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segunda-feira, 2 de março de 2020

TERMINOLOGIA: GOTEIRA

TERMINOLOGIA: GOTEIRA
Autor: Guilherme Cândido

Eis aqui um termo que chega a nos divertir diante às criativas especulações sobre sua origem e significados.

A palavra goteira, para nós maçons brasileiros, indica a presença de alguém que não é maçom tentando “captar as mensagens” durante uma conversa entre maçons, bisbilhotando sobre maçonaria na internet, livros e afins, ou no pior dos casos tentando ser um intruso numa sessão. Aquele cara que sempre te aborda com perguntas sobre Maçonaria, dizendo que viu não sei aonde que a Maçonaria fez tal coisa, dando o toque para confirmar se é assim que se dá o “aperto de mão secreto dos maçons”, dentre outras coisas. Esse cara é “um goteira”.

Antes de prosseguir porém, acho interessante opinar que não penso serem os goteirasruins para nossa instituição (exceto os que tentam entrar em sessões maçônicas, mas estes não considero goteiras e sim falsários dignos de pena). Muito pelo contrário, talvez devamos interpretar a aproximação destes homens como uma demonstração sincera de interesse. Se o irmão souber trabalhar a ansiedade e a curiosidade de um goteira, transformando-as em vontade de pertencer e trabalhar pela Ordem, dessa goteira certamente nascerá uma nascente de conhecimento e labor. Tenho dito sempre aos irmãos: de nada adianta o candidato ser um beato se não tiver interesse pela Maçonaria! Irá iniciar, muito provavelmente se decepcionar e partir. Muito mais vale um homem com bons e aceitáveis defeitos a serem lapidados, mas que tenha a vontade e o interesse verdadeiro de ser um maçom buscador da verdade. Com isso, peço aos irmãos que vejam com outros olhos quando aquele goteira vier encher novamente, aí pode estar um grande irmão em potencial.

Mas vamos continuando. Alguns dizem que se diz goteira porque nossos antigos irmãos reuniam-se em cavernas e quando viam a aproximação de estranhos e confirmavam não serem verdadeiros maçons, colocavam-nos de castigo em baixo das goteiras das estalactites das cavernas. Alguns, um pouco mais sensatos, atribuem ao termo o fato de um homem não ter respondido o Telhamento de forma correta, e assim a Cobertura da Loja estaria falha, com uma goteira. Faz sentido! Se a Loja estiver perfeitamente coberta, não pode haver goteiras em seu teto, mas ainda não é essa a origem.

Temos o seguinte sobre a função do Cobridor (Tyler), de acordo com a cerimônia de instalação do Monitor de Webb – Rito de York Americano (edição de 1865):

“Irmão, você foi eleito Cobridor desta Loja e eu o investirei com o instrumento de seu ofício. A Espada deve ficar nas mãos do Cobridor para que ele seja efetivamente capaz de se proteger da aproximação de COWANS e EAVESDROPPERS (bisbilhoteiros), e não permitir que ninguém passe a não ser quem esteja devidamente qualificado.

No ritual da Grande Loja de Nevada (EUA), assim como na maioria das Grandes Lojas americanas, temos na abertura dos trabalhos um diálogo entre o Venerável Mestre e o 2° Diácono em que se diz em tradução livre:

“Venerável Mestre: Qual é o seu dever lá?
2° Diácono: Observar a aproximação de COWANS e EAVESDROPPERS (bisbilhoteiros), e se certificar de que ninguém vá ou venha exceto aqueles que estejam devidamente qualificados e tenham a permissão do Venerável Mestre.”

Ótimo! Mas antes de prosseguirmos, vamos procurar nos primórdios da Maçonaria inglesa para ver o que achamos!

Na primeira grande exposição e inconfidência Maçônica que se tem notícia, Samuel Prichard, em 22 de setembro de 1730 na Inglaterra, publicou seu “Masonry Dissected” (A Maçonaria Dissecada) contendo a revelação de vários diálogos ritualísticos e segredos da Maçonaria da época. Não bastando publicar, ele o fez em um jornal público local. Consequência: vários goteiras se aproximaram das Lojas! Mas estes tinham o único interesse de se beneficiar de um fundo de ajuda para maçons existente à época. Apesar dos pesares, muitos estudiosos agradecem a Prichard, pois se ele não tivesse exposto o ritual desta forma, talvez nada saberíamos das práticas maçônicas de outrora.

Na publicação de Prichard, entre perguntas e respostas do Grau de Aprendiz Admitido, consta:

“Question: Where stands the Junior Entere’d ‘Prentice?
Answer: In the North.
Question: What is his business?
Answer: To keep off all COWANS and EAVESDROPPERS.
Question: If a Cowan (or Listner) is catch’d, how is he to be punished?
Answer: To be placed under the eaves of the house (in rainy weather) till the water runs in at his shoulders and out at his shoes.”.

Traduzindo para o bom português:

“Pergunta: Onde ficam os Aprendizes Admitidos mais recentes?
Resposta: No Norte.
Pergunta: Qual é a sua função?
Resposta: Manter afastados todos os COWANS e os BISBILHOTEIROS.
Pergunta: Se um Cowan (ou um bisbilhoteiro) for pego, como ele deverá ser punido?
Resposta: Deverá ser colocado embaixo do beiral da casa (enquanto estiver chovendo) até que a água corra entrando por seus ombros e saindo pelos seus sapatos.

Certo! Temos aqui a origem das coisas! Além de, supostamente (porque convenhamos que muito provavelmente isso não deva ter acontecido de fato), um invasor ser punido ficando embaixo da calha durante a chuva, temos aqui duas palavras cruciais para entender porque os lusófonos que nos antecederam decidiram adotar o termo goteira: Cowan e Eavesdropper.

Segundo o blog Masonic Dictionary, as definições são:

Cowan: de origem desconhecida, mas possivelmente da antiga Escócia, é um termo exclusivamente maçônico (por isso não tem tradução para o português), que indica um homem que praticava Maçonaria (operativa) mas que não tinha sido formado e iniciado para exercer a profissão. Tendo portanto aprendido e exercido a profissão de modo ilegal, este homem era classificado como um Cowan;

Eavesdropper: Tem tradução literal de BISBILHOTEIRO no idioma inglês. É alguém que espia a Loja ou pode ter aprendido algo sobre Maçonaria mesmo sem ser Maçom.

Entendido que o termo cowan não possui uma tradução literal, mas tendo compreendido seu significado, atentemos agora à definição em inglês (tradução livre) da palavra eavesdropper. Segundo o dicionário Webster: “Eavesdropper (eaves.drop.per): bisbilhoteiro; aquele que fica embaixo do beiral (eaves), ou perto de uma janela ou porta de uma casa, para ouvir secretamente a conversa de outros”.

Notemos que a palavra eavesdropper, tem origem na palavra eavesdrop que é, segundo Webster: “Eavesdrop (eaves.drop) 1. Ficar embaixo do beiral perto de uma janela ou porta de uma casa, ouvindo o que é dito dentro da casa em privacidade; 2. A água que cai em gotas do beiral de uma casa”. Estamos quase lá!

Eavesdrop, por sua vez é formada por duas palavras: eaves e drop, e novamente segundo o dicionário Webster: “Eaves: As bordas inferiores do telhado de um edifício, que pendem sobre as paredes e arrematam a água que cai no telhado.” e “Drop: quantidade de líquido que desce em uma pequena massa esférica; um glóbulo líquido; uma gota.”.

Fica evidente portanto que eavesdrop é a água que cai em forma de gotas, que goteja, do beiral ou da calha de um telhado, ou seja, uma goteira (inclusive alguns tradutores trazem eaves como sinônimo de goteira, vide Google Tradutor). Fica explícito também que esta palavra tem, em inglês, a conotação de bisbilhotar. Concluímos portanto que eavesdropper tem dois significados, tanto de espiar quanto de gotejar água do telhado, fazendo ambos sentido para nosso termo em questão.

Está resolvido! Um goteira é originalmente um eavesdropper, um intruso, um enxerido que tenta ouvir e conhecer aquilo que não lhe diz respeito, e sua origem em inglês indica que essa pessoa ficava embaixo do beiral do telhado, do lado de fora da casa, para ouvir a conversa alheia. Da exposição de Prichard vemos também que, maçonicamente, seu castigo seria ali ficar para receber umas boas gotejadas na cabeça!

O motivo pelo qual nossos antecessores lusófonos não adotaram simplesmente a palavra bisbilhoteiro, não sabemos. Talvez por terem traduzido eavesdropper apenas como a água que goteja do telhado, ou talvez para criarem um linguajar maçônico e não serem óbvios na hora de alertar a aproximação de um enxerido. Quem sabe? O que sabemos é que o termo pegou.

Em alguns rituais simbólicos do Rito de York que temos no Brasil, aquele mesmo diálogo na abertura dos trabalhos entre o Venerável Mestre e o 2° Diácono, já citado anteriormente através do ritual da Grande Loja de Nevada, ficou como “Intrusos e Profanos” (Rituais emitidos pelo Supremo Grande Capítulo de Maçons do Real Arco do Brasil, ou pelo Grande Oriente do Paraná por exemplo) ou “Profanos e Goteiras” (Rituais da Grande Loja Maçônica do Estado da Paraíba).

Referências Bibliográficas

BLOG MASONIC DICTIONARY. Tiler. 
Disponível em: http://www.masonicdictionary.com/tiler.html. Acesso em dez. 2015

______. Cowan. Disponível em: http://www.masonicdictionary.com/cowan.html. 
Acesso em dez. 2015

DICIONÁRIO WEBSTER – INGLÊS/PORTUGUÊS. Eavesdropper. Disponível em: http://www.webster-dictionary.org/definition/eavesdropper. Acesso em dez. 2015

______. Eavesdrop. Disponível em: http://www.webster-dictionary.org/definition/Eavesdrop. Acesso em dez. 2015.

______. Eaves. Disponível em: http://www.webster-dictionary.org/definition/Eaves. Acesso em dez. 2015.

______. Drop. Disponível em: http://www.webster-dictionary.org/definition/drop. Acesso em dez. 2015.

GRAND LODGE OF FREE AND ACCEPTED MASON OF THE STATE OF NEW YORK. The Standard Work and Lecture Ancient Craft Masonry. Revised and Reprinted, New York, 2001.

GRANDE LOJA MAÇÔNICA DO ESTADO DA PARAÍBA. Ritual do Grau de Aprendiz Maçom do Rito York. Paraíba, 2010.

GRANDE ORIENTE DO PARANÁ. Ritual do Grau de Aprendiz Admitido do Rito de York. 3ª ed. Curitiba, 2014.

MOST WORSHIPFUL GRAND LODGE OF FREE AND ACCEPTED MASONS OF THE STATE OF NEVADA. The Entered Apprentice Degree Ritual.

______. The Master Mason Degree Ritual.

PRICHARD, Samuel. Masonry Dissected. Editora Charles Corbett Stock-Broker, 20ª edição, Londres, 1730.

SUPREMO GRANDE CAPÍTULO DE MAÇONS DO REAL ARCO DO BRASIL. Ritual do Grau 1 – Rito Inglês Antigo. Rio de Janeiro, 2015.

WEBB, Thomas Smith. Webb’s Freemason’s Monitor: including the Three First Degrees. Editora C. Morre, Cincinnati, 1865.

Fonte: https://pavimentomosaico.wordpress.com

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