QUAL A NOÇÃO DE LIBERDADE DO/NO RITO FRANCÊS?
Autor: Tiago Valenciano
Qual é a noção de liberdade no Rito Francês, isto é, quais foram as bases para que tal rito maçônico possuísse a liberdade enquanto princípio básico de sua constituição? Motivado por este questionamento, apresentamos este pequeno trabalho, no intuito de enfatizar um dos sustentáculos da filosofia maçônica: a liberdade. Para isto, percorremos o seguinte caminho: 1) a razão enquanto necessidade científica; 2) os ideais do iluminismo e a configuração do rito francês; 3) como, porque, onde e quando a liberdade surge como importante coluna na maçonaria.
Das propriedades humanas diferenciais dos demais seres dotados de vida terrena, a razão sem dúvida é a que qualifica-nos enquanto existência, isto é, a razão é um traço marcante dos homens. Mas, o que é a razão? Razão é pensar, atender a um raciocínio de forma lógica, com princípios que tornam válidos os argumentos apresentados. Razão é a faculdade humana que permite conhecer, interpretar e compreender o princípio e o fim das coisas, ou seja, é a capacidade de dar sentido àquilo que nos rodeia.
E quando surgiu a corrente racionalista? Foi no renascimento[1] europeu iniciado no século XIV na Itália e expandido pela continente a partir do Século XV que os ideais racionalistas tornaram-se sustentáculo para o desenvolvimento do pensamento humano. Pautando diversas transformações no modo de vida das pessoas, o renascimento contribuiu para aguçar a ruptura – no plano cultural, das ideias medievais e iniciar a Idade Moderna, caracterizada basicamente pela formação e desenvolvimento do capitalismo (em todos os sentidos).
Como expoentes do racionalismo filosófico, podemos salientar as figuras de René Descartes (1596-1650), Spinoza (1632-1677), Leibniz (1646-1716) e Immanuel Kant (1724-1804), ao passo que Max Weber (1864-1920) e Karl Marx (1818-1883) se destacaram no campo da Sociologia. Destes autores, Descartes foi quem se notabilizou pelos trabalhos desenvolvidos em diversas áreas do conhecimento. É atribuída a ele a frase “penso, logo existo”, bem como as quatro regras básicas de seu método, o método cartersiano[2]: verificar a existência dos fenômenos, analisá-los, sintetizar o estudo efetuado e enumerar as conclusões apreendidas. Do mesmo modo, Weber atribuía à razão a possibilidade de estudar a sociedade (fazer sociologia), procurando assim entender e interpretar a ação social, para explicar causalmente os efeitos desta na sociedade. Ou seja, para Weber estudar sociologia é compreender como são estabelecidas as relações sociais, estas para ele fundadas na racionalidade.
Pelo exposto, a razão caminha no conhecimento científico em todas as áreas – e, neste caso, destacamos a sociologia, campo do conhecimento que ganhou notoriedade a partir do século XVIII, com o surgimento das chamadas “revoluções burguesas” (A Revolução Industrial e a Revolução Francesa), ambas alterando significativamente o modo de vida das pessoas.
Foi durante a Revolução Francesa que os ideais do iluminismo ganharam destaque, isto é, a partir daí que a era da razão veio para “iluminar” a verdade ainda encoberta pela igreja, aliada aos Estados Nacionais. Com esta corrente, o conhecimento científico, comprovado, pode substituir o saber teocêntrico, voltado para as verdades de Deus e da igreja e, assim, despertar a busca incessante pela experiência e comprovação – que resultam na ciência, ou seja, a um conhecimento sistemático e demonstrado.
Concomitantemente com o ápice da corrente iluminista, a maçonaria funda suas bases em 1717, em seu período moderno ou especulativo espalhando-se pelo mundo desde então. Do mesmo modo, o Rito Francês surgiu em 1761 dentro do seio do Grande Oriente de França e influenciou diretamente na Revolução Francesa, pregando isoladamente com alguns maçons do rito a noção de liberdade diante do clero e da nobreza, que gozavam de poder excessivo na sociedade. Camargo (2005) esclarece o espírito do rito:
O Rito Moderno é fruto de uma época de valorização da liberdade e da igualdade, quando o poder do trono e da mitra foi questionado e o valor do ser humano exaltado, entendendo ainda em nossos dias que o maçom deve ter a faculdade de pensar livremente, de trabalhar para o bem-estar social e econômico de todo o cidadão, defendendo os direitos do homem e uma melhor distribuição de rendas (CAMARGO, 2005, p. 44)
Retomamos, então, o programa exposto neste trabalho: demonstramos ao longo dos anos a razão enquanto necessidade para a existência da ciência, bem como da influência desta no iluminismo e o prevalecimento do conhecimento científico para a existência do Rito Francês. Ainda falta um ponto a expormos: como, porque, onde e quando a liberdade surge como coluna na Maçonaria e, em especial, no Rito Francês.
A relação existente entre a liberdade e o Rito Francês é evidente. O espírito do rito prevê a liberdade de pensamento enquanto peça fundamental para a formação de um maçom. Ela surge por si só, fruto dos valores de uma época (acima expostos) e que constantemente deve ser relembrada, de geração em geração, para que a tirania e os opressores não acabem com esta excelente faculdade humana.
A liberdade deve ser cultivada no meio maçônico desde a propositura de um novo profano para ingresso na ordem, verificando o caráter e os valores do candidato – e não os aspectos religiosos e crenças pessoais, como o próprio rito prevê. Ela deve ser guiada pelo padrinho durante a formação do Aprendiz até ao grau de Mestre, demonstrando os caminhos a perseguir, mas jamais deixando de lado a liberdade do neófito em buscar, por si só, o conhecimento, pois:
O Rito Moderno é tradicionalmente reconhecido como o Rito dos Livres Pensadores, tem por princípio o respeito absoluto da liberdade de pensamento e consciência, proporcionando aos maçons o contínuo estudo em busca da verdade, reconhece que não detém a verdade, apenas motiva seus integrantes na sua busca incessante (CAMARGO, 2005, p. 65)
Será então a liberdade a mais importante coluna da maçonaria? Talvez seja, pois ainda que a liberdade do outro irmão termine quando começa a minha – em um claro princípio de tolerância maçônica, jamais será possível formar uma nova safra de irmãos com o espírito de LIVRES PENSADORES, que cultivem esta máxima em suas vidas. E, sem pensar e produzir uma nova maçonaria a partir dos ideais da ordem, cultivados pelos nossos antepassados, jamais a maçonaria feita hoje pensará na LIBERDADE do amanhã, sendo assim uma instituição filantrópica (amando a humanidade), filosófica (amando a sabedoria) e, sobretudo, PROGRESSISTA, não se confinando ao passado.
Bibliografia
ARLS FREDERICO CHALBAUD BISCAIA Nº 119 – RITO FRANCÊS. Ritual do 1º Grau Aprendiz Maçom. Maringá, 2010.
CAMARGO, Alexandre Magno. O Aprendiz no Rito Moderno. São Paulo: Outubro, 2005.
DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Col. Os Pensadores, vol. XV.
QUINTANEIRO, Tania; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
[1] Movimento cultural, marco que distingue o fim da Idade Média e o início da Idade Moderna.
[2] Método este desenvolvido durante o livro “O Discurso do Método”
Fonte: https://pavimentomosaico.wordpress.com
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