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quarta-feira, 27 de outubro de 2021

COWANS: OS PEDREIROS SEM A PALAVRA - CAPÍTULIO I

COWANS: OS PEDREIROS SEM A PALAVRA - CAPÍTULIO I
Autor: Victor Guerra
Tradução: José Filardo


Em geral, idealizamos bastante o mundo das guildas de pedreiros e tudo o que tem a ver com elas e, por extensão, tudo aquilo que tem recebido o nome de Maçonaria, englobado aí aqueles “sindicatos profissionais” e seus regulamentos e a ação daqueles reunidos em lojas chamadas lojas especulativas que tomaram emprestados símbolos e ferramentas dos pedreiros. Bem, naquele ambiente profissional exclusivo ocorreram discriminações que atravessaram essa barreira para se estabelecer no seio do ritual especulativo maçônico.

Dentro da grande fraternidade que é a Maçonaria, e cujos começos podemos colocar em 1717, entre cujos objetivos o documento funcional as Constituições de Anderson incluem que “ela se tornará um centro de unidade e será o meio de estabelecer relações amistosas entre pessoas que fora dela permaneceriam separadas umas das outras”.

No entanto, ao longo de sua história, manterá uma série de pessoas e grupos fora de seus limites, e um desses grupos os chamados “cowans”, uma questão que vem dos primeiros dias do sistema operativo e diante do temor da intrusão não só os segregou, mas para impedir sua entrada em outras guildas impôs os “Tylers” ou telhadores à porta das lojas.

Por que motivo vale a pena perguntar quem eram esses profissionais marginalizados ligados ao mundo da pedra?

Em termos gerais, podemos dizer que eles eram pedreiros que não veremos integrados nas cidades e nas poderosas organizações ligadas à pedra, tais como guildas, grêmios, irmandades e corporações, organizações que não aceitavam os pedreiros-canteiros vinculados ao mundo rural, onde eram vistos erguendo aquelas paredes de pedra que dividiam as terras dos habitantes locais. Seu trabalho era construir paredes de 1 a 1,5 metros, que raramente tinham argamassa e menos ainda cal.

Esses profissionais inseridos no mundo rural eram verdadeiros especialistas em corte de pedras, pois sabiam cortar a pedra ao longo de suas linhas de fissura e esquadrar as diferentes faces para moldar a parede com elas, em um intrincado emparelhamento. Por meio de sua arte podemos rastrear a presença deles em muitas culturas.

É verdade que no mundo rural, pelo menos na antiguidade, fazendeiros e pecuaristas sabiam, em maior ou menor grau, erigir essas paredes de maneira grosseira, embora isso não os impedisse de participar, como é o caso, da construção de cabanas e currais em todo o território rural inglês.

Essa tarefa de construir e manter esses recintos correspondia, portanto, a esses pedreiros rurais e a outros do tipo descritos como wallers, que estavam encarregados deste trabalho como tal cow-men […] Embora o trabalho deles também tenha sido regulamentado conforme declarado em 1636 em Canongate, e por cujos estatutos sabemos que eles tinham permissão para usar argila como argamassa, mas não podiam usar cal, uma questão que também é confirmada por um decreto anterior de Glasgow em 1623, pelo qual o cowan John Sheldden estava autorizado a construir muros com argamassa de argila, mas sem cal e areia, com a condição de que esse muro tivesse apenas um metro de altura.

O que é estranho, ou talvez mais sintomático, é o fato de que esses trabalhadores acabaram recebendo a qualificação de eavesdroppers (bisbilhoteiros). Talvez a palavra certa fosse “intrusos”, pois não se tratava de espionar ninguém nas lojas, mas de uma possível intrusão profissional.

É evidente que esses cowans discriminados estavam a uma distância, maior ou menor, em termos da experiência, dos pedreiros e também das organizações (guildas, grêmios, corporações, etc.) que administravam grandes pedreiras e, portanto, sabiam esculpir os grandes blocos que obtinham previamente e cujo processo, até chegar a conclusão do edifício, seja ele religioso ou civil, exigia treinamento, aptidões e qualificações muito diferentes.

As técnicas evoluíam para vários motivos: sociais, políticos ou religiosos, ou simplesmente motivados por um grande incêndio, de modo que o novo edifício exigisse argamassa cujos componentes essenciais estavam na mesma pedreira: poeira de calcário, técnicas aperfeiçoadas que, por sua vez, eram mantidas em segredo pelas guildas que, tentavam e conseguiam, como era o objetivo, manter os grupos de canteiros unidos e seu poder nas áreas urbanas relevantes, onde os famosos cowans não haviam penetrado.

Portanto, vale a pena perguntar por que essa rejeição de corporações profissionais fechadas de natureza urbana em relação a profissionais individuais que se aglomeravam no meio rural?

Primeiro, devemos especificar uma pergunta sobre a presença deles nos textos manuscritos nos quais encontramos algumas referências, principalmente tratando-se de textos de origem escocesa como os famosos Estatuto de Shawde 1596, que indicam tal regulamentação:

That na Maister or Falow–of–Craft ressave the paine of twentie ony cowanis to wirk in his societie or company nor send name of his servants to wirk wit cownis under pundis so often as ony persone offendis heirintill. [1]

Eles também eram definidos como dry-diker, alguém que constrói sem cimento, isto é um Maçom sem a Palavra, ou seja, a Palavra de Maçom.

Mas, além disso, pouco mais existe, e não nos explica essa marginalização e desacordo entre as guildas e esses pedreiros rurais.

A Peste Negra teve algo a ver com todo esse desenvolvimento. Seu término implicou uma verdadeira remodelação das sociedades, de seus relacionamentos e de suas estruturas como conglomerado social e trabalhista. Um desses efeitos foi a administração da igreja como um poder institucional projetado a partir daquele momento na construção de igrejas e catedrais, em cujo desenvolvimento as guildas e corporações desempenharão um papel fundamental, onde ressurgirão fortemente e, como tal, se tornarão cada vez melhores em termos de suas técnicas e de seus próprios desenvolvimentos enquanto organizações sociais e profissionais.

Essa mudança provocou a construção de grandes edifícios, aos quais era agregado um edifício adjacente chamado loja, cuja faceta multifuncional servia tanto para proporcionar abrigo, armazenar ferramentas, reunir a corporação, servir de escritório para o Mestre de Obras, ou para os trabalhadores se alimentar ao abrigo de diferentes situações climáticas, etc.

Essa antessala das obras reunia os trabalhadores menos qualificados do lado de fora, sendo o interior reservado para pedreiros mais especializados, tais como os entalhadores. O lugar era guardado por um Tyler (telhador), que era o nível mais baixo na hierarquia da corporação.

Algumas guildas, em que pese a ideia utópica de liberdade tão exagerada na mídia historiográfica, eram bastante limitadas e é necessário acrescentar a sua própria rigidez enquanto estruturas jurisdicionais nos territórios, tanto é que esses Ofícios Jurados estavam entregues às mãos dos senhores feudais, que finalmente anularam a possível mobilidade profissional. De fato, sua liberdade foi resgatada das mãos da forte regulamentação normanda que regulava o país com mão de ferro, pela própria Igreja que precisava ter mão de obra para desenvolver seu impressionante projeto de erguer igrejas e catedrais.

Essa liberdade foi alcançada, seja através de preços ou dispensas da Igreja para dispor de tais trabalhadores que por ,sua origem e desenvolvimento, acabaram se tornando “corporações cada vez mais livres”, embora isso também seja relativo, uma vez que estavam limitados aos regulamentos, jurisdições das corporações e dos poderes públicos.

Portanto, esse grande projeto eclesial deu origem à construção de edifícios religiosos no tranquilo ambiente rural e, como tal, levou à contingência do encontro entre duas especificações profissionais nesse campo.

Neste tranquilo espaço rural, os membros do ofício da corporação de pedreiros se encontrarão e, por outro lado, os cowans que viram chegar às suas construções novas oportunidades de trabalho, mesmo que nunca tenham realizado obras dessa magnitude, nem tivessem certas capacidades técnicas. Com o tempo eles foram adquirindo habilidades, o que por sua vez gerava atritos entre os dois setores mas os cowans perderam a batalha e ficaram confinados aos empregos mais simples do ofício. Entretanto, apesar de sua antiguidade no mundo da pedra, eles não podiam enfrentar as poderosas e herméticas guildas, que se fechavam em bando recusando-se a dar espaço a eles em seu organograma profissional, nem mesmo como aprendizes.

E para isso eles adotaram medidas de proteção tais como palavras e gestos de reconhecimento.

E mesmo quando conseguiram um certo reconhecimento, na realidade isso nunca foi real ou foi o resultado de uma questão circunstancial, seja porque os sindicatos não estavam interessados em um determinado trabalho ou porque a força de trabalho tinha que ser grande devido a requisitos de prazo de execução, como aconteceu com a reconstrução de Londres, onde todos os profissionais pedreiros foram convocados para trabalhar, fossem pedreiros, cowans ou membros das sociedades de Irmandade (Compagnons, Bahütte, etc.) para trabalhar com as corporações estabelecidas na reconstrução da cidade.

Além disso, existe um terrível paradoxo: enquanto as Guildas do Ofício sempre se recusaram a abrir as portas para os cowans, curiosamente, portas e janelas eram abertas para aos cavalheiros para que se tornassem parte da estrutura corporativa cada vez mais decadente. Portanto, as lojas foram cada vez mais articuladas como centros de poder burguês urbano, onde pouco podiam os famosos cowans, o que eu já indico no título do artigo não “tem a palavra”, na verdade, temos a loja-mãe escocesa Kilwinning, que define os cowans como diaristas fora das guildas e “maçons sem a Palavra”.[2]

Em dezembro de 1598 em Edimburgo, através dos Estatutos Schaw, em relação à observância de todos os Mestres de Obras e Observadores Gerais do Ofício, o artigo 15 afirma que:

Nenhum Mestre ou companheiro do ofício receberá um cowan para trabalhar com ele, nem enviará nenhum de seus assistentes para trabalhar com Cowans, sob pena de multa de vinte libras cada vez que alguém quebre essa regra.[3]

Até a Assembleia de York enfatiza que “nenhum mestre deve fazer planta, esquadro ou régua para um desbastador ou montador de pedra sem argamassa”.

A disciplina férrea em que o “juramento ou promessa” por parte do artesão mediou uma estrutura reguladora inflexível alcançou tal extensão conforme nos mostra um documento da loja Mary’s Chapel de Edimburgo em que se registra que um maçom da loja tinha que reconhecer e confessar ter ofendido a guilda e o mestre da loja por oferecer trabalho a um cowan, tendo que fazer uma confissão humilde e prometer nunca fazê-lo novamente. Em outros lugares, são coletadas informações sobre multas e condenações pecuniárias pela contratação de tais cowans.

Notas

[1] – Que nenhum professor ou companheiro do escritório recebeu nenhum cowan para trabalhar em sua sociedade ou empresa ou enviar qualquer um de seus funcionários para trabalhar com os cowans.

[2] – Popow, Corine. James Hogg. O fundador do romance psicológico. Dissertação. 2004

[3] – Hurtado, Amar. Nós maçons. Editorial MASONICA 2014.

Autor: Luiz Marcelo Viegas

Mestre Maçom da ARLS Pioneiros de Ibirité, nº 273, jurisdicionada à GLMMG. Membro da Academia Mineira Maçônica de Letras. Contato: opontodentrodocirculo@gmail.com

Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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