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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

O VISITANTE DESAFORADO

O VISITANTE DESAFORADO
Acadêmico Márcio dos Santos Gomes
Cadeira Nº 2
Patrono: Cláudio Manoel da Costa

"Quem bate esquece, quem apanha, lembra" (Popular)

O desaforo enseja várias interpretações, mas a que ocorre de imediato é a imprudência na prática de um ato desrespeitoso, indelicado e que cause constrangimentos. E tal situação torna-se mais sutil quando o comportamento parte de um visitante ilustre que é acolhido com consideração e entusiasmo.

Não é incomum recebermos em nossas Lojas, Clubes de Serviços ou entidades vinculadas a trabalhos voluntários, convidados para trazer mensagens, apresentar uma palestra ou ministrar instruções que venham ampliar o conhecimento e promover debates tendentes a contribuir para revisão de modos de agir e incentivar o incremento de atividades.

O cenário tende a se alterar quando o procedimento desse convidado agride a cultura local e a conotação farisaica de sua mensagem se acentue e a abordagem dos temas ganhe contornos de críticas ácidas, com atitudes raivosas e uso de linguagem imprópria, em flagrante desrespeito a um legado construído com grandes sacrifícios e paixão por parte de valorosas pessoas (valorosas, sim!) que plantaram as sementes e dedicaram uma vida para manter de pé as colunas que sustentam a boa obra.

A crônica é repleta de narrativas envolvendo autoridades debutantes que se julgam os doutores da lei e se arvoram no conhecimento de todos os mistérios, de todas as ciências e na titularidade do dom da profecia, e desconhecem a famosa carta de Paulo aos Coríntios sobre o amor (1Cor, 13), evidenciando pouco brilho interior, quase nada acrescentam ou perdem uma rica oportunidade de guardar silêncio. Inevitável não vir logo à mente uma frase que foi destaque no final de 2007, em Santiago do Chile, durante a XVII Conferência Ibero-Americana: "¿Por qué no te callas?".

Boa parte dos que carregam essas características julga-se acima do bem e do mal, como se certas regras comportamentais não dissessem respeito a eles e agem como os fariseus na disputa por posições de proeminência nas mesas principais, com posturas preconceituosas e linguajar destoante, pelo simples prazer em impressionar e de serem tratados pelos títulos, notados e admirados pelas conquistas, mormente em busca de holofotes, homenagens, distintivos e diplomas para exposição nas redes sociais. Olvidam que tudo isso passa e o caráter e o exemplo são para sempre.

É discurso comum que críticas e sugestões são bem-vindas e que as equipes estão abertas para rediscutir formalidades e reavaliar projetos e ações. Até aí tudo bem, há espaço para todos. Mas o que deve ser observada é mais a forma como a mensagem é entregue do que propriamente o seu conteúdo, que por melhor e mais verdadeira que possa se insinuar, venha a desaguar e fazer o bolo solar e não se mostrar apetitoso aos comensais.

Quando essa conduta vem de um ocupante de posição relevante na entidade, que se atribui conhecimento e autoridade para falar o que melhor lhe aprouver, somente por portar currículo lustroso, o ambiente fica nebuloso e o clima tenso. Muitos desses “eruditos” se admiram quando alguém “ousa” questioná-los para maior compreensão de determinado assunto, mesmo de maneira cortês e educada, e por isso estes desavisados manifestantes são por vezes qualificados como atrevidos e resistentes a mudanças. 

Como fora profetizado em uma recente reunião por um desses distintos convidados desaforados, não muito jovem, dinâmico e sem travas na língua, considerando-se inoxidável e revestido de teflon, com ar triunfante, coração de granito e invocando o manto da franqueza: “que contribuição pode dar uma pessoa de 70 anos ao nosso movimento?”. Perplexos, os presentes com idade média de 65 anos entreolharam-se constrangidos. Os que já tinham ultrapassado essa marca esboçaram um sorriso amarelo. Ressalte-se apenas esse exemplo, para não delongarmos sobre outras barbaridades proferidas.

É evidente que cada indivíduo tem seus limites, sendo alguns mais aquinhoados com doses de extrema boa vontade, compreensão, maturidade e resistência para aceitar grosserias e ataques, relevando toda a sorte de impropérios, com capacidade imensa de resiliência e de perdão e a consciência de que no voluntariado “é importante ser comedido na crítica e generoso nos elogios: sempre construir e não destruir”. Estes, portanto, já apararam as arestas da pedra bruta da personalidade.

Outros por sua vez, para não dizer um ou dois em cada grupo, ainda em fase de lapidação, porém certos de que paciência tem limites e não se obrigando a suportar tudo com passividade apenas para demonstrar gentileza ou agradar a quem quer que seja, acreditando que toda ação produz uma reação, tomam as dores e partem em defesa do seu time de coração, no mais das vezes sem descurar das formalidades e das normas de etiqueta, para também não constranger o convidado por colocações indevidas. Mas, como sói acontecer, culpando as vítimas pelo ataque, os cascas grossas não se tocam nem se redimem “e la nave va”.

Desnecessário aprofundarmos no detalhamento quanto aos quesitos relativos a cortesia e boas maneiras, exercício do tato e da habilidade nas relações interpessoais tão decantados pela bibliografia disponível em milhares de livros e artigos de autoajuda. E se considerarmos a vigilância que deve ser mantida em nossos pensamentos e nas atitudes que possam criar situações e ambientes indesejáveis em nossa comunidade, no sentido de aprendermos a controlar sentimentos e impulsos, ainda é pouco se olharmos para os lados com olhos bem atentos e percebermos quem são os fariseus de hoje e como se multiplicam.

Por sua vez, não se pode descurar em qualquer planejamento, quando se imponha a necessidade de receber um convidado, que se avalie de antemão o conceito do mesmo e os tópicos a serem tratados, bem como eventuais providências preparatórias, sutilezas protocolares, objetivos e duração da apresentação, minimizando, assim, possíveis impactos que possam incentivar dissidências e baixas em nossas já desfalcadas fileiras de voluntários que amam servir ao próximo.

Enfim, quando a situação se impuser, vislumbra-se imprescindível saber lidar com a arrogância do poder ao exigirem-se processos transparentes em qualquer contexto em que dirigentes exerçam um mandato em nome de uma coletividade, e que tenham uma liturgia moral do cargo ou função a observar, ou se situem em patamar de “Notáveis”, de modo a não prevalecer um sentimento que possa gerar a sensação de que estão invisíveis e inacessíveis a qualquer forma de punição e não sejamos por derradeiro desafiados ou afrontados com a vetusta carteirada: “Você sabe com quem está falando?” ou a quase socrática: “Quem você pensa que é?” e o não menos conhecido enquadramento temporal: “Ainda não chegou sua hora de saber e/ou de se manifestar!“. 

“Quase todos podemos suportar a adversidade, mas se quereis provar o caráter de um homem, dai-lhe poder” (Abraham Lincoln)

Fonte: Revista Libertas

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