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sábado, 31 de julho de 2021

LANDMARQUES, O QUE EU PENSO A RESPEITO

LANDMARQUES, O QUE EU PENSO A RESPEITO
Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas Maçônicas “Brasil”

A Maçonaria tem no seu acervo de palavras, no seu vocabulário de uso cotidiano uma complexa terminologia, repleta de figuras, idéias, princípios, explicações, lendas, alegorias, conceitos, sínteses filosóficas, ensinamentos, frases lapidares, etc. que se consubstanciam em termos tais como Iniciação, ritos, graus, emblemas, símbolos, Lojas, Potências, Obediências, Irmãos, Arte Real, isto só para citar alguns poucos, das centenas de vocábulos que por assim dizer, constituem uma verdadeira linguagem superposta à nossa linguagem comum se tornando especial concretizando-se assim a língua maçônica, que é semelhante à língua normalmente falada no país, mas que quando falada por maçons tem outro significado e só estes a entendem.

Esta é uma infinidade de conceitos, leis princípios aparentemente muito complexos que se imbricam como um verdadeiro quebra-cabeça, e somente são acessíveis aos Iniciados, cujas interpretações são de natureza diversa e bastante heterogênea, pois cada adepto tem a sua própria maneira de assimilar os ensinamentos de acordo com as suas concepções mais íntimas, quer sejam agnósticos, deistas ou teistas. Mas de qualquer forma esta linguagem e suas significações são o meio de comunicação e os vetores de suas mensagens, pelas quais os maçons se comunicam.

Para tornar mais democrática e livre esta busca, a Maçonaria lança mão das metáforas, das deduções, da meditação introspectiva, das analogias, e especialmente das dúvidas. Para dar ênfase especial à dúvida, a Maçonaria ensina seus adeptos a usar a Dialética que é a arte de se discutir qualquer assunto até a última gota de afirmação e contradição que ele possa oferecer. É uma maneira de se buscar, pesquisando. Para um Maçom estudioso as contradições as incongruências, as polêmicas e os assuntos ainda não esclarecidos ou resolvidos, passíveis de discussões, são o reino de seu aprendizado, que é em última análise a procura incessante de seu autoconhecimento, aliás, fato este que a grande maioria de Irmãos desconhece. Convém ressaltar que se a Maçonaria fosse matemática, isto é, com explicações, chavões muito certos, muito corretas, possivelmente ela não sobreviveria, porque ela tiraria a beleza da dúvida e atrelaria o Irmão a aceitar princípios que não poderiam ser contestados. O maçom é um contestador nato, no bom sentido.

Para complicar este interessante e lindo trajeto que o maçom percorrerá durante sua vida, ele deparará com uma série de termos, sobre os quais já se escreveram e ainda se escrevem verdadeiros tratados, muitas das vezes sem se chegar às conclusões satisfatórias tais como regularidade, potências, ecletismo, landmarques (landmarks ou lindeiros), leis, rituais etc. Nesta caminhada as vezes ele parecerá estar na “terra do faz de conta”, mas poderá usar com toda liberdade todos os recursos imagináveis quando poderá ocorrer que ele até duvide de um axioma, que como todos sabemos trata-se de uma verdade indemonstrável, a qual não terá que ser questionada ou provada, e em outras ocasiões, ele procurar outros caminhos, ele poderá até sofismar para poder ter uma pista a mais para perquirir suas verdades e acabar por provar para si que um sofisma sempre será um sofisma e baseia numa premissa falsa. Logo, não poderá um sofisma ter valor. Mas é um caminho que o maçom as vezes adota erradamente. Tais são as opções deliciosas que um Maçom inteligente tem para se encontrar. Neste trajeto místico e intelectual ele não terá que provar nada a quem quer que seja. Ele só terá que provar algo a si mesmo. Eis um dos maiores ensinamentos da Ordem.

Mas então com toda esta mixórdia como é que a Ordem sobrevive? Ora, ela sobrevive e vai muito bem. Talvez por saber adequar todos os elementos contraditórios mencionados, e por não se reger pelos princípios cartesianos que regem outras instituições afins que se dizem seculares. A Maçonaria tem a sua maneira própria de ser e isso é que a torna linda e intrigante. Não há uma metodologia ser seguida para seu estudo. É a lei do coração, da emoção que fala mais alto. Mas, não podemos abandonar a razão. Isso é muito importante, para evitar os achismos e invenções.

Dentro deste raciocínio, os tais de landmarques mencionados constituem um dos terrenos mais contraditórios e, atualmente se questiona e muito até que ponto eles tenham algum valor real para a Maçonaria moderna. Se formos analisá-los, já de início, teremos dificuldades para escolher qual a classificação que abordaremos para estudo, pois existem mais de sessenta. Qual a verdadeira? Qual merecerá ser levada a sério? A de Albert Gallatin Mackey? Porque? A classificação dele está repleta de incongruências.

Temos até uma classificação de um maçom brasileiro com 14 artigos, ou seja, a de Joaquim Gervásio de Figueiredo. Existem ainda entre as inúmeras classificações as de Albert Pike, Bob Moris, Jean Pierre Berthelon.

Segundo Castellani os landmarques de um modo geral deveriam ser reduzidos a quatro artigos, que seriam as regras principais usadas pela Maçonaria Operativa.

Costuma-se citar que os landmarques ou lindeiros são oriundos dos manuscritos antigos também chamados de Old Charges. São apenas apresentados como provindos daqueles documentos, pois não havia landmarques na Maçonaria Operativa. Logo, eles não existiam. Foram inventados, não resta a menor dúvida. Comparando-se o que se lê nestes documentos antigos, ou seja, nos Old Charges ou Antigas Obrigações ou Manuscritos e o que se pratica na Maçonaria que atualmente professamos há apenas alguma semelhança vaga com relação aos nossos caminhos atuais. O conteúdo de um dos mais importantes, talvez o maior em importância, o Poema Régio, não vemos como encaixar dentro daquilo que está escrito, na maioria dos artigos da classificação de Mackey e de outros autores, ou mesmo com o que praticamos na Maçonaria atual.

Tomamos os landmarques de Albert G. Mackey como referência, feito por um americano para americanos. Ressalte-se que maioria das 50 Grandes Lojas Americanas nem se manifestaram a respeito deles.

Entretanto, muitos brasileiros os tem como verdades imutáveis, como se fossem uma verdadeira bíblia. Ressalte-se mais uma vez que existem mais de sessenta classificações de landmarques espalhadas pelo mundo afora.

Modernamente a Maçonaria inglesa adota oito princípios, que são suas regras particulares, adequados a ela como potência que não são landmarques, mas, que são princípios próprios da Grande Loja Unida da Inglaterra. Ela não adota os chamados landmarques.

Seria muito mais inteligente e sincero admitirmos que os ingleses no início da fase especulativa da Ordem, quando criaram a união de Lojas que antes eram livres, e inventaram o termo “Obediência” tiveram que elaborar uma espécie de estatuto para, evidentemente colocar ordem sobre os maçons e lojas sob o comando da Grande Loja de Londres. E estes estatutos ou constituições ou enumeração de deveres e direitos foram baseados nos estatutos das corporações de ofício, e das guildas que já existiam, e principalmente nos estatutos destas corporações, verdadeiras precursoras dos atuais sindicatos e cooperativas, pois os landmarques têm muito mais a ver com estes estatutos do que com os Old Charges. É só ler esta documentação e compara-la, que teremos a evidência desta afirmação. São obrigações e direitos.

E assim nasceu o termo “landmark, ” inventado por George Payne em 1720, aparecendo pela primeira vez quando ele compilou o Regulamento Geral da Maçonaria Inglesa. No Brasil chamam-se landmarques. Anderson em sua Constituição de 1738, menciona o termo pelo menos duas vezes.

Interessante que o conceito de landmarque que temos é que seria uma lei, um marco, uma linha intransponível, que todo maçom não deveria transpô-la, mas que no dia a dia, o que vemos é justamente a transposição deste limite, especialmente pelos dirigentes das potências. Em seu nome mudam-se rituais, ocorrem cisões na Ordem, expulsam-se Irmãos, outros são chamados de irregulares, perjuros e outros tantos epítetos. Os landmarques ajudam muito hoje em dia, esta autofagia maçônica, pois são muito invocados pelas autoridades maçônicas a todo instante quando querem punir algum Irmão ou uma Loja que não siga a linha política do seu Grão-Mestre.

Enfim, na realidade landmarque é uma palavra mágica. Serve para tudo e não serve para nada. Depende de quem a manipule.

Todavia, como se fosse uma verdadeira bíblia faz parte do contexto maçônico como tantos outros segmentos da Ordem que atualmente não teriam mais razão de ser. Poderemos aboli-los pura e simplesmente? Talvez não. Se tirarmos os landmarques, da Ordem teremos que repensar e retirar outras lendas outros segmentos esdrúxulos que até então temos sido obrigados a aceita-los. Valeria a pena? Possivelmente não. Estaríamos destruindo em parte uma das nossas fantasias mais bonitas. É uma das peças de toda a terminologia maçônica atual. É bonito pronunciar esta palavra.

Nós, entretanto, arriscaríamos a colocá-los como folclore maçônico. Argumentemos. Oque é folclore? Entre as várias definições uma delas é o estudo e conhecimento das tradições de um povo, expressas nas suas lendas, crenças canções e costumes. Achamos que ficaria bem, pois estaríamos ainda que, sem razão, pois eles não existiam, mas estão romanticamente ligados à Maçonaria Operativa a qual sempre os entendidos a invocam como tradição ligada às chamadas lendas antigas o que agrada a todos, pois dá aquela sensação de antigüidade. E já é uma situação que data desde os primeiros anos da Maçonaria Obedencial, ou seja, quando criaram a chamada potência tendo, portanto, uma duração de mais ou menos três séculos. Não será fácil simplesmente aboli-los. Vamos, pois, considera-los, como se fossem uma tradição, pois já faz tanto tempo que foram inventados. Coloca-los como folclore, fica ameno e romântico, não os destrói. Se lermos estas classificações de landmarques que existem no mundo maçônico e os acharmos folclóricos não teremos compromisso com a veracidade daqueles enunciados, os quais são na sua maioria contraditórios, pois cada autor afirma o que quer, e ainda todos aqueles textos entremeados de muitos deveres direitos e ameaças de punições se porventura, infringirmos aquilo que se considera como os seus famosos limites intransponíveis. Se os acharmos folclóricos, vamos ter a sensação ou a ilusão de estarmos tendo acesso a relatos muito antigos e que nossa Ordem é milenar, e esta fantasia faz muito bem a maioria dos maçons. Então, porque destruí- la?

Entretanto, não esqueçamos que a Maçonaria como qualquer organização, como qualquer firma, tem que ter regras e princípios para seu perfeito funcionamento, e no caso, boa parte destas regras são baseadas em regras antigas da organização que foram sendo modificadas com o passar do tempo, adequadas à modernidade.

Hercule Spoladore
Loja de Pesquisas Maçônicas Brasil – Londrina –PR^

Fonte: Revista Triponto nº 1

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