(algumas visões)
Santo Agostinho - “in Confissões”
“Arrebatavam-me os espectáculos teatrais, cheios de imagens das minhas misérias e de alimento próprio para o fogo das minhas paixões. Mas porque quer o homem condoer-se, quando presenceia cenas dolorosas e trágicas, se de modo algum deseja suportá-las? Todavia, o espectador anseia por sentir esse sofrimento que, afinal, para ele constitui um prazer. Que é isto senão rematada loucura? Com efeito, tanto mais cada um se comove com tais cenas quanto menos curado se acha de tais afectos (deletérios). Mas ao sofrimento próprio chamamos ordinariamente desgraça, e à comparticipação das dores alheias, compaixão. Que compaixão é essa em assuntos fictícios e cénicos, se não induz o espectador a prestar auxílio, mas somente o convida à angústia e a comprazer o dramaturgo na proporção da dor que experimenta? E se aquelas tragédias humanas, antigas ou fingidas, se representam de modo a não excitarem a compaixão, e espectador retira-se enfastiado e criticando. Pelo contrário, se se comove, permanece atento e chora de satisfação.
Amamos, portanto, as lágrimas e as dores. Mas todo o homem deseja o gozo. Ora, ainda que a ninguém apraz ser desgraçado, apraz-nos contudo a ser compadecidos. Não gostaremos nós dessas emoções dolorosas pelo único motivo de que a compaixão é companheira inseparável da dor? A amizade é a fonte destas simpatias”.
Texto de Dennis Allan - “A Compaixão de Jesus”
Jesus estava pregando na Galiléia quando um homem leproso se aproximou dele. Sabendo do poder do Senhor, o leproso pediu que Jesus o curasse. Ao ver o homem no seu sofrimento, Cristo ficou “profundamente compadecido” (Marcos 1:41). Um hino antigo faz a pergunta: “Importará ao Senhor Jesus que eu viva no mundo a ter o meu coração cheio de aflição? Sentirá meu triste viver?” A resposta poderosa do hino, refletindo as afirmações das Escrituras, é: “Oh! Sim, eu sei, Jesus bem vê o que eu estou a sofrer”.
Lendo o relato de Marcos 1:40-45, podemos observar seis fatos sobre a compaixão de Jesus: Ele viu a pessoa. Ele percebeu o sofrimento da pessoa. Ele ouviu o apelo do sofredor. Ele sofreu com o homem (assim, a idéia de compaixão). Ele falou com o leproso. Ele agiu em favor da pessoa que necessitava de ajuda. Nós devemos mostrar a mesma compaixão em relação aos sofredores ao nosso redor. Precisamos reconhecer que as pessoas existem e que têm problemas reais para podermos falar palavras de conforto ou agir para ajudá-las.
Jesus se compadece de nós. Ele andou aqui na terra durante mais de 30 anos. Ele sofreu, e viu outros sofrendo. É claro, ele sabe que todas as aflições desta vida são temporárias; mas, mesmo assim, ele sofre conosco. Uma boa ilustração deste fato se encontra em João 11. Jesus demorou, de propósito, em responder ao apelo das irmãs de Lázaro. Quando o Senhor chegou, Lázaro já tinha morrido. Jesus bem sabia do seu próprio poder, e da sua intenção de ressuscitá-lo. Ele sabia que as lágrimas de tristeza, em poucos minutos, seriam substituídas por lágrimas de alegria. Mesmo assim, ele mostrou a sua compaixão quando viu Maria, Marta e outros lamentando a morte de Lázaro. Jesus “agitou-se no espírito e comoveu-se” e chorou (versículos 33 e 35).
Quando nós sofremos a perda de entes queridos, problemas de saúde ou outras tristezas, Jesus sabe que o nosso sofrimento durará muito pouco. Mesmo assim, ele se compadece de nós. Sim! Ele se importa conosco!
“Compaixão – Ir∴ KLEBER ADORNO”
Compaixão é a verdadeira essência de uma vida espiritual e a prática central daqueles que devotaram suas vidas para alcançar a iluminação. É a raiz das Três Jóias Supremas – Buda, Darma e Sanga.
É a raiz de Buda, porque todos os Budas nascem da compaixão. É a raiz do Darma, porque os Budas dão ensinamentos motivados unicamente por compaixão. É a raiz da Sanga, porque é ouvindo e praticando os ensinamentos de Darma, os quais são dados por compaixão, que nos tornaremos membros da Sanga, ou Seres Superiores.
O que é exatamente compaixão? Compaixão é uma mente que, com a motivação de apreciar todos os seres vivos, deseja libertá-los do seu sofrimento.
Às vezes, desejamos que alguém se livre do sofrimento por razões egoístas; isso é bastante comum nas relações que se fundamentam principalmente no apego. Se nosso amigo estiver doente ou deprimido, poderemos desejar que se recupere depressa para desfrutarmos novamente da sua companhia; mas esse desejo é basicamente autocentrado, não é verdadeira compaixão. A verdadeira compaixão baseia-se, necessariamente, na motivação de apreciar os outros.
Embora já tenhamos algum grau de compaixão, no momento, ela é bastante parcial e limitada. Quando nossos familiares e amigos estão sofrendo, facilmente geramos compaixão por eles, mas é bem mais difícil sentirmos solidariedade por estranhos ou por pessoas que achamos desagradáveis.
Além do mais, sentimos compaixão por aqueles que estão sofrendo dor manifesta, mas não por aqueles que estão desfrutando de boas condições e menos ainda pelos indivíduos que estão cometendo ações nocivas.
Se realmente quisermos realizar nosso potencial alcançando a plena iluminação, temos que aumentar o escopo da nossa compaixão até que ela consiga abranger todos os seres vivos sem exceção, como faria uma mãe amorosa que sente compaixão por todos os seus filhos, independente de estarem agindo bem ou mal.
Essa compaixão universal é o coração do budismo mahayana. Ao contrário da nossa compaixão atual, limitada, que já surge ocasionalmente de modo natural, a compaixão universal precisa ser cultivada por meio de treino durante um longo período.
Para saber mais sobre compaixão, consulte os livros Oito passos para a felicidade, Compaixão universal, and Contemplações significativas.
Há em suma apenas três motivações fundamentais das ações humanas, e só por meio do estimulo delas é que agem todos os outros motivos possíveis.
Elas são:
A) Egoísmo, que quer seu próprio bem (é ilimitado);
B) Maldade, que quer o mal alheio (chega até a mais extrema crueldade);
C) Compaixão, que quer o bem-estar alheio (chega até a nobreza moral e a generosidade)”
Schopenahuer, Sobre o fundamento da moral
No ano de 1840, a Sociedade Real Dinamarquesa de Ciências de Copenhague levantou o seguinte questionamento: “A fonte e o fundamento da filosofia da moral devem ser buscados numa idéia de moralidade contida na consciência imediata e em outras noções fundamentais que dela derivam ou em outro principio do conhecimento?”. A fim de respondê-lo o filosofo alemão Arthur Schopenhauer escreveu um tratado filosófico intitulado “Sobre o fundamento da moral”. Pretendo aqui refletir brevemente sobre as idéias schopenhaurianas presentes nesse tratado que apesar de ter sido escrito no século XIX me parece muito útil para se pensar à contemporaneidade. Vivemos em um mundo capitalista de imensas explorações e desigualdades sociais, políticas e econômicas. Apesar de todo o desenvolvimento tecnológico do último século e a grande capacidade produtora das indústrias o mundo ainda é assolado pela fome e pela miséria. Apesar de todo o acumulo de conhecimento cientifico ainda sofremos de intolerância étnica e religiosa, e os conflitos armados matam milhares de pessoas todos os dias, a exploração descontrolada e irresponsável da natureza cada vez mais se agrava provocando catástrofes em todas as partes. Ao pensarmos essa realidade entendemos um pouco o que Schopenhauer queria dizer quando falava de egoísmo e maldade como formas de motivação da ação humana. Aparentemente tais motivações não só existem de sobra como são o que move o nosso sistema. Mesmo imbuindo de pessimismo a filosofia de Schopenahuer convida-nos a pensar o celebre sentimento da compaixão, o que significa, como se manifesta e principalmente qual é seu papel entres as relações humanas e a moralidade.
Ao pensar em compaixão lembra-se logo da filosofia cristã e do mandamento bíblico que diz, “amaras a teu próximo como a ti mesmo”. É inegável que apesar de ateu Schopenhauer tem uma enorme influencia da cultura judaico-cristã, porém em sua posição de filosofo e cientista ele busca desvincular a moral e a ética de conceitos teológicos. Comecemos do principio, para falar sobre o fundamento da moral deve-se compreender o que Schopenhauer entende por moral. A palavra moral vem do latim mores e quer dizer costume, filosoficamente falando moral significa conjunto de valores, regras, costumes e hábitos sociais. Assim sendo moral está diretamente vinculada à ação humana, ou seja, ao agir de um individuo para com outros. Como é de se imaginar a moral esteve presente de formas variadas em todas as formações sociais na história dos seres humanos, por isso ela é um campo muito vasto da filosofia estando sua reflexão presente em todos os grandes pensadores da história. A moral só existe no campo dos relacionamentos sociais, assim sendo Schopenhauer afirma que o contrario de uma ação moral e uma ação egoísta. Uma ação egoísta pode ser definida como uma ação vinculada somente às necessidades do eu, e totalmente desinteressada para com as necessidades de um outro. Portanto para uma ação ganhar valor moral, de justiça e caridade ela não pode ter como motivo imediato nenhum interesse egoísta. Uma ação moral deve levar em conta o bem-estar e o mal-estar de um outro como se esse fosse o meu próprio. Schopenhauer ao pensar em nossa condição animal descobre que a auto-preservação e a auto-satisfação são nossos instintos primordiais, assim sendo o egoísmo. A grande pergunta que se apresenta agora é: como negar o egoísmo sendo ele instinto primordial e agir para com outro como se fosse eu mesmo? É ai que começamos a tratar sobre a compaixão, sendo ela também uma motivação primordial nos seres humanos.
Ao nos percebermos como indivíduos, ganhamos facilmente a noção empírica da diferença entre o eu e o outro, é inegável que os seres humanos carregam muitas diferenças entre si, o que aumenta a separação entre cada um. Isso dificulta ainda mais a pergunta feita no parágrafo anterior, como é possível frente a essa inegável diferença entre os indivíduos agir com o outro como se esse fosse eu mesmo? Para solucionar esse dilema Schopenahuer aponta para a compaixão. Para o filosofo alemão a compaixão está ligada exatamente à destruição dessas diferenças que percebemos entre os indivíduos, ou pelo menos uma diminuição. A compaixão é o sentimento de identificação com a dor alheia, de tal forma que a dor alheia passa a ser sentida como a minha própria dor. Ao sentirmos a dor do outro como nossa própria, diminuímos essa diferença entre o eu e o outro e é ai que surge o verdadeiro valor moral como uma entrega desinteressada ao outro, suprimindo mesmo que parcialmente o egoísmo.
A compaixão é o fundamento de toda moral e, portanto, de toda a justiça livre e de toda caridade genuína. A compaixão não pode por sua vez ser induzida artificialmente e externamente, ela provem do interior da alma é um sentimento que se manifesta naturalmente em qualquer ser humano, apesar de que não se manifesta sempre.
Disso pode vir a surgir outro interessante questionamento: porque somente a dor do outro é que gera a compaixão e não o prazer ou a felicidade? Schopenhauer ficou conhecido pelo seu profundo pessimismo existencial, que apesar de ser um tanto quanto radical é muito coerente, se não vejamos. Ele afirma que a dor e o sofrimento são as características principais da existência humana. Como diz o personagem Agamêmnon na tragédia “Ifigênia” de Eurípedes: “Não há entre os mortais um só cuja existência seja perenemente próspera e feliz. Nunca existiu alguém imune ao sofrimento”. Assim sendo Schopenhauer diz que a dor alheia desperta a compaixão porque a dor e o sofrimento são sentimentos positivos que se fazem sentir imediatamente. Enquanto o prazer e a felicidade consistem simplesmente na supressão temporária de alguma carência, portanto sentimentos negativos. É nisto que consiste o fato de que somente a dor, o sofrimento e carência despertam a compaixão e a necessidade de participação frente ao outro, enquanto a felicidade e a satisfação nos são indiferentes por serem estados negativos.
A noção de compaixão como uma forma de perceber a igualdade entre os seres humanos vem na historia da filosofia do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, filosofo iluminista muito apreciado por Schopenhauer. Além disso, toda essa fundamentação da moral na compaixão tem muito haver com a visão cosmológica de Schopenhauer, que acredita que tudo no universo provem de uma força metafísica irracional denominada Vontade. Se tudo que existe não passa de fenômeno dessa Vontade então no fundo todos os seres tem a mesma essência, inclusive os seres humanos. Essa é a fundamentação metafísica que Schopenhauer da a moral e a compaixão, isso é o que marca definitivamente sua ética.
Se pensarmos os dias atuais percebemos que a realidade contradiz os dizeres do velho filosofo. Em nosso sistema capitalista a moral se tornou materialista, e seu fundamento esta na busca de lucro e no acúmulo de capital. Nossos principais valores como a competição, o individualismo e o consumismo geram um sentimento de total egoísmo, o que obviamente só agrava mais ainda a desigualdade entre os seres humanos. A ética schopenhauriana nos serve principalmente para pensarmos a relação com o outro. Se grande parte de nossos problemas vem do fato de termos nos tornado tão diferentes a compaixão surge como alternativa para tentarmos perceber o que nos faz iguais e nos uni. As teses de Schopenhauer são compostas por conceitos e idéias de filosofias antiguíssimas dos primórdios da humanidade como o cristianismo primitivo, o hinduismo e o budismo. Todas elas repletas de sabedoria milenar que de uma forma ou de outra sempre valem para as reflexões.
“A multiplicidade e a separabilidade pertencem somente ao mero fenômeno, e é uma e mesma essência que se apresenta em todos os viventes. Assim, a apreensão que suprime a diferença entre o eu e o não-eu não é a errônea, mas sim a que lhe é oposta. Encontramos esta última indicada pelos hindus pelo nome de ‘Maja’, quer dizer, ilusão, engano, fantasma. Aquele primeiro aspecto é o que encontramos como sendo aquilo que está no fundamento do fenômeno da compaixão e mesmo como a expressão real dele. Seria portanto a base metafísica da ética e consistiria no fato de que um indivíduo se reconhece a si próprio, a sua essência verdadeira, imediatamente no outro”.
(Schopenhauer, Sobre o fundamento da moral).
Fonte: http://joseroberto735.blogspot.com
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