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quarta-feira, 10 de junho de 2020

TRANSMISSÃO DA PALAVRA

TRANSMISSÃO DA PALAVRA
(republicação)

Em 08.09.2015 o Respeitável Irmão Cidio, Loja Amor e Liberdade, 2.427, GOB-PR, REAA, Oriente de Ivaiporã, Estado do Paraná, solicita o seguinte esclarecimento: 
clinica_dr_cidio@hotmail.com

Depois de longa data estamos aqui para pedir mais uma vez sua orientação: A dúvida é seguinte: Na passagem da palavra sagrada no manual de dinâmica ritualística diz para passar soletrada, nas primeiras instruções no manual de aprendiz pede, para, após dar letra por letra, dar sílaba por sílaba. Nossa duvida é, tem que passar também sílaba por sílaba ou só soletrar? Qual está certa? No aguardo, mando um grande abraço, meu e de nossa Loja.

CONSIDERAÇÕES:

Essa é uma contradição com quem temos de há muito convivido nos nossos rituais escoceses no Brasil.

Eu mesmo enviei em setembro de 2013 mais de duzentos provimentos para correção do Ritual ao GOB quando eu ainda era Secretário Geral de Orientação para o REAA (deixei a pasta em julho próximo passado) e, dentre esses já havia apontado essa incongruência. Como eu nunca recebi sequer um retorno do Poder Central, esse equívoco continua ainda implantado sem sequer uma explicação plausível.

Ora, iniciaticamente a alegoria da Palavra Sagrada no Primeiro Grau como método de reconhecimento no Cobridor do Grau (dai-me a primeira que eu vos darei a segunda), assim como na Transmissão da Palavra (diretamente apenas pelo transmissor) é dada soletrada (letra por letra). Esse modo alude alegoricamente à primeira etapa iniciática onde o Aprendiz, dentre outros, representa a infância. Assim, a alegoria prevê que no Grau seguinte, onde simbolicamente o obreiro estará mais esclarecido e representando a juventude, o método de transmissão da respectiva Palavra Sagrada, com a prudência necessária, será dada agora de maneira silabada (Grau de Companheiro).

Então na vertente da Maçonaria francesa, de onde advém o REAA∴, nele esse é o método de se transmitir a Palavra no simbolismo – primeiro de maneira soletrada (Aprendiz), em seguida silabada (Companheiro) e por fim ela é transmitida normalmente (Mestre). Entretanto, existem também outros formatos de transmissão dependendo do Rito ou Trabalho do Craft adotado, bem como a sua vertente maçônica. É oportuno mencionar que a Moderna Maçonaria é composta por inúmeros ritos e outros formatos de trabalho dependendo da sua vertente cultural.

Retomando a questão, essa repetição silabada da Palavra que antes fora dada soletrada nada mais é do que um procedimento de outro costume que foi enxertado no REAA. Por exemplo, a Palavra pode ser dada primeira soletrada por duas letras de trás para frente por um protagonista; do mesmo modo as outras duas pelo outro e por fim partida ao meio (silabada) entre ambos. É o caso do que acontece em alguns Ritos ou Trabalhos da vertente anglo-saxônica (veja o Rito de York do Craft Norte-Americano), mas não no escocesismo.

Foi assim que alguns ritualistas “achando” que tudo é igual, quando não “bonito”, acabaram misturando procedimentos de ritos e costumes maçônicos - deu no que deu: o atual ritual do REAA no GOB ensina que o Aprendiz apenas deve soletrar a Palavra, porém se contradiz quando menciona que no final ela também é dada por sílabas. Afinal, se doutrinariamente o Aprendiz apenas sabe soletrar, então que “estória” seria essa de se silabar no final? Quem explicaria essa contradição no mesmo Rito?

Bem, esse seria um caso provável, entretanto pode existir ainda outro.

É sabido que o Rito Francês, ou Moderno foi o Rito praticado nos primórdios do Grande Oriente Brasílico (do Brasil). Esse Rito tradicionalmente adota as mesmas Palavras Sagradas do REAA para os seus dois primeiros Graus, entretanto nesse Rito as palavras são invertidas em relação ao Rito Escocês (costume haurido dos Modernos da Primeira Grande Loja em Londres de 1717). Desse modo no Rito Francês a Palavra Sagrada do Aprendiz é J∴ (dada soletrada) enquanto que a do Companheiro é B∴ (dada por sílabas) – note a inversão em relação ao Escocês.

Assim, existe também essa grande probabilidade, na qual novamente “confundiram as bolas” quando da confecção de rituais maçônicos brasileiros, já que à chegada do Rito Escocês oficialmente no Brasil em 1832, o Rito Moderno já era conhecido e praticado por aqui. Devida a precariedade de comunicação e de procedimentos para impressão gráfica à época num Brasil ainda colonial, paulatinamente os rituais foram escritos sem uma criteriosa revisão acadêmica, de tal sorte que houve desde então inúmeras permutas de características de ritos distintos que acabaram sendo inseridos nos nossos rituais e disso pode ter resultado essa anomalia, já que no Rito Moderno a Palavra B∴ é a do Companheiro, portando transmitida nele silabada. Assim sendo existe a real probabilidade de que em algum dado momento um determinado compilador pode ter acrescentado no ritual do REAA a versão de que a palavra B∴, que é dada tradicionalmente soletrada, também seria equivocadamente acompanhada da pronúncia silabada copiada do Rito Moderno, ou Francês sem se aperceber que as mesmas são invertidas nos Graus de um para outro Rito.

Esse então pode ter sido o provável enxerto que viria dar origem para que no primeiro Grau do escocesismo, além da forma correta de se transmitir a Palavra letra por letra, essa viesse também acompanhada enganosamente da forma de se poder soletra-la no final.

Assim, concluindo a questão, o Ritual em vigência carece urgentemente de ser consertado, já que o Aprendiz no Rito Escocês Antigo e Aceito, igualmente com os obstáculos por ele superados na alegoria da Primeira Viagem, representa também a infância do Homem Iniciado que, de modo prático, objetivo e seguindo a ordem natural dos fatos, traz no apólogo o entendimento de que antes de aprender a arte da escrita ele primeiro precisa conhecer as letras e fonemas que compõem a dialética inserida no “primeiro trivium”, assim nominado pelo filósofo, estadista e teólogo romano Boécio dentro das Sete Artes e Ciências Liberais.

Agora, ainda comenta-se sorrateiramente pelos bastidores da nossa Maçonaria (peripatética com os seus carimbos e convenções) que o que está escrito é para ser cumprido. Então, o que fazer se no Ritual ensina-se que o Aprendiz ainda não sabe nem ler e nem pronunciar, somente soletrar... No entanto esse mesmo ritual proclama que ele (o Aprendiz) também a dará por sílabas? Afinal, ou ele soletra ou ele divide a Palavra?

Eu penso que ele deveria apenas soletrar.

T.F.A. 
PEDRO JUK – jukirm@hotmail.com
Fonte: JB News – Informativo nr. 2.015 – Florianópolis (SC) – sexta-feira, 8 de abril de 2016

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