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sexta-feira, 30 de abril de 2021

MAÇONARIA E A ABDICAÇÃO DE D.PEDRO I

MAÇONARIA E A ABDICAÇÃO DE D.PEDRO I

Estas reminiscências têm o seu início no dia 17 de junho de 1822, ou o 28º dia do 3º mês do ano da verdadeira luz de 5.822, quando os maçons do Rio de Janeiro se reuniram em sessão magna e extraordinária, presidida pelo Irmão João Mendes Viana (Graccho), Venerável Mestre da Loja Comércio e Artes na Idade do Ouro, única até então existente e regular no Rio de Janeiro, para a criação e instalação do Grande Oriente Brasílico ou Grande Oriente do Brasil, escolhendo José Bonifácio de Andrade e Silva (Pitágoras) como Grão-Mestre.

Da ata da nona sessão do Grande Oriente do Brasil, realizada em 02 de agosto de 1822 consta "ter o Grão-Mestre da Ordem proposto para ser iniciado nos mistérios da Ordem, Sua Alteza D. Pedro de Alcântara, Príncipe Regente do Brasil e seu defensor perpétuo. Aprovada de forma unânime, D. Pedro foi imediata e convenientemente comunicado, que dignando-se aceitá-la, compareceu na mesma sessão, e sendo iniciado conforme prescrevia a liturgia maçônica, prestou juramento e adotou o nome heróico de Guatimozim." Para a historiografia maçônica, a 17ª sessão do Grande Oriente do Brasil se reveste de um significado particular. Realizada em 04 de outubro de 1822, D. Pedro foi aclamado Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil em substituição a José Bonifácio.

A sessão foi presidida pelo Grão-Mestre Adjunto Joaquim Gonçalves Ledo [Diderot]. E no dia 21 de outubro de 1822, D. Pedro determinou a interrupção das atividades maçônicas, afiançando a Ledo que a suspensão seria breve: "Meu Ledo. Convindo fazer certas averiguações, tanto públicas como particulares, na Maçonaria. Mando: primo como Imperador, segundo como Grão-Mestre, que os trabalhos Maçônicos se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos; agora resta-me reiterar os meus protestos como Irmão – Pedro Guatimozim Grão-Mestre. P.S. Hoje mesmo deve ter execução e espero que dure pouco tempo a suspensão, porque em breve conseguiremos o fim que deve resultar das averiguações".

De fato, quatro dias depois, em 25 de outubro de 1822, Pedro Guatimozim, era assim que o Imperador assinava sua correspondência maçônica, determinou o fim da suspensão dos trabalhos em função do término das averiguações: "São Cristóvão, 25.10.1822. Meu Irmão – tendo sido outro dia suspendido nossos augustos trabalhos pelos motivos que vos participei, e achando-se hoje concluídas as averiguações, vos faço saber que segunda-feira que vem, os nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor, começando a abertura pela Loja em Assembléia Geral. É o que tenho a participar-vos para que, passando as necessárias ordens, assim o executeis. Queira o Supremo Arquiteto do Universo dar-vos fortunas imensas como vos deseja o – Vosso Irmão – Pedro Guatimozim – Grão-Mestre – Rosa Cruz".

Esses sãos os fatos históricos que julgamos bem apresentar a título de reminiscências, que estão narrados no Boletim do Grande Oriente do Brasil [Rio de Janeiro, ano 48, 1923, p. 690/691 e 917] e Arquivo da Casa Imperial do Brasil [Cartas de D. Pedro I a Joaquim Gonçalves Ledo. São Cristóvão, 21/10/1822 e 25/10/1822. Registro: I-POB-21.10.1822-PLB c. 1-2], citado por Alexandre Mansur Barata, in Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-1822), com adaptações.

Os relatos dos historiadores maçons comprometidos com a Ordem e não-maçons não destoam, melhor, se coadunam com o histórico indigitado. Pretendo, com este artigo, reverenciar a memória de D. Pedro, o primeiro Imperador do Brasil, que, ao ser Iniciado Maçom, adotou o nome histórico de Guatimozim, em homenagem ao último Imperador dos Astecas na região de Anahuac [área do atual México], e que, depois de supliciado, foi amarrado e lançado sobre brasas até morrer, em 1522, pelos invasores espanhóis comandados por Hernan Cortez. Simbolicamente, Pedro I considerou-se, à semelhança de Guatimozim, disposto a sacrificar-se pelo Brasil, honrando o título de Defensor Perpétuo do Brasil, que o Grande Oriente Brasílico ou Brasiliano lhe concedera em 13 de maio de 1822.

Curiosidades Maçônicas: Disseram-me um dia, como a muitos outros também deve ter sido dito em algum momento da caminhada na vida maçônica, que D. Pedro, numa mesma data teria sido iniciado, elevado, exaltado e conduzido ao Grão-Mestrado da Maçonaria no Brasil, e que teria adotado o nome simbólico de Guatimozim, em homenagem ao último Imperador asteca do México que resistiu em 1522 ao conquistador espanhol Cortez. O relato histórico das reminiscências desmistificam os "ditos" para conduzir ao real entendimento que dom Pedro de Alcântara, iniciado em 02 de agosto de 1822, só foi guindado ao cargo de Grão-Mestre em 04 de outubro de 1822, e confirma que o então Príncipe Regente foi iniciado na Maçonaria com os rigores ritualísticos, adotou o nome de Guatimozim e que não ordenou o "fechamento"da Ordem Maçônica.

Fica aqui o nosso primeiro registro curioso. O nome Guatimozim, entrementes, era o nome histórico adotado por Martim Francisco Ribeiro de Andrade, irmão carnal e maçônico de José Bonifácio, e que perfilava ao lado de Falkland [Antônio Carlos Ribeiro de Andrade], Tibiriçá [José Bonifácio de Andrade e Silva], Caramuru [Antônio Telles da Silva], Aristides [Caetano Pinto de Miranda Montenegro] e Claudiano [Frei Sampaio – Francisco de Santa Tereza de Jesus Sampaio] nas alas maçônicas e registros do Apostolado e da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz.

Ademais, no Recife existia uma Loja Maçônica denominada Guatimosin, fundada em 1816 e que em 1821 mudou o seu nome para "Loja 6 de Marco de 1817", em homenagem aos maçons sacrificados na gloriosa Revolução Pernambucana de 1817. A historiografia maçônica, contudo, passa ao largo da preferência de dom Pedro pelo nome heróico de Guatimozim. Outro registro nos remete ao restabelecimento dos trabalhos maçônicos na forma ordenada por D. Pedro I. E estes, contudo, não foram reencetados, haja vista que, a 02 de novembro de 1822, José Bonifácio determinou uma devassa contra os maçons do "Grupo do Ledo", no episódio que ficou conhecido como "Bonifácia". As razões ainda são pouco claras, ao que tudo indica o fato de D. Pedro ter sido aclamado Grão-Mestre numa sessão presidida por Joaquim Gonçalves Ledo foi interpretado como um golpe maçônico ao "Grupo do Bonifácio", e os ânimos entre os grupos [azul e vermelho] que se mostravam em acirramento crescente desde o episódio que resultou em repreensão ao Frei Francisco Sampaio mostravam-se mais radicalizados com a eleição de dom Pedro para o cargo de Grão-Mestre em substituição a José Bonifácio. Devemos dizer que José Bonifácio efetivamente não compareceu a sessão em que D. Pedro tomou posse no cargo de Grão-Mestre, como de resto, não compareceu a nenhuma sessão importante e até mesmo foi colocado no cargo sem ser consultado, mas não foi totalmente tirado da diretoria, porque ainda era ministro de D. Pedro e continuava a exercer o cargo de Grão-Mestre Adjunto e Lugar-Tenente de D. Pedro no Apostolado.

O clima realmente esquentou quando o "Grupo do Ledo" tentou impor a D. Pedro, por ocasião da sua aclamação como Imperador do Brasil, em 12 de outubro de 1822, um juramento prévio da Constituição que seria elaborada pela Assembléia Geral Constituinte e Legislativa convocada pela circular de 17 de setembro de 1822. Tal fato desagradou profundamente ao "Grupo do Bonifácio" e ao próprio D. Pedro I, daí a interrupção dos trabalhos ordenada por este, para as "averiguações procedimentais", na forma narrada. A abertura da "devassa" ordenada por José Bonifácio, dois dias depois da autorização emanada do Imperador e Grão-Mestre para o recomeço das atividades maçônicas, ocorreu depois que os Andradas [José Bonifácio e Martim Francisco] colocaram seus cargos de ministros à disposição do Imperador. Tão logo a notícia tornou-se conhecida no meio maçônico, iniciou-se um movimento no sentido de fazer o Imperador reintegrar os Andradas, o que acabou acontecendo. Reintegrados e fortalecidos pelas manifestações favoráveis, José Bonifácio desencadeou violenta repressão aos maçons identificados com a liderança de Joaquim Gonçalves Ledo e esse conjunto de fatos ficou conhecido como "Bonifácia".

O devassado, Joaquim Gonçalves Ledo, fugiu para a Argentina com o auxílio do Cônsul da Suécia. José Clemente Pereira foi preso e depois deportado [30 de dezembro de 1822] para Havre, na França, em companhia de Januário da Cunha Barbosa, e posteriormente, os dois foram para Londres. Outros maçons foram presos e depois libertados, as lojas encerraram seus trabalhos e o Grande Oriente do Brasil fechado, deixando os maçons em polvorosa. Com a cissura, o fechamento do Grande Oriente do Brasil e sem oposição, os anti-maçons recrudesceram em campanhas, fazendo com que a Maçonaria aparecesse como inimiga do Imperador e do Trono, constituindo uma memória da Independência cada vez mais distante dos maçons e da Maçonaria. E a única voz que se ouvia bradar na imprensa era a do brigadeiro e maçom Domingos Alves Branco Moniz Barreto [Sólon] em seu jornal "Despertador Constitucional".... O que se registra no meio maçônico, contudo, e em que pese o fechamento do Grande Oriente do Brasil, é que muitos maçons continuaram a se reunir às escondidas enquanto as lojas cerraram suas portas, atas e documentos maçônicos eram destruídos por todo o Brasil, à exceção de Pernambuco, onde as lojas funcionavam e os maçons se reuniam em oposição às determinações do Rio de Janeiro, e até conduziram os preparativos do movimento que ficou conhecido como Confederação do Equador – um dos momentos marcantes dos tempos de ouro da maçonaria pernambucana. Mas este é um relato para outra oportunidade.... Outra curiosidade marcante fica por conta de dois fatos. O primeiro, D. Pedro em 20 de julho de 1822, portanto, doze dias antes de ser iniciado, enviou um bilhete a José Bonifácio no qual tratava da Província da Bahia, convulsionada e resistente à Regência do Rio de Janeiro. Anote os termos maçônicos usados. Dizia o Príncipe Regente: "O Pequeno Ocidente toma a ousadia de fazer presente ao Grande Oriente, duas cartas da Bahia e alguns papéis periódicos da mesma terra há pouco vindas. Terra a quem o Supremo Arquiteto do Universo tão pouco propício tem sido. É o que se oferece por ora a remeter a este que em breve espera ser seu súdito e I\" [Arquivo da Casa Imperial do Brasil. Cartas (2) de D. Pedro a José Bonifácio. São Paulo, 20/07/1822 e 01/09/1822, II-POB-20.07.1822 – PI.B – c. 1-2, citado por Barata, ob. cit. p. 233], numa patente demonstração que os termos maçônicos não lhe eram desconhecidos e que esperava ser iniciado em nossa Ordem.

Outro fato singular refere-se à possibilidade do Príncipe Regente dom Pedro pertencer ao Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, sociedade secreta de fins maçônicos fundada em 2 de junho de 1822 por José Bonifácio. O atesto é feito por Castellani ao citar Rio Branco em nota à "História da Independência do Brasil", de Vernhagem: "D. Pedro já pertencia, como ficou dito, a uma sociedade secreta, a Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz, denominada Apostolado. Pelo livro das atas que S. M. o Sr. D. Pedro II possui, e figurou na Exposição de História do Brasil [no 6.986], sabe-se hoje que essa sociedade fundada por José Bonifácio, começou a funcionar em 2 de junho. D. Pedro era, com o título de arconte-rei, o chefe do Apostolado, sendo José Bonifácio seu lugar-tenente. Pelo livro do juramento, também exposto em 1881, ficou patente que Gonçalves Ledo e Nóbrega, também pertenciam ao Apostolado" [Castellani, in História do Grande Oriente do Brasil, p. 70]. O Nóbrega referido poderia ser os maçons Francisco Luiz Pereira da Nóbrega ou Luiz Pereira da Nóbrega de Sousa Coutinho.

Conclusão: Procuramos demonstrar que o período de adormecimento da Maçonaria Brasileira, entre 02 de novembro de 1822 e a abdicação de dom Pedro I, em 07 de abril de 1831, não corresponde ao relato propalado por muitos maçons dentro e fora das Lojas, seja porque as atividades maçônicas não tenham se encerrado totalmente neste período; seja porque a suspensão dos trabalhos não pode ser responsabilizada a D. Pedro I; seja porque o Grão-Mestre Pedro Guatimozim pouco fez para interromper os trabalhos ou se colocar contra a interrupção; seja porque pertencia ao apostolado [cujas reuniões suspendeu pessoalmente], ou seja porque sofreu a oposição dos maçons que resultou em sua abdicação ao Trono Brasileiro. A suspensão ocorreu por conta da dissensão interna que confrontava o Grupo do Ledo ao Grupo do Bonifácio e às questões políticas havidas no seio da Maçonaria.

Em relação aos trabalhos maçônicos, Castellani escreveu que "pelo menos a Loja 6 de Março de 1817, do Recife, fundada em 1821, continuou funcionando, sob a proteção de maçons americanos, já que foi instalada e regularizada pelo Grande Oriente de Nova Iorque. A ela ajuntou-se, em 1823, a Sociedade Carpinteira, de moldes e finalidades maçônicas. Por ocasião da revolta de 1824, todavia, ela foi obrigada a entrar em recesso. No terreno político institucional, o principal fato foi, exatamente, o movimento revolucionário de 1824, que visava a congregar sob regime republicano – na chamada Confederação do Equador – as províncias do Nordeste, que se haviam rebelado contra os atos de D. Pedro I". E mais adiante assevera que "De 1824 a 1829, pouco se sabe sobre a atividade maçônica. Parece, todavia, que, em 1825, alguns maçons mais corajosos, revolveram enfrentar a perseguição que sofriam, fundando um quadro itinerante, denominado "Vigilância da Pátria", a qual, posteriormente seria repartido em dois novos quadros, "União" e "Sete de Abril", para formar o Grande Oriente Brasileiro, que precedeu a reinstalação do Grande oriente do Brasil..." [Castellani, ob. cit. p. 75/76].

Nota Final: Os fatos e argumentos esgrimidos até aqui foram extraídos e adaptados de fontes confiáveis, embora secundárias, e poderão ser consultados e confrontados a qualquer tempo por quem quer que seja. Serviram de fontes de consulta, em ordem alfabética: A Maçonaria Gaúcha no século XIX, obra escrita por Eliane Lucia Colussi [2003]; A Maçonaria da Independência do Brasil, escrita por Manoel Rodrigues Ferreira e Tito Lívio Ferreira [1972]; Exposição Histórica da Maçonaria no Brasil, escrita por Manoel Joaquim de Menezes [1857]; História do Grande Oriente do Brasil, organizado por José Castellani [1993]; Livro Maçônico do Centenário, organizado por Octaviano de Menezes Bastos, Optato Carajuru e Everardo Dias [1922]; Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada & Independência do Brasil (1790-18820), escrita por Alexandre Mansur Barata [2006]; Quadro Histórico da Maçonaria no Rio de Janeiro Dividido em Épocas [de autoria desconhecida e sem data]. As obras de Barata, Colussi, e dos Irmãos Ferreira, por serem mais recente e mais fácil se serem encontradas, carecem de leitura pelos maçons cultos.

Dr. Luiz Gonzaga da Rocha
http://www.oficinadegerencia.com/2008/08/d-pedro-i-era-maon-e-seu-cognome-era.html

“Há duas histórias, a oficial, mentirosa, Ad Usum Delphini, e a secreta, em que estão as verdadeiras causas dos acontecimentos, história vergonhosa.” (Balzac, “Les illusions perdues” t. III)

Primeiro Imperador do Brasil (Pedro I) e 27º Rei de Portugal (Pedro IV). Nasceu em 1798 no Palácio de Queluz, onde viria a morrer em 1834, filho do Rei D. João VI e da Rainha D. Carlota Joaquina de Bourbon. Casou-se no Rio de Janeiro com a Arquiduquesa da Áustria, D. Leopoldina de Habsburgo. Veio para o Rio de Janeiro com 9 anos, por ocasião da transmigração de sua família, aqui se formou e educou, abrasileirando-se com o correr do tempo. Com a elevação de seu pai ao trono, recebeu o título de Príncipe Real e tornou-se herdeiro do trono. Voltando D. João VI para Portugal, permaneceu D. Pedro no Brasil como Regente do Reino, aderindo à causa da Independência, cujo primeiro passo foi a decisão de ficar no Brasil, a 9 de janeiro de 1822. A 7 de setembro, de volta de uma viagem a São Paulo, proferiu o célebre grito Independência ou Morte às margens do riacho Ipiranga. Coroado e sagrado a 1º de dezembro de 1822, assumiu o título de Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil.

Sua atuação política ostensiva, com a demissão de José Bonifácio, a dissolução da Assembléia Constituinte do Império, jurada a 25 de março de 1824, tornou parte ativa na vida política do país, comandando as principais reformas e criando o Império que passaria para o filho em 1831. Com a morte de D. João VI, foi aclamado Rei de Portugal, abdicando da coroa em favor de sua filha, a Princesa D. Maria da Glória (Maria II). Viúvo de D. Leopoldina, falecida em 1826, casou com D. Amélia de Beauharnais.

Mas suas atitudes autoritárias entraram em choque com a Maçonaria, que anunciava: “Os raios da Grande Luz, que desde as mais remotas épocas iluminara a Ásia e o Egito, e fulgura hoje na Europa, não podiam deixar de penetrar na Terra de Santa Cruz.”

Assim rezava textualmente o Manifesto do Grande Oriente do Brasil, lido em 02 de agosto de 1822, durante a iniciação de D. Pedro I, na qual recebeu o nome cabalístico de Guatimozim. Após este ritual estava selado o destino do jovem Imperador uma vez que o mesmo deu inicio a revolução de 7 de abril de 1831 que acabaria levando-o à abdicação.

A ação maçônica, todavia, obedecendo a determinações de além mar, cabalava uma democracia coroada para o Brasil. Não podendo chegar logo à república, contentava-se em atingir o meio do caminho. O Executivo estava predominando; era preciso que predominasse o Legislativo, depois, de modo a evitar o fortalecimento centralização do poder. O Estado forte é o pavor das forças ocultas, que tiram partido da confusão das assembléias e buscam prestígio na anemia dos Estados democráticos. D. Pedro ia navegando entre as duas facções, à espera que a Constituinte, já eleita e reunida, lhe desse a Carta, quando uma delas entendeu de prendê-lo. Não lhe bastavam discursos e promessas. Queria o preto no branco. Pois tudo não promanava dela? Não lhe devia tudo o soberano? Até o título de Defensor Perpétuo, cuja hereditariedade em sua família fora votada, antes que em qualquer assembléia política nacional, antes de qualquer consulta o povo brasileiro, na sessão maçônica de 5 de outubro de 1822, em que tomara posse oficialmente do grão-mestrado! Não lhe fora o título dado pelo povo maçônico antes até do grito do Ipiranga?

E exigiu o juramento prévio da constituição, que devia ser votada, e sua assinatura em três folhas de papel em branco. Ceder seria tornar-se escravo. Ademais, o Imperador devia mais ou menos saber que o grupo de Ledo pretendia mudar a forma de governo, infundindo maliciosamente no povo o receio do despotismo imperial, afim de impopularizar o soberano. Para isso, dispunha de penas bem aparadas como a de Evaristo Veiga na "Aurora Fluminense", e, quando o jornalista saía um pouco dos trilhos, vinha penitenciar-se humildemente, como o fizera frei Sampaio, entre as colunas.

D. Pedro I, porém, não era homem a quem se impusessem dessas humilhações. Mandou a Ledo a seguinte prancha: "Cumprindo fazer certas averiguações, tanto públicas como particulares na Maçonaria, mando primo como grão-mestre que os trabalhos se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos agora. Resta-me reiterar os meus protestos como Irmão. Pedro Guatimozim, grão-mestre Seco e expresso”.

Ledo correu a implorar misericórdia e D. Pedro I mandou reabrir as lojas. Não se falou no juramento prévio, nem nas folhas assinadas em branco. Preparou-se, porém, a ação contra o “instrumento terrível", a marquesa de Santos, que os odiava e a quem eles odiavam de morte. A luta foi tão acesa e forte que um jovem historiador de talento, Pedro Calmon, chega a afirmar que José Bonifácio acabou com a Maçonaria, a qual fora contrariada e limitada pelo Apostolado. Na verdade, a luta entre iniciados, por mais terrível que pareça, como a do Terror de 1793 ou a entre Trotszkistas e Stalinistas, mesmo ensopada de sangue, não faz com que os facciosos que se digladiam furiosamente, tentem contra a unidade dos objetivos de sua doutrina. Por isso, em 1832, deposto o Guatimozim rebelde, Imperador, Defensor perpétuo e Arconte-Rei, Ledo e Bonifácio se deram as mãos à sombra da acácia.

As Lojas de Ledo inspiraram alguns decretos de anistia, próprios a desgostar os Andradas, que reagiram, prendendo gente a granel e deportando para o Havre José Clemente, Nóbrega e Januário. O triunfo andradista, no entanto, foi de curta duração. O Imperador começou a receber denúncias dos planos tenebrosos do Apostolado. Uma noite, apesar de ainda machucado duma queda de cavalo, D. Pedro mandou chamar José Bonifácio a São Cristóvão. Enquanto o velho ministro se entretinha com a Imperatriz, montou o seu corcel, foi buscar cinqüenta praças ao regimento de artilharia montada, tocou-se para a Guarda Velha, entrou de botas, esporas retinindo e rebenque em punho na sala das sessões, fechou o templo e mandou os soldados levar o arquivo para a quinta do Caju. José Bonifácio armou-se e demitiu-se; mas a populaça, instigada pelos seus partidários e agentes, o foi buscar em casa e o reconciliou com Sua Majestade. Talvez ele não quisesse outra coisa.

Partiu para a Europa, onde ao cabo de prolongada luta fez aclamar a filha como Rainha de Portugal, vencendo e exilando D. Miguel que se apossara do trono. A ligação amorosa do Imperador com a marquesa de Santos, bem explorada pela intriga maçônica- liberal, alienara de D. Pedro o coração sentimental dos bra­sileiros; a guerra com a Argentina, melhor explorada ainda, contribuirá de idêntico modo para o mesmo fim; a indisciplina dos mercenários, com seu pernicioso exem­plo, e a má situação econômico-financeira enfraquece­ram-lhe o governo. Os partidos políticos guerrearam-no de tal modo que, quando foi a Minas, os sinos das ve­lhas igrejas do Aleijadinho, em Ouro Preto, dobraram a finados, dizendo-se que era por alma de Libero Badaró, misteriosamente assassinado por três alemães ou, melhor judeus alemães, em São Paulo. Aos poucos, D. Pe­dro foi levado a recorrer aos áulicos para ter um minis­tério de confiança, assim mesmo com traidores, o dos Marqueses, e a lançar-se nos braços do partido português, ainda influente na antiga colônia. Explorou-se, então, o sentimento nativista contra o soberano, provocando con­tinuadas rixas entre lusos e brasileiros, e mostrando a par­cialidade por aqueles. A boataria fervilhava, espalhando a intriga e a confusão nos espíritos.

Enquanto assim se enfraquecia o Governo Imperial pelos próprios erros, maliciosamente apresentados á opi­nião, comentando-se insidiosamente todos os seus atos uma grande crise político-social desabava sobre o mundo com seu reflexo natural nas nossas plagas, sobretudo porque vinha de França, cuja influencia foi sempre po­derosa sobre o espírito nacional. Paris rebelará - se nas barricadas contra Carlos X, o último Bourbon. Pela re­volução de 1830, a França rompia definitivamente com os princípios da Santa Aliança, passando para o lado contrário, com uma guinada de leme á esquerda.

A Maçonaria aceitara a restauração dos Bourbons premida pelas circunstâncias, forçada pela ação de Metternich, que encarnava a reação da Ordem antiga con­tra a Desordem moderna. Não hesitou, pois, em prepa­rar a queda da realeza legítima, embora constitucional, a fim de impor uma monarquia essencialmente liberal e burguesa, a de Luiz Filipe, etapa do enfraquecimento da autoridade e do encaminhamento da França para a Repú­blica. A revolução de 1830 foi obra exclusiva dos maçons Decaze, Talleyrand, Marmont, Lafayette e consócios, criaturas, umas conscientes e outras inconscientes, do judaísmo internacional. O Rei-Cidadão foi levado ao poder pelas lojas vitoriosas; mas, em breve, sentiu que não poderia governar sob a sua férula. Quis libertar-se do jugo e fiscalização dos Cavaleiros do Templo, o que desencadeou sobre seu reinado uma série de conjuras e atentados contra sua família que levaram a França à tra­gédia de 1848.

Os movimentos maçônicos têm sempre articulações internacionais. O de 1830 refletiu-se deste lado do ocea­no. "As atas publicadas pelo "Monde Maçonnique" passam, bem entendido, em silêncio as discussões polí­ticas e se esforçam para provar que, durante dezoito me­ses, os Filaletos nada mais fizeram do que trocar refle­xões triviais (V. "Le Monde Maçonnique", ts. XIV e XV). As únicas páginas interessantes são as discussões com Cagliostro, que, então, presidia no Oriente de Leão a Loja-mãe do Rito Egípcio e se proclamava muito superior aos outros franco- maçons. Depois de se ter feito rogado para aquiescer ao convite dos Filaletos, Cagliostro, a fim de lhes provar seu poder, prometeu mostrar-lhes Deus e os espíritos intermediários entre Deus e os homens. Exigia somente, em troca do milagre, a destruição dos arquivos dos Filaletos, não se sabe com que fim. Os Filaletos re­cusaram o sacrifício e alguns começaram a crer que Ca­gliostro era um impostor. Todavia, foi-lhe enviada uma lista dos congressistas para escolher os dois que julgas­se mais próprios a serem iniciados no Rito Egípcio, sendo-lhe pedido que designasse de preferência dois estran­geiros.

Afinal de contas tudo se acomodou. Nem os Fila­letos queimaram os arquivos, nem Cagliostro invocou Deus e os Anjos na Rua da Sourdicre. Mas a Loja-mãe do Rito Egípcio escrevia que "o grão-mestre desconhe­cido da Maçonaria lançara os olhos sobre os Fila­letos e consentira em trazer alguma luz às trevas de seu templo". As atas nada dizem sobre esse raio de luz. Os maçons a quem os atos do Congresso deviam ser comu­nicados tinham, aliás, de jurar por sua honra e por es­crito que guardariam o mais absoluto segredo. No se­gundo ano do Congresso, o dr. Stark escreveu de Darmstadt que a próxima reunião seria mais perigosa do que útil e aconselhou aos Filaletos se entregassem com toda a confiança a Saint Martin e a Willermoz. Essa carta contradiz as atas oficiais, porque, se os Filaletos só tra­tavam da "ciência maçônica", não poderia haver perigo nas suas reuniões, nem razões para dar plenos poderes a dois deles. Saint Martin e Willermoz eram representan­tes oficiais da maçonaria estrangeira ou o dr. Stark en­viara somente sua opinião pessoal? É difícil responder à pergunta.

Seja como for, o Congresso foi encerrado a 8 de junho de 1787 e seus misteriosos trabalhos continuaram a cargo duma Comissão Secreta, composta de Wil­lermoz, Mirabeau, Court de Gebélin, Bonneville e Chappe de la Houziére.

A esse ramo revolucionário da Maçonaria se pren­diam os nossos Filaletos, o clube ou Loja dos Amigos Uni­dos, que, segundo o insuspeito testemunho de Teófilo Otoni, teve "mais influencia do que se pensa na revo­lução de 7 de abril". Dessa loja proveu o cha­mado Grande Oriente do Passeio Público, cujo grão-mes­tre honorário foi Cipriano Barata, o velho maçon - revolucionário que vinha atuando na política brasileira desde a conspiração dos Alfaiates, em 1798, quando deixara os seus míseros comparsas subirem ao patíbulo, enquanto se punha ao fresco, graças ás proteções da sombra. Esse Grande Oriente funcionava sob os auspícios de Antônio José do Amaral, José Augusto César de Menezes, João Mendes Viana, João Pedro Mainard, Epifanio José Pedroso, Joaquim José da Silva e Antônio Rodrigues Mar­tins. O secretario era Teófilo Otoni, então guarda-marinha, pessoa da intimidade e confiança de Evaristo da Veiga, em cuja casa, segundo afirma Pedro Calmon, à Rua dos Pescadores, fora urdido e planejado o golpe de 7 de abril.

A cidade andava cheia de boatos. José Bonifácio, de volta do exílio, recolhera-se a Paquetá, dizendo-se que trabalhava numa articulação republicana. Na verdade, o Manifesto do Grande Oriente, redigido em fins de 1831 e espalhado no inicio de 1832, obra de Gon­çalves Ledo assinada pelo Patriarca, demonstra que a facção conservadora do maçonismo se unira á ala avan­çada na obra de destruição do perjuro e ingrato Guatimozim (Dom Pedro I). Tecia-se uma intriga perversa entre brasileiros e portugueses, afirmando-se que o Imperador se entregara de corpo e alma aos segundos, seus patrícios, contra os primeiros de quem não gostava. Espalhava-se que os por­tugueses pretendiam até atacar os quartéis, especialmen­te os de artilharia. De tudo isso resultaria, de 14 a 15 de março, quando os lusos punham luminárias pelo regresso de D. Pedro de Minas, a famosa Noite das Garrafadas. Essa xenofobia contra nossos irmãos portugueses se prolongaria no Mata- Galego e no Mata - Bicudo, sempre assoprada das trevas para desviar a atenção brasileira de outros estrangeiros verdadeiramente per­niciosos ao bem estar geral do país.

A grande conspiração maçônica estava articulada contra o trono. A propaganda dos jornais cariocas reper­cutia nos jornais provinciais com grande rumor, sobretu­do em órgãos fundamentalmente maçônicos como a céle­bre "Sentinela do Serro", de Minas Gerais, onde decla­mava e pontificava Teófilo Otoni, "secretario do clube dos Amigos Unidos, iniciado em outras sociedades secre­tas, que, nos últimos anos, espreitavam somente a oca­sião de dar com segurança o Grande Golpe". Lendo-se os artigos da "Sentinela do Serro", neles se ve­rifica que ardem as chamas da revolução, maçônica tam­bém, de 1842. Apesar da dificuldade de comuni­cações naquela época em um país vasto e despovoado como o Brasil, a combinação estava de tal modo feito que, a 3 de abril, um enviado maçônico de José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, barão de Cocais, chegava á ci­dade do Serro e entendia-se com Teófilo Otoni e seus só­cios de empreitada, os quais se manifestavam no dia 6, preparando a luta contra o poder central, com munições, armas e dinheiro. No dia 4, dois dias antes de explodir no Rio de Janeiro, a mashorca estourava na Bahia.

É ainda o mesmo insuspeitíssimo Filaleto ou Amigo Unido quem declara o seguinte: "O 7 de abril, jurado so­bre o sangue dos Canecas e dos Ratclifs, tinha por fim o estabelecimento do governo do povo por si mesmo, na significação mais lata da palavra". A ninguém, por­tanto, é lícito duvidar que se tratava de mais um movi­mento judaico-maçônico-liberal, filiado à corrente continua de agitação que vinha de 1789 através de 1794, 1798, 1801, 1817 e 1824, cuja última palavra seria dada pela proclamação da República maçônica -positivista, em 1889, no mesmo Campo de Santana, porta aberta para a defi­nitiva escravização ao internacionalismo do ouro e do san­gue, para a materialização da mocidade, para os pronun­ciamentos e quarteladas enfraquecedores da autoridade. Somente os cegos ou os que não queriam ver não enxer­garão os elos dessa cadeia.

Felizmente, após o 7 de abril, os mais moderados den­tre os rebeldes se apossaram do leme do governo, "eles que só na última hora tinham apelado conosco (os Amigos Unidos) para o Juízo de Deus". Contudo, a anarquia decorrente do Grande Golpe quase levou o nosso pobre Brasil ao esfacelamento, durante o tormentoso período da Regência, mal de que nos ajudou a curar a espada uni­ficadora e pacificadora de Caxias.

A agitação assoprada pela Maçonaria começara a ma­nifestar-se com certa força já em 1830, quando o Imperador conseguiu ainda comprar Gonçalves Ledo, para ser­vi-lo bem na Câmara, como ele próprio dizia. A populaça industriada o insultara, quando apareceu à sacada do Paço da Cidade, onde o haviam tanto aclamado pelo "Fico". Por isso, encerrou secamente os trabalhos legislativos e desejara abdicar, desgostoso e enojado. "Pedira a minuta do ato a um secretário de Estado e, calculando pela pres­sa com que lhe fornecera esse papel que tal abdicação era desejada por detrás das cortinas, apostrofara o ministro, rasgando-lhe na face o papel encomendado".

Entra o ano de 1831 com a agitação em crescendo. Nos primeiros dias de abril, os liberais exaltados, pseudô­nimo coevo dos republicanos, como hoje socialista avança­do é pseudônimo de comunista, começaram a promover de­sordens e ajuntamentos, nas portas dos quartéis, excitando oficiais e soldados a se amotinarem. Estalam conflitos pelas ruas, sobretudo entre brasileiros e portugueses. No dia 5, vendo o Imperador "que o Gabinete liberal, orga­nizado a 19 de março, não lograra pôr termo à agitação, despediu os seus ministros à tarde deste dia, e for­mou um Gabinete reacionário, de que fazia parte Vilela Barbosa, marquês de Paranaguá". Foi o chamado ministério dos medalhões.

A efervescência aumentou com essa medida, ótima para pretexto à rebelião. A arma do boato foi posta em prática com grande êxito. Espalhou-se no dia 6 a notícia da prisão de Evaristo da Veiga e do senador Vergueiro, comparsas na Loja da Rua dos Pescadores. À tarde, os grupos e ajuntamentos, adrede encaminhados para o Cam­po de Santana, formavam uma multidão de alguns mi­lhares de pessoas, à qual arengaram demagogicamente deputados e jornalistas maçons: Odorico Mendes, Vieira Souto, Borges da Fonseca. Este era redator do jornal "A República", o que combina com as tendências republica­nas da revolta, segundo o depoimento de Teófilo Otoni. Os juízes de paz dirigem-se ao paço de São Cristovão, onde são recebidos pelo soberano e pedem-lhe em nome do povo a reintegração do ministério demitido, o ministério que não podia, porque lhe não convinha, por termo à agitação. Naturalmente D. Pedro I tinha de re­cusar, porque estavam em jogo a dignidade e autoridade do poder que exercia.

À noite, os deputados da oposição e maçons Eva­risto da Veiga, Carneiro Leão, Custódio Dias, Henriques de Rezende, Limpo de Abreu e Martiniano de Alencar pe­diram a intervenção do general Francisco de Lima e Sil­va junto ao Imperador, o qual lhe disse que a agitação contra o ministério era mero pretexto, capa de outras in­tenções, pois a pessoa dele é que era visada, e não cedeu uma linha. Enquanto Lima e Silva ia a São Cris­tovão, as tropas de seu comando fraternizavam com o povo e os agitadores, a artilharia de posição e os granadeiros em primeiro lugar. Lima e Silva chegou, viu a si­tuação e mandou o major Miguel de Frias, republicano e maçon, comunicar ao monarca que agora a reclamação popular era apoiada pela soldadesca. Pensando melhor, "D. Pedro já havia mandado procurar Vergueiro para formar novo ministério, e por isso reteve o major Frias, aguardando a chegada daquele senador.

Mas não houve meio de se encontrar o senador Ver­gueiro. De acordo com a trama secreta, convinha-lhe não aparecer. O Batalhão do Imperador, constituído de ofi­ciais e soldados escolhidos por ele próprio a 12 de outu­bro de 1822, quando da aclamação no Campo de Santana, onde hoje se reuniam contra ele os mesmos maçons que o haviam ajudado a fazer a Independência e que se vinga­vam, no mesmo local, do ingrato, formava sua guarda pessoal e estava postado no pátio do palácio. Por volta de dez horas da noite, D. Pedro mandou o marquês de Cantagalo perguntar ao seu segundo comandante, ma­jor Luiz Alves de Lima e Silva, qual o espírito da tropa. "Respondeu-lhe este que: "Os soldados da maior par­te dos corpos que se achavam no Campo de Santana es­tavam contaminados do espírito anárquico; porém não as­sim o Batalhão do Imperador, e a artilharia montada". Voltou o mesmo fidalgo, da parte de Sua Majestade, e perguntando-lhe se, no caso de passar ele major a co­mandar o batalhão naquela mesma noite, poderia asse­gurar a fidelidade dele? teve como resposta: "Que o espírito de rebelião lavrava na maioria dos oficiais do corpo, e que tanto assim era que os anarquistas, contando com essa maioria, nem ao trabalho se haviam dado de per­verter os soldados". O que aí se seguiu, não sei a quem mais honre, se ao soberano, se ao leal major! Acres­centou este: "Se Sua Majestade quiser debelar o mo­vimento, nada será mais fácil. Bastará seguir nesta mes­ma noite para a fazenda de Santa Cruz, e ali reunir as milícias, à frente das quais estou pronto para me colocar, devendo estacionar no Campinho os postos avançados. Se, porém, se adotar este alvitre, deverá ser acompanha­do dum decreto, concedendo baixa a todos os soldados da primeira linha, que a quiserem; pois, feito isso, den­tro de 24 horas, os oficiais se acharão sós".

Pela terceira vez regressou o marquês de Cantagalo para transmitir ao major estas magnânimas palavras: "O expediente proposto é digno do major Lima e Silva; mas não o acei­to, porque, não quero que por minha causa se derrame uma só gota de sangue brasileiro; portanto siga o major a sorte de seus camaradas reunidos no Campo de San­tana".

Até aquele momento, conluiado com os anarquistas, o ministro da Guerra escondera do Imperador a gravida­de da situação, enganando-o com "ardiloso embuste”. Guatimozim, no entanto, estava decidido ao sacrifício re­clamado pela sombra da acácia a que em má hora se abrigara. O Arconte-Rei sabia ser chegada a hora do ajuste de contas. Vencera-se o pacto com o Bode-Preto. Tinha de pagar com juros o fechamento do Areópago na­quela noite de chuva, com os soldados da artilharia mon­tada, e a ríspida prancha de clausura do Grande Orien­te. Expiaria duramente o perjúrio e a ingratidão. Quan­do se deixara iniciar na Maçonaria, força de vanguarda do judaísmo, com toda a certeza não conhecia o ditado popular francês: “Celui qui mange du juif en meurt.” Ele comera o veneno maçônico; morreria dele.

Noite triste e desolada aquela de 6 para 7 de abril! "Pelas sombras e frondosidades da quinta de São Cristovão se esgueiravam para o campo da Aclamação, desti­nado a ser o terreiro das traições, os últimos soldados do Batalhão do Imperador. D. Pedro deu ordem ao regi­mento de artilharia montada aquartelado no pátio, para que seguisse os companheiros, encerrou-se num quarto com a Imperatriz e queimou papeis. Ouviam-se lamentações da criadagem. Disse Paulo de Saint Victor que de todos os atos humanos a abdicação é o que mais se aproxima da morte. Pelo interior do palácio se entrouxavam roupas e se guardavam pratas. D. Pedro, ao entregar a Frias o decreto da abdicação, declarava: "Não quero que se sacrifiquem por mim... Uma renún­cia de engulhado, a despedida de ironia dum conhecedor do mundo.”
Batiam as pêndulas com bronzes de Thomire do ve­lho casarão da Quinta uma hora da madrugada, quando o major Frias, com o decreto imperial, partiu a galope para o Campo da Aclamação, que seria crismado em Cam­po da Honra. Os moderados a que alude Teófilo Otoni aclamavam pouco depois D. Pedro II, que tinha de cinco para seis anos de idade. A revolução maçônica não conseguira chegar à República. Para isso, as forças se­cretas teriam de trabalhar ainda 58 anos! "Às dez e meia da manhã, o general Lima e Silva apresentou-se no Paço do Senado, onde estavam reunidos em assembléia geral os membros das duas Câmaras, e, introduzido no salão, entregou ao presidente, marquês de Caravelas, o decreto de abdicação.

Retirando-se o general, procedeu-se imediatamente á nomeação da Regência Provisória, que deveria governar em nome do jovem Imperador D. Pedro II, até a eleição da Regência Permanente. Foram eleitos o senador marquês de Caravelas, por 40 votos; o general Francisco de Lima e Silva, por 35; e o senador Vergueiro, por 30. A cadeira da presidência passou a ser ocupada pelo senador Silva Coutinho, em cujas mãos prestaram juramento os membros da Regência".

A abdicação ia custar rios de sangue e de dinheiro ao Brasil. O sangue brasileiro que o monarca não quisera derramar para se manter no trono correria durante 14 anos em rebeldias resultantes de conjuras secretas em nome da Liberdade, Moloch das Internacionais: no Pará, no Maranhão, no Piauí, no Ceará, em Pernambuco, na Bahia, em Minas, no Rio de Janeiro, em S. Paulo, em Ma­to Grosso, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Imenso vulcão de sangue erupiu em esguichos rubros, inundando a nação, até a maioridade da criança imperial tutelada por José Bonifácio, o grande maçon. Talvez, pensando nisso como na separação da terra que gover­nara e amara, D. Pedro rompera em pranto ao entregar o decreto fatal. Com as pálpebras úmidas de lágrimas, embarcou com D. Amélia ao amanhecer nos escaleres de remadores estrangeiros que os levaram à fragata inglesa "Warspite". Quando se rezou na catedral, no dia 9, o Te-Deum em honra de D. Pedro II, de bordo D. Pedro I olhava a terra brasileira com as pupilas nadando em água. As lágrimas espoucaram-lhe dos olhos ao romper a fra­gata "Volage", dias depois, barra afora, quando contem­plou pela derradeira vez os montes da Guanabara beija­dos pelo sol. Ainda em 1834, em Portugal, rememorava com emoção e os olhos rasos de água o panorama de São Cristovão.

Às 7 horas da manhã de 13 de abril, passou da "Warspite" para a "Volage" e seguiu para a Europa. A rainha D. Maria da Gloria partia na fragata francesa "La Seine". D. Pedro I transformava-se em D. Pedro IV e ia escrever o mais belo capitulo da sua vida, reconquis­tando nos azares da guerra civil o trono de sua filha. Fundador dum Império e Restaurador dum Reino, com 36 anos de idade apenas, morreria pouco depois nos paços de Queluz, onde nascera, pousando os olhos enevoados na fardeta cor de pinhão dum soldado de caçadores, que mandara buscar para ver-lhe o uniforme tradicional pela derradeira vez. Remia no desprendimento, no sacrifício e na grandeza de alma, os erros de sua agitada mocidade. A morte dum soldado!

Desde algum tempo, o Imperador não se enganava com o rumo que as coisas iam tomando. Sabia que fim lhe reservavam as forças secretas, que a sombra da acá­cia a que se abrigara lhe seria fatal. Quando o corpo di­plomático estrangeiro se reuniu a bordo da "Warspite", na tarde de 7 de abril, a fim de examinar a situação, pois o soberano se asilara sob a bandeira inglesa, ele disse aos ministros europeus, em francês: "Depois do que ocor­reu em França, eu esperava a revolução aqui... Havia muito tempo que eu estava sendo traído...".

Deixava atrás de si os brasileiros divididos em dois campos: o dos ordeiros e moderados, e o dos "anarquis­tas ou mutinos", que "infestavam o continente", os quais bem sabemos quem são, os revolucionários de todos os tempos. Esses soltaram um suspiro de alívio e um uivo de satisfação num editorial do "Republico", que pelo no­me se não perca, no dia 7 de abril, data da partida de D. Pedro: "O perjuro abdicou. Devemo-lo deixar partir em paz, podendo ele colher livremente os frutos das traições cometidas contra nós". Era uma confissão maçônica em público da origem do golpe de Estado, porque o Impera­dor não poderia nunca ser considerado perjuro nem trai­dor à causa republicana defendida pelo jornal, mas sim à causa maçônica. É claro como água.

Na véspera de ir embora, a 12 de abril, a bordo da "Warspite", D. Pedro mandava ao filho pequenino esta breve, expressiva e dolorosa carta, a mais bela que jamais escreveu na sua vida: "Meu querido filho e meu Imperador. Muito lhe agradeço a carta que me escreveu, eu mal a pude ler, pois as lágrimas eram tantas que me impe­diam de a ver; agora que me acho, apesar de tudo, um pouco mais descansado, faço esta para lhe agradecer a sua e para certificar-lhe que, enquanto vida tiver, as sau­dades jamais se extinguirão em meu dilacerado coração. Deixar filhos, pátria, amigos, não pôde haver maior sa­crifício; mas levar a honra ilibada, não pode haver maior glória. Lembre-se de seu pai, ame a sua, a minha pátria, siga os conselhos que lhe derem aqueles que cuidam de sua educação, e conte que o mundo o há de admirar, e que eu hei de me encher de ufania por ter um filho digno da pátria. Eu me retiro para a Europa: assim é necessá­rio para que o Brasil sossegue, o que Deus permita, e pos­sa para o futuro chegar aquele grau de prosperidade de que é capaz. Adeus, meu filho, receba a bênção de seu pai que se retira saudoso e sem mais esperanças de o ver. D. Pedro de Alcântara ".

Pai e filho nunca mais se avistaram. Morreu na sala D. Quixote, em Queluz, onde nascera. Seu corpo, depositado por muitos anos em São Vicente de Fora, foi transladado para o Brasil em 1972 e colocado na cripta do monumento do Ipiranga.

Extraído do Anuário Cultural Humanus VII – Edição Lampião.
http://www.samamultimidia.com.br/artigo-detalhes.php?id=2398

Fonte: https://liberdadeeamorcassia.mvu.com.br

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