quando os maçons (pedreiros da maçonaria operativa) se reuniam e traçavam no chão o que deveriam fazer. Depois eram traçados em panos ou em couros e finalmente um primeiro painel surgiu em 1808 das mãos do Ir∴ William Dight, para uniformizar os painéis de todas as lojas. Posteriormente em 1818 na Maçonaria inglesa - John Harris – 1791-1873, famoso gravador e pintor desenhou os painéis que chegaram até nossos dias.

Cada um com sua particularidade, - sobre o Painel do Mestre teríamos hoje que entendermos o Alfabeto Maçônico para poder sentir todo o seu significado, todos os problemas passados pelos figurantes da época, mas nos basta, por enquanto somente sua gravura a nos lembrar de Hiram Abiff.

Para terminar, da Cartilha do Mestre Raimundo Rodrigues, uma reflexão, (pág. 163), quando discorre sobre a filosofia de Emanuel Kant a respeito da Razão Pura frente aos problemas cotidianos e o seu dimensionamento: 

Acompanhemos o raciocínio: 

“Não podemos, por exemplo, nos abster de pensar no infinito. Por maior que imaginemos uma grandeza, seremos compelidos a reconhecer que ela pode ser aumentada ou multiplicada. Por menor que concebamos uma partícula, esta sempre será, teoricamente, divisível, reduzida a partículas menores. Nossa inteligência não concebe um Universo ilimitado e, ao mesmo tempo, não concebe que além de qualquer limite estabelecido, nada possa existir; no espaço e no tempo. E assim por diante”. 

Setembro de 2008

* Artêmio G. Hoffmann – M .·. M .·. - GORGS - REAA 
ARLS “União Fraternal nº. 318”. 
Loja “Francisco Xavier Ferreira de Pesquisas Maçônicas”. 

BIBLIOGRAFIA 

RODRIGUES, Raimundo, Cartilha do Mestre. Londrina: Editora A TROLHA Ltda. 2008. 

DA CAMINO, Rizzardo. Simbolismo do Terceiro Grau. São Paulo: MADRAS EDITORA LTDA, 2006. 

ASLAN, Nicola. Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria Simbólica, Vol.I: Londrina: Editora A TROLHA Ltda. 2000.

Rituais: REAA, MLAA, Adonhiramita, do Grau 3.

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