O CURIOSO GRAU DA MARCA NAS LOJAS SIMBÓLICAS ESCOCESAS
Texto de Luis Felipe Moura, com a colaboração do irmão Luciano R. Rodrigues
BREVE HISTÓRICO DO GRAU DA MARCA
O costume dos maçons gravarem uma Marca em seus trabalhos é extremamente antigo, enraizado nas práticas mais antigas do ofício da construção.
Em 1598, William Schaw, mestre de obras do Rei Jaime VI da Escócia, na primeira versão dos famosos estatutos que levam o seu nome, registrou no artigo XIII: “o dia da recepção do companheiro do Craft, ou mestre, seja devidamente registrado e seu nome e marca inseridos no referido livro”, o que comprova que a utilização da marca entre os maçons operativos.
Indo para a Maçonaria Especulativa, já com a utilização de práticas ritualísticas para concessão de graus, a mais antiga menção a Marca se dá em 1769 no Royal Arch Chapter of Friendship Nº 257.
Porém, Laurence Dermott, Grande Secretário da Grande Loja de Antigos, afirmou que ele foi feito um Royal Arch Mason em Dublin, 1746.
Apesar disso, tudo indica que o grau foi introduzido na Inglaterra de forma razoavelmente tardia, pois o primeiro registro do grau em território inglês data de 1 de setembro de 1769.
Em 1813, a fundação da Grande Loja Unida da Inglaterra acabou por dar um duro golpe no grau da Marca, ao definir a Maçonaria (que hoje chamamos de Simbólica) como sendo composta por três graus: Aprendiz, Companheiro e Mestre, com o adendo do Sagrado Arco Real.
Mesmo assim, o grau da Marca continuou extremamente popular, não só na Escócia (onde surgiu) como também na própria Inglaterra. A Grande Loja Unida da Inglaterra ainda tentou voltar atrás e incluir o grau da Marca em 1856, mas desistiu após tal ato gerar contenta entre os irmãos. No mesmo ano, a Grande Loja dos Mestres Maçons de Marca foi fundada.
Em virtude disso, o grau da Marca acabou em quase todo o mundo tornando-se parte dos graus colaterais ingleses, ou de um capítulo do Real Arco (Americano). Mas, que o leitor atente para a palavra “quase”. Isso porque o grau da Marca continuou a ser praticado na Escócia dentro do âmbito da chamada Maçonaria Simbólica.
O SISTEMA ESCOCÊS
O tempo trouxe um pouco mais de padronização à Maçonaria do que ocorria na antiguidade, de modo que a Escócia também acabou abraçando a prática do grau da Marca no âmbito dos chamados Altos Graus.
Hoje, existem duas opções por lá: É possível fazer o grau da Marca tanto pela Loja Simbólica, quanto pelo Real Arco. Caso um maçom tenha feito o grau da Marca na Loja Simbólica, ele não precisa repetir o grau no Real Arco. Assim sendo, ele ao se filiar ao Real Arco, procede diretamente a receber o grau de Excelente Mestre, que é o grau seguinte no Real Arco praticado na Escócia. Nos capítulos do Real Arco, são conferidos nesta ordem, os graus: Mestre da Marca, Excelente Mestre e Real Arco.
Mas, como funciona a prática do grau da Marca no âmbito das Lojas Simbólicas na Escócia?
É o que será descrito a partir de agora, dentro do que for possível descrever sem incorrer em relatar segredo de grau, pois o autor deste artigo levar muito a sério seu juramento.
A descrição que se segue é detalhada no Ritual “Standard” da Maçonaria Escocesa, publicado pela Grande Loja da Escócia para as Lojas Simbólicas – obra essa que contém os quatro graus: Aprendiz, Companheiro, Mestre e Marca.
O GRAU DA MARCA NA LOJA SIMBÓLICA ESCOCESA
Logo no começo, tem-se uma prática muito curiosa: A Loja é aberta (ou convertida) no terceiro grau, para se certificar de que todos os presentes sejam Mestres, pois só pode receber o grau da Marca que for Mestre Maçom.
Depois disso, a loja é convertida novamente em grau de Companheiro, pois é a partir desse grau que fazem a ponte para o grau da Marca. Contudo, se houver Companheiros em descanso, esses não retornam à loja, pois apesar da loja estar aberta no grau de Companheiro, o grau da Marca será dado somente aos Mestres.
Em seguida, o Venerável Mestre anuncia que realizará os trabalhos do grau da Marca. Nesse ponto, ocorre algo muito curioso: O Venerável Mestre pode não ser aquele que conduzirá a sessão no grau da Marca. Em outras palavras, um outro irmão pode ser o Venerável Mestre da Marca.
Nesse último caso, o irmão que será o Venerável Mestre da Marca se senta num altar colocado à frente do lugar do Venerável Mestre. Para efeito da Cerimônia do grau de Marca, esse passa a ser o altar de condução para os trabalhos da loja, apesar do Venerável Mestre se manter atrás do Venerável Mestre de Marca, em seu altar original.
(Os irmãos que passaram pelo grau de Past Master Virtual do Rito de York se recordarão de uma disposição semelhante em dado momento)
Após isso, o Venerável Mestre dá ordem ao Venerável Mestre de Marca que conduza os trabalhos no grau da Marca e passa-lhe o malhete, de forma parecida com como um Venerável Mestre oferece o malhete ao Grão-Mestre se esse estiver presente numa sessão.
Evidentemente, o conteúdo da sessão em si não será descrito, por envolver sigilo maçônico. Porém, alguns comentários pertinentes podem ser realizados:
Em alguns ritos, a verificação quanto ao grau dos obreiros presentes é feita (ou não) a critério dos Vigilantes. Todavia, neste caso, o ritual prevê que o Vigilante demonstre insatisfação e exija provas dos presentes. Provavelmente é um cuidado a mais para que nenhum Mestre Maçom desavisado acabe tendo um spoiler da cerimônia sem ter feito o grau.
Fora isso, a cerimônia em si não difere muito daquilo que os que têm o grau já conhecem e, por razões óbvias e já mencionadas, não será descrita.
Após a cerimônia, o retorno ao grau de Mestre é feito da seguinte forma: O Venerável Mestre da Marca encerra os trabalhos da loja de forma bastante semelhante ao que já se sabe.
Depois disso, o Venerável Mestre (original) declara que os trabalhos foram retomados no segundo grau. Se ele não tiver realizado o grau, indaga ao irmão que foi o Venerável Mestre da Marca se o trabalho foi cumprido e retoma o malhete para dar prosseguimento aos trabalhos.
Por fim, o Venerável Mestre indica que o balaústre deve conter os registros do grau de Marca, de forma semelhante ao que acontece em sessões onde há mudança de grau. Em seguida, se houver Companheiros, eles regressam e, por fim, a loja pode ser convertida novamente no primeiro grau para dar entrada aos Aprendizes.
COMENTÁRIOS
Observando a prática do grau da Marca no âmbito da Loja Simbólica, algumas observações saltam aos olhos:
A primeira, a conversão da loja no grau da Marca a partir do segundo grau provavelmente é um resquício dos tempos em que a Maçonaria tinha apenas dois graus e um Mestre da loja. O fato do terceiro grau ter herdado alguns elementos outrora do segundo grau explica porque só um Mestre pode receber o grau da Marca.
A segundo é que a exigência da Grande Loja Unida da Inglaterra a partir de 1929, do total desmembramento e independência dos altos graus e das lojas simbólicas provavelmente é responsável por criar a situação do Venerável Mestre da Marca não ser necessariamente o Venerável Mestre.
Antigamente, é muito provável que para que uma pessoa chegasse ao posto de Venerável Mestre, precisasse passar pelo grau da Marca. Como isso não pode ser mais uma exigência, então surgiu a situação exótica da loja poder ser conduzida por outra pessoa.
Com isso, o Venerável Mestre pode se ausentar da sessão, caso não seja Mestre da Marca, o que pode gerar a situação inusitada do trono ficar vazio durante a condução dos trabalhos. Ainda assim, ele permanece sendo reconhecido como o Mestre da Loja e, por isso, o posto de Venerável Mestre da Marca (se for outra pessoa) é entendido como uma espécie de um delegado seu, que preside a sessão apenas por concessão de autoridade.
Por fim, vale ressaltar que, a exemplo da própria Grande Loja Unida da Inglaterra, a Grande Loja da Escócia não exige que suas lojas sigam um ritual específico, então é possível que haja variações sobre o que aqui foi descrito.
CONCLUSÃO
Muito mais que uma mera curiosidade, o grau da Marca realizado no âmbito da Loja Simbólica na Escócia acaba por servir de uma espécie de testemunho vivo da história e do desenvolvimento da própria Maçonaria.
Sua antiguidade e importância demonstram como, a exemplo do Real Arco, este grau é de grande valia para que se tenha uma percepção mais ampla da Maçonaria.
Os maçons que não são afeitos aos altos graus deveriam, pelo menos, se esforçar para fazer esses dois graus e ter uma dimensão mais completa do que constituía, originalmente, o simbolismo maçônico.
BIBLIOGRAFIA
BEGG, David M. (ed) The “Standard” Ritual of Scottish Freemasonry. Edinburgo: The Grand Lodge of Antient Free and Accepted Masons of Scotland, 2012.
History of the Mark Degree. Provincial Grand Lodge of Mark Master Masons of Bedfordshire. Disponível em: <https://www.markmasonrybeds.org.uk/history-mark-degree/>. Acesso em: <05 de outubro de 2019>
History of the Mark Degree. East Lancashire Provincial Grand Lodge of Mark Master Masons. Disponível em: <http://www.wordpress.eastlancsmark.org/?page_id=435>. Acesso em: <05 de outubro de 2019>
SOBRE O AUTOR
Luis Felipe Moura é M∴ M∴, membro da ARLS Conde de Grasse-Tilly 301 (GOP/COMAB), e do Capítulo Piratininga 13 de Maçons do Real Arco (Rito de York). É bacharel em Letras (inglês), mestre em Teologia e em Psicanálise, atualmente trabalha como psicanalista e professor de Bíblia Hebraica.
Agradecimentos ao Irmão Paulo Carneiro, membro do GOP (COMAB), que gentilmente cedeu o ritual “Standard” da maçonaria escocesa, utilizado para elaboração deste trabalho.
Fonte: https://www.oprumodehiram.com.br
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