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domingo, 31 de maio de 2020

QUEM INSTRUI

QUEM INSTRUI
(republicação)

Em 25.08.2015 o Respeitável Irmão Lauro Goerll Filho, Loja Filhos do Pelicano, 3.866, REAA, GOB-PR, Oriente de Cianorte, Estado do Paraná, formula a seguinte questão: laurogoerllfilho@hotmail.com 

Tenho a seguinte dúvida: A quem cabe as instruções dos Aprendizes e Companheiros? Ao 1º e 2º Vigilantes, respectivamente? Já vi em alguns livros a respeito do REAA que aos Aprendizes, o responsável é o 1º Vigilante, e em outros que é o 2º Vigilante.

CONSIDERAÇÕES:

Assim o 2º Vigilante comunicava ao 1º Vigilante que, por sua vez conferia e, se aprovada à obra executada pelo postulante, solicitava ao Mestre da Obra aumento de salário profissional em favor do Aprendiz. Se assim ele o obtivesse passava para a perpendicular ao nível (do nível para o prumo) - a etapa do erguimento ou da elevação das paredes.

No passado medieval (século XII) as reuniões das Corporações de Ofício da Francomaçonaria não eram realizadas em Templos, já que à época estes nem mesmo existiam (o primeiro somente apareceria no terceiro quartel do século XVIII em Londres). 

Também não eram conhecidos os Ritos, ou Trabalhos no Craft tal como hoje os conhecemos, porém já existiam à época as instruções éticas e morais e mesmo religiosas que eram apresentadas sob a forma de catecismo concomitantemente ao aprendizado do ofício – elas seriam posteriormente então conhecidas como as “old charges”, ou as “antigas obrigações”. 

Era costume entre aquelas Corporações, a realização de reuniões comemorativas e festas patronais onde também eram discutidos e avaliados os planos de trabalho do Ofício. 

Geralmente nessas reuniões também aconteciam às recepções para novos iniciados no Ofício da “arte da construção”. 

Assim, essas assembleias de construtores se realizavam uma ou duas vezes por ano, coincidindo sempre com os períodos solsticiais – solstício de verão em 24 de junho e solstício de inverno em 27 de dezembro em relação à meia esfera norte do nosso Planeta (hemisfério norte). 

É dessas datas, por influência da Igreja, que mais tarde seriam identificados os Santos Padroeiros, João, o Batista e João, o Evangelista na Maçonaria com as suas Lojas de São João. 

Quando dessas reuniões, as mesmas eram realizadas no princípio em torno de uma mesa longa orientada simbolicamente de Leste para Oeste onde o Mestre da Obra (não era o atual Mestre Maçom da Moderna Maçonaria) ocupava a parte mais oriental do recinto. No lado oposto, no extremo da banda ocidental, tomava assento o primeiro auxiliar do Mestre, conhecido à época como “warden” (zelador) - mais tarde seria rotulado como 1o Vigilante. Na porção mediana da grande mesa, todavia pelo seu lado Sul, assentava-se a ela o segundo “warden” auxiliar do Mestre, que seria qualificado posteriormente como 2º Vigilante. 

Vale a pena mencionar que essa antiga compleição relacionada aos três dirigentes (as Luzes da Loja), já no período operativo, possuía caráter imemorial, espontâneo e universalmente aceito, portanto, um verdadeiro “Landmark” (limite). 

Então, desde o século XII, provavelmente pelo costume herdado das “Guildas”, essas reuniões já eram realizadas à mesa de refeições, cuja disposição desse mobiliário daria origem na Maçonaria à conhecida mesa em formato de “U” que seria também orientada de Leste para o Oeste, tendo ao centro do Oriente pelo dado de fora da mesa o Mestre da Loja e, nos dois outros extremos dessa mesa (pernas do “U”), no sentido longitudinal do espaço, os assentos a noroeste o Primeiro Vigilante e a sudoeste o Segundo Vigilante (origem da disposição das atuais Lojas de Mesa, que são denominadas equivocadamente como banquete ritualístico). 

Descrito o ambiente, na mesma oportunidade em que se discutiam assuntos pertinentes à Confraria geralmente acompanhados de um banquete, era também saudado o solstício coincidente ao Santo Patronal que dava origem ao novo ciclo natural - a nova estação do ano. 

Concomitante ao ato comemorativo mencionado era também realizada a iniciação para membros aspirantes á “Arte de Construir” - nunca é demais lembrar que nos albores da Francomaçonaria existiam, além do Mestre da Loja, apenas as classes dos Aprendizes recém- iniciados e dos Aprendizes do Ofício, estes últimos posteriormente dariam origem aos Companheiros do Grêmio (Fellow Craft). 

Historicamente, era dentre a classe dos Companheiros (geralmente o mais experiente) escolhido um para assumir a direção dos trabalhos da Loja (Mestre da Loja à época não era grau). 

Pela experiência contraída por esse Companheiro do Ofício, a ele era dada a oportunidade de possuir a sua própria Guilda de Construtores, ocasião que recebia do senhorio uma carta patente qualificando-o a contratar obras e se deslocar livremente para iniciar e ensinar novos Aprendizes de acordo com as exigências da “Arte”. 

É desse costume que quando em deslocamento por outras paragens, os Maçons se reconheciam secretamente por sinais, toques e palavras, evitando com isso que um “pedreiro” não precisasse ficar horas desbastando e esquadrejando uma pedra para provar a sua habilidade. 

Retomando as considerações do ancestral ambiente das antigas reuniões em torno da mesa é que mais tarde os integrantes daquelas corporações (canteiros) passariam a usar um recinto específico para a finalidade iniciática. Geralmente esses ambientes ocupavam espaços de tabernas e ocupavam uma grande sala contígua ao espaço empregado nas reuniões comensais. 

Assim, foi nesse espaço quadrangular, porém sem fazer uso daquela grande mesa, que os assentos dos dirigentes (atual Venerável e os Vigilantes) eram simbolicamente dispostos de modo análogo à antiga mesa – um no Leste, um no Meio-Dia e a outro no Oeste. 

Diante dos dirigentes (atuais Luzes da Loja) havia apenas um pequeno pedestal e um tocheiro. Um banco de se ajoelhar era também colocado próximo ao pedestal do Mestre da Loja. 

Ao centro do ambiente, entre o Norte e o Sul eram desenhadas no chão – geralmente com giz ou carvão - alegorias alusivas aos instrumentos de trabalho dos construtores de modo que sugerissem também lições de moral e ética profissional, bem como a religiosidade conivente com os clérigos eclesiásticos que eram na época os principais protetores das confrarias de construtores de até então existentes. 

Ainda com relação a esses conjuntos alegóricos desenhados no chão do espaço, há que se mencionar que mais tarde seriam substituídos por gravações em tapetes que seriam os ancestrais dos atuais Painéis da Loja (sistema francês), ou das Tábuas de Delinear (sistema inglês) na Moderna Maçonaria. 

Quanto ao tema da questão propriamente dito, antes, porém foi preciso descrever pelo menos um panorama sucinto de como eram realizados os trabalhos maçônicos em tempos dantes. 

Do mesmo modo e para melhor esclarecer a obrigação de ofício de um Vigilante e a instrução maçônica, objeto dessa questão, segue abaixo um sumário genérico que envolve a realização de uma iniciação na época: 

SUMÁRIO - o candidato ao Aprendiz do Ofício, vendado e despojado era conduzido para o recinto apropriado e entregue ao 2º Vigilante que antes o apresentava aos demais membros da Confraria para em seguida coloca-lo diante do 1º Vigilante quando recebia uma oração, ou prece, em seu favor (esse costume prevalece até os dias atuais – veja Ritual em vigência no GOB). Posteriormente, em perambulação pelo recinto, o proposto era conduzido pelo 2º Vigilante (mais tarde por um Oficial de Chão, ou o Diácono) até o Mestre da Loja onde o Candidato era orientado a se ajoelhar sobre o joelho esquerdo e segurar o Livro das Sagradas escrituras que ia apoiada sobre a sua mão esquerda e colocada à respectiva mão direita espalmada por sobre o Livro (postura que daria origem ao Due Guard (1), quando então prestava a sua “obrigação” como Aprendiz do Ofício recebendo em seguida à Luz (o postulante era desvendado). Naquela oportunidade então, lhe era entregue um par de luvas de couro e um avental de pele de carneiro, objetos que lhe serviriam de proteção durante os labores no desbaste da pedra bruta, ao mesmo tempo em que lhe eram apresentadas de forma verbal pelo 2º Vigilante as lendas, geralmente bíblicas, e também lhe eram lhe revelados os antigos costumes da Confraria (Old Charges) que serviriam como um código de moral para norteá-lo na senda destinada ao novo Aprendiz. Ato seguido o Neófito era então colocado diante do quadro (ainda desenhado no chão na época) enquanto o 2º Vigilante provia a instrução (catecismo) relacionada aos símbolos e alegorias constantes no quadro (origem do Tapete e dos Painéis da Loja) e os primeiros segredos da Arte da Construção. Terminada a primeira preleção ao Neófito, o mesmo era conduzido próximo ao canto nordeste da Loja e lhe apresentado o primeiro canto marcado pela pedra angular da Obra. Por fim era encerrada a recepção ao novo Aprendiz do Ofício no Craft. 

Em síntese assim era uma Iniciação no distante período operativo que, salvo algumas variações consoantes aos costumes regionais e culturais, em pouco se diferenciavam nas confrarias dos Canteiros Medievais. 

O Aprendiz iniciado passaria então o seu tempo, geralmente três anos, no canteiro de obras aprendendo com o 2° Vigilante a arte de esquadrejar a pedra para servir os pedreiros mais experientes até que, com tempo e dedicação, estivesse apto para assentar a pedra esquadrejada, cujo objetivo seguinte, na senda dos construtores, seria a passagem para prosseguir em direção à elevação da construção. 

Com relação ao Companheiro do Craft – na época rotulado como Aprendiz Sênior – o método era o mesmo, cujo tempo de aperfeiçoamento beirava os aproximados cinco anos, em cujo período lhe eram ensinados os segredos da arte da aprumada e elevação das paredes, assim como o fechamento estrutural dos arcos ogivais (góticos). 

Nesse segundo ciclo de aperfeiçoamento as instruções eram ministradas e supervisionadas pelo 1º Vigilante que, no crepúsculo doutrinário (final do quinto ano), pedia ao Mestre da Obra aumento de salário profissional para o Companheiro. 

Caso ele obtivesse aprovação, então ele estaria apto para receber a carta (placet) que o habilitava a contratar serviços em seu nome e iniciar novos postulantes ao ofício. 

É sob esse feitio que o Segundo Vigilante recebia e instruía os Aprendizes, enquanto que o Primeiro Vigilante supervisionava e doutrinava os Companheiros, daí a tradição conservada até os dias atuais, obedecida a tradição de que na Moderna Maçonaria os Ritos e Trabalhos do Craft oriundos do hemisfério Norte, os Aprendizes tomam assento sempre no lado Norte e os Companheiros no Sul, independente de que o Primeiro Vigilante se posiciona sempre no Ocidente ou no noroeste (conforme o Rito) e o Segundo Vigilante no Sul (Meio-Dia). 

Atualmente trabalhamos em uma Loja simbólica, enquanto que no passado medieval os trabalhos operativos se realizavam cotidianamente nos canteiros de obras, reservando-se os recintos fechados (salas das tabernas ou os adros das igrejas) apenas para as reuniões anuais ou semestrais para as avaliações da obra, comemorações patronais e ingresso de novos integrantes. 

Com o advento da Moderna Maçonaria e o aparecimento dos Ritos Maçônicos (meados do século XVIII), procurou-se conservar, dentre outras, essas tradições mesmo que de modo especulativo. 

Assim apareceria também a disposição mobiliária e topográfica dos canteiros simbólicos conforme os Ritos e Trabalhos - as atuais Lojas Simbólicas - aonde exercem seus ofícios o Venerável, os Vigilantes, as demais Dignidades e Oficiais, assim como os Aprendizes e Companheiros. É nessa transição da Maçonaria que apareceria a partir de 1.724/25 na Inglaterra o Grau de Mestre Maçom, sacramentado como condição iniciática a partir da segunda Constituição inglesa - a de 1.738. 

Daí, na Moderna Maçonaria como fiel guardiã das tradições usos e costumes manteria também essa questão hierárquica, onde o 2º Vigilante instrui os Aprendizes; o 1º Vigilante, os Companheiros e o Venerável, os Mestres. 

Finalizando, é imperioso se compreender que verdadeiramente quem dirige a Loja é tão somente o Venerável Mestre, auxiliado pelos Vigilantes. Dessa relação está o contido no Ritual de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito em vigência no GOB quando, dentre outros, prevê que os Aprendizes, sentados no Topo da Coluna do Norte sejam instruídos simbolicamente pelo Segundo Vigilante que por sua vez ocupa lugar na Coluna do Sul ao meridiano do Meio-Dia, enquanto que os Companheiros, assentados no Topo da Coluna do Sul, são instruídos pelo Primeiro Vigilante que fica posicionado no extremo ocidente da Coluna do Norte. A questão não é de quem senta ou aonde se posiciona na Coluna, a questão é de tradição e história da Arte Real assim como o que envolve a hierarquia das Luzes da Loja. 

(1) Due Guard – guarda devida, ou devido de guarda. Praticamente abolida das Lojas inglesas, esse sinal viria a sobreviver nas Lojas norte-americanas (Craft) e irlandesas. O gesto exprime a atitude correta que o candidato deveria assumir ao prestar a sua obrigação diante do Livro da Lei. 

T.F.A. 
PEDRO JUK – Secretário de Orientação Ritualística do GOB-PR  - jukirm@hotmail.com 
Fonte: JB News – Informativo nr. 1.997 – Florianópolis (SC) segunda-feira, 21 de março de 2016

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