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quarta-feira, 20 de abril de 2022

A PRESENÇA DA MAÇONARIA NA MINHA VIDA

A PRESENÇA DA MAÇONARIA NA MINHA VIDA
Jorge Mauro C Gomes 
ARLS Deus e Fraternidade- 292 Oriente de CRISTINA - MG

Consta em nossos rituais que Maçonaria deve ser considerada uma irmandade filosófica, filantrópica, iniciática, progressista e discreta. De caráter universal, seus membros cultivam a não distinção de classes, o humanismo, os princípios da liberdade, igualdade, fraternidade, democracia e aperfeiçoamento intelectual. Sem querer entrar em uma discussão a respeito da palavra cultura maçônica, podemos concordar com autores que dizem ser ela uma subcultura devido ao fato da mesma agregar em seu bojo a assimilação de costumes e valores de civilizações e sociedades iniciáticas perdidas nas brumas do tempo.

Dentro desse escopo e dessa pequena e particular consideração com relação à ordem, gostaria de expressar um sentimento a respeito de maçons natos e não iniciados que existem espalhados pelo mundo. Pessoas essas que sequer chegaram a ter seus nomes cogitados ou mesmo observados para ingresso na Ordem, cujas passagens pela vida aparentemente foram despercebidas e que participaram da construção do edifício maçônico ou pessoal de terceiros de forma voluntária e por amor. O personagem dessa breve história nunca foi iniciado em nossa ordem, mas teve relacionamento com pessoas ligadas à Maçonaria durante toda a sua vida desde criança e ao longo de sua vida.

Nossa história poderia começar em vários momentos da vida do nosso personagem, mas vamos explorar a parte do filho mais velho de uma família de seis irmãos, três homens e três mulheres. Por um certo tempo fez companhia de viagem ao seu pai, um funcionário público da Rede Ferroviária Federal, cuja profissão era chamada de guarda freios, ou seja, o responsável por vigiar e manobrar os freios dos vagões segundo instruções do maquinista do trem. Era metade da década de 40 do século passado e as viagens eram feitas de trem, até então o meio de transporte público mais viável economicamente para ambos até à cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, para tratamento de saúde de seu pai acometido de osteomielite. O destino final era a Santa Casa de Misericórdia da Cidade do Rio de Janeiro para que pudesse ser submetido ao tratamento da época, qual seja, raspagem dos ossos de sua perna para reduzir a infecção.

Aos treze anos, recebeu uma autorização do Juiz da Comarca de sua cidade para que pudesse viajar até mesmo sozinho quando necessário com a finalidade de auxiliar seu pai. Isso se deu ao final da Segunda Guerra Mundial e foram várias viagens, até que seu pai teve uma melhora considerável, mas não a cura total da enfermidade. Essa necessidade trouxe um amadurecimento rápido naquele garoto que não tinha mais tempo para brincar, como as demais crianças. A responsabilidade de também trabalhar chegou cedo, o que fazia como auxiliar de seu padrinho que prestava serviços para terceiros após jornada de trabalho, o chamado biscate, hoje conhecido como bico, para ganhar alguns trocados para ajudar em casa.

O primeiro contato que teve com Maçonaria foi através de um médico que cuidou por meses de uma grave enfermidade de um de seus irmãos, que esteve por meses à beira da morte. Esse médico além de maçom também era espírita adepto ao kardecismo, Doutrina de Allan Kardec, que começa despertar no menino sua atenção para o espiritismo. Seu irmãozinho além dos cuidados médicos terrenos, tinha sempre água fluidificada à cabeceira da cama para ser oferecida o tempo todo. Enquanto isso, seu pai caminhava 12 km todo dia para trabalhar ainda acometido do que restava de sua enfermidade. Ao chegar em casa ao final do longo dia de trabalho, gemendo de dor que só se aplacava com uso da água fluidificada, que nosso personagem buscava diariamente no Centro Espírita Amor e Caridade. O médico que os atendia e as pessoas que o recebiam no Centro Espírita, quando ia buscar a água fluidificada, o marcaram de forma indelével em sua incursão ao longo dos próximos anos nos estudos e conhecimento a respeito do Cristo Planetário, no que se refere ao Espiritismo eàBíbliaSagradadaqualfoileitoreumbom conhecedor. Isso vai influenciá-lo por toda a sua vida, contribuindo para a compreensão do mundo espiritual e dos benefícios que trazia para seus familiares e para si.

Um acontecimento interessante é que a Maçonaria por anos namorou com o socialismo e é de conhecimento da nossa história, que o Grande Oriente do Brasil durante o início do século vinte, tinha uma inclinação e simpatia até bastante exacerbada pela doutrina dita comunista. Vem dessa época a ideia de ensino público e gratuito para todos, que chegou até os nossos dias com as Universidades Federais e Estaduais, espalhadas país afora. Era comum a Maçonaria ter sob sua gestão escolas e bibliotecas sustentadas pelos abnegados maçons que viam naquele cenário a chance de libertar o ser humano da ignorância, utilizando-se de seus lemas, usos e costumes.

O garoto volta a ter contato com pessoas do meio maçônico e agora com a Ordem, ao ser matriculado e ter frequentado exatamente uma dessas escolas que tinham aulas noturnas em um salão que ficava à entrada da Loja Maçônica. Relatou várias vezes que via homens bem trajados de ternos pretos subindo as escadas que ficavam ao fundo do salão e que nunca voltavam antes de terminarem as aulas. Era a escada de acesso à Loja Maçônica que até hoje funciona no andar superior de um prédio do período Brasil Colonial. Esses senhores que subiam as escadas eram personalidades importantes na sociedade, os quais ele conhecia e respeitava, por serem consideradas de comportamento reto e que primavam pela justeza de suas atitudes na cidade.

Passaram-se muitos anos e o garoto, agora um senhor já aposentado juntamente com sua esposa, volta a se relacionar com a Maçonaria ao encontrar o seu filho agora também pai, um jovem Maçom dedicado à família, ao seu trabalho e à Ordem. Morando juntos novamente, em uma cidade do Triangulo Mineiro, com a finalidade de auxiliarem no desenvolvimento e educação de suas netas, enquanto seus pais realizavam atualizações e especializações profissionais com objetivo de qualificar mais os serviços que prestavam no setor de farmácia e das análises clinicam naquela localidade.

Foi um período de convivência bastante interessante e de grande relacionamento entre pai e filho, do ponto de vista do companheirismo, em seu sentido lato, ou seja, do latin "cum panis", aquele com quem dividimos o pão, aquele que confiamos o suficiente para sentá-lo em nossa mesa e dividir nossas ideias, vitórias, derrotas ou um simples pedaço de pão.

O garoto de nossa história agora pai e avô, passa a ajudar sua família em muitas situações e atividades. Torneiro Mecânico e Eletricista de formação técnica, leva seus conhecimentos e formações para o seio da família, bem como sua convicção religiosa de uma fé dita por ele como sendo mista, fruto exatamente do que foi citado acima a respeito de seu conhecimento e estudos contidos tanto na Bíblia quanto no Kardecismo, já que o mesmo era espírita e sensitivo.

No que se refere ao seu contato novamente com a Maçonaria através de seu filho, é importante observar que ocorreram acontecimentos que o motivaram a incentivar que seu filho fizesse progressos em seus estudos, inclusive galgando as escadarias dos Altos Corpos Maçônicos, tão importantes para ajudarem a compreender um pouco desse grande universo chamado Maçonaria, que tanto tem para ser explorado e inesgotável na sua existência. E com sua ideia de fé mista agrega seus familiares em torno dos compromissos com algo maior que é a presença de Deus em nossos lares.

Isso posto, vamos ver nosso personagem participando em vários momentos, ajudado por sua esposa, apontada por ele como sendo sua “alma gêmea de outras encarnações”, zelando das netas brincando na piscina ou no parquinho em que a Loja Maçônica da qual seu filho fazia parte, promovia algum evento. Eram os famosos churrascos do Rancho da Maçonaria, à beira do Rio Grande, em uma paisagem maravilhosa e aprazível, local de eventos para arrecadar fundos não só para utilização própria, mas para aplicação em alguma ação ou obra assistencial.

É importante observar que essa Loja Maçônica no Triangulo Mineiro era responsável por gerir e manter um asilo de idosos, com uma diretoria toda composta por Irmãos Maçons do quadro de obreiros, mesclada com alguns integrantes da sociedade local interessados nesse tipo de trabalhos social bastante relevante. Essa mesma Loja em tempos anteriores ao Estatuto do Menor e do Adolescente, mantinha uma Guarda Mirim com o objetivo de colocar no mercado de trabalho, mais exatamente no comércio da cidade, garotos adolescentes, filhos de famílias carentes, como Office boys para que pudessem aprender alguma atividade e até mesmo profissão a fim de poderem ajudar suas famílias futuramente.

A Loja Maçônica frequentada pelo filho de nosso garoto-pai-avô à época reunia-se às terças feiras e distava 60 km da cidade em que morava com sua família, sendo metade em asfalto e o restante em estrada de terra. Na cidade havia mais três maçons, mas nem sempre todos iam juntos às reuniões. Com afazeres e profissões diferentes o médico, o professor, o médico veterinário e o farmacêutico por muitas vezes viajavam em até três veículos diferentes.

É aqui que entra nosso personagem e seu senso se companheirismo demonstrado muitas e muitas vezes. Sabedor que seu filho era frequentador assíduo e ao perceber que se aproximava a hora do mesmo se preparar para viajar, se aproximava dele e perguntava se ia precisar de companhia para a viagem para não fazê-la sozinho, considerando que em determinadas épocas era necessário utilizar estradas alternativas devido a chuvas que assolavam o terreno de terra massapé, o que obrigava a passar por locais que poderiam ser perigosos à noite. Muitas vezes fazia a viagem e aguardava do lado de fora no estacionamento da Loja Maçônica a reunião acabar para retornarem para casa. A Fraternidade Feminina quando foi ativada, as cunhadas passaram a convidá-lo para que ficasse na área do salão em anexo à Loja, onde iriam preparar o ágape.

Quando ainda do inicio das viagens de sessenta quilômetros, um Irmão perguntou se ele não tinha interesse em entrar na Ordem, já que estava sempre junto tanto nas viagens como nos eventos. Ele apenas disse que se dava por satisfeito em poder ajudar o filho, a família e os Irmãos pelos quais ele já tinha um carinho muito grande. Reconhecia que sua idade já não era propícia para isso, já passara dos sessenta anos.

A família decide mudar-se para o Sul de Minas, o que exigiu uma logística um tanto quanto complicada. Significava ter que se desfazer de bens móveis e imóveis sem por nada a perder e ao mesmo tempo conseguindo manter um padrão de vida compatível com o que possuíam anteriormente.

Antes da mudança foi necessária uma viagem para materializarem a locação de um imóvel para a família morar. Ele acompanhou seu filho e nora que já estava residindo no Sul de Minas, auxiliando-os a averiguar as condições dos imóveis que se apresentavam para locação, porque trazia consigo experiência de ter sido sindico de um grupo de quatro apartamentos na cidade em que morou antes de mudar-se para o Triangulo Mineiro. Pai e filho saíram do Triângulo Mineiro numa noite de domingo para segunda feira, dormiram dentro do carro em um posto de gasolina no interior de São Paulo, mais ou menos na metade do percurso. Era preciso estar na segunda feira, bem antes do almoço, no Sul de Minas. Seu filho, Mestre de Cerimônias da Loja Maçônica a qual pertencia, tinha o compromisso de retornar na quarta feira, pois o Grão Mestre, recém-eleito, iria visitar sua Loja.

O filho descobre um maçom na cidade um Irmão Maçom e por coincidência a reunião era às terças feiras e recebeu convite para visitar a Loja Maçônica. O filho aceitou o convite e levou consigo a nora, porque era também dia de reunião da Fraternidade Feminina, para que a mesma se apresentasse às cunhadas. Assim é dado start para que os trabalhos na pedra bruta não cessassem dali a alguns meses, ao mesmo tempo dando conhecimento aos Irmãos da sua intenção com relação a uma futura transferência e filiação para o novo Oriente. No dia seguinte, tomaram o café da manhã, assinam o contrato de locação do imóvel e partiram de volta para o Triangulo Mineiro. Foi uma viagem marcada por uma conversa animada entre ambos o tempo todo, sempre acompanhada de uma preocupação com possível cansaço pelo esforço empreendido tanto pela viagem como pelas várias visitas a imóveis e negociações de alugueis. Tudo transcorreu bem durante o retorno, com direito a um ágape muito saboroso, do qual ele se deliciou também.

Essa viagem gerou de nosso personagem uma afirmação que ficou marcada, a qual de vez em quando ele gostava de repetir: “você é tão Maçom que em três dias viajou mil e seiscentos quilômetros, alugou casa para morar, assistiu reunião de uma loja maçônica, saiu no meio da manhã para viajar de volta porque assinou o contrato da casa, parou num posto de gasolina para tomar banho e ainda assistiu a reunião com o grandão”.

A ligação de nosso personagem com a Maçonaria tem continuidade no Sul de Minas e ocorreu particularmente de maneira interessante devido ao fato marcante da Loja Maçônica que seu filho filiou-se, ter em seu quadro uma considerável quantidade de Maçons idosos. As confraternizações e Sessões Públicas realizadas levaram-no a estabelecer com facilidade um bom relacionamento com todos independentemente da idade, dado a sua afabilidade e empatia no tratar com as pessoas, uma marca registrada que o acompanhou durante a vida terrena.

Viu nascerem duas ordens paramaçônicas juvenis, os De Molays e as Filhas de Jó; nessa última viu com satisfação as suas netas fizeram parte até completarem maior idade. Sabedor dos benefícios que trabalhar com jovens traz, acrescentado ao fato de serem amparadas pela Maçonaria. Ele e sua esposa apoiaram e incentivaram muito a participação de ambas, bem como de sua nora que acabou fazendo parte do Conselho Guardião das Filhas de Jó. Ele tinha a compreensão e o entendimento de que a prática da Maçonaria através de seu filho trazia bons fluidos e harmonia para o seio familiar, e o fato delas participarem de uma entidade ligada diretamente à Ordem reforçaria ainda mais essa sua constatação.

Participou da Cerimônia de Confirmação Maçônica de Casamento de seu filho, trinta anos de união conjugal e assistiu com lágrima nos olhos sua neta mais velha e primeira Honorável Rainha do Bethel pertencente da Loja Maçônica, fazer um discurso emocionado agradecendo aos pais pelo dom da vida e se dirigir ao pai enaltecendo suas qualidades como filho, esposo, pai e maçom que amava tanto a Ordem, que fora capaz de trabalhar incessantemente para a implantação da Ordem Internacional das Filhas de Jó para dar alicerce às filhas de vários tios ali presentes e que sentia orgulho juntamente com sua irmã de terem um pai no proceder e agir no dia a dia trazia cunhado em sua alma a palavra MAÇOM.

Ambos retomam algumas viagens a exemplo do que ocorria no Triângulo Mineiro, quando seu filho passa participar dos Altos Corpos do Supremo Conselho Grau 33 R.E.A.A. da Maçonaria para República Federativa do Brasil, em uma nova Inspetoria Litúrgica instalada no Circuito da Águas do Sul de Minas. Como sempre dizia nosso personagem “se precisar de companhia para não viajar sozinho eu estou sempre pronto para acompanhá-lo seja aonde for, conte comigo meu filho querido”.

A última dessas viagens foi para levarem doações de alimentos, roupas e agasalhos recolhidos entre os próprios familiares e alguns amigos para doação em uma cidade vizinha, onde seu filho frequenta há 10 anos uma Loja Maçônica, que fora acometida por uma enchente que deixou pessoas desabrigadas perdendo pertences e víveres.

Como membro mais idoso da família, sempre foi o conselheiro, até por sua experiência de vida e preocupação com todos. Dono de uma fé inabalável e de um conhecimento bastante interessante com relação à sintonia do espírito humano com o espírito divino, afirmava que a mesma deveria contemplar uma atitude de vivência e consciência. Sendo a fé dita ‘mista’ porque todas as religiões devem reverenciar um Cristo Planetário. Seguindo esse princípio prestou muita colaboração material para Centros Espíritas Kardecistas e para Igrejas ligadas aos Santos e Anjos Guardiões, e uma impressionante certeza de que o Doutor Adolfo Bezerra de Menezes e sua junta de médicos curadores do mundo espiritual, sempre que mentalizados por qualquer membro de sua família receberia o benefício solicitado para a cura de seus males materiais espirituais. Essa fé no Doutor Adolfo Bezerra de Menezes começa a surgir no início dessa narrativa, onde a utilização de água fluidificada e a orientação recebida de um médico dedicado à Ordem Maçônica serviram pra mitigar e curar dores e doenças de seu pai e seu irmão.

De nosso personagem ficaram duas frases, das quais podemos transportar para o mundo maçônico: “dizem que quem vai à frente bebe a água limpinha; se você não estiver com pressa, você espera todos beberem, deixa a sujeira pousar no fundo e mata sua sede com fartura e ainda leva água para beber pelo caminho e dividir com outras pessoas”; “Deus não permite que nada aconteça na ansiedade do homem”. Acredito que podemos tirar alguns ensinamentos trazendo-os para nossa Ordem, onde ter paciência, saber esperar são ensinamentos que o maçom deve trazer consigo para não ser arrogante e intolerante. Devemos agir com cautela, com urbanidade, companheirismo e dedicação para com nossos entes queridos e ao próximo. Assim deve agir todo Maçom, assim também agiu o nosso personagem, que sempre colocou em primeiro lugar a família, dando-a de beber a mais límpida e pura água representada pelo amor, paz, harmonia e sabedoria que nos põe em sintonia com GADU.

É na ansiedade, que o homem se precipita e pode deixar levar-se pelas paixões ignóbeis, lembrando os maus trabalhadores da construção quando do assassinato do mestre Iran, onde imperou a inveja, a cobiça e a ganância. É necessário matar dentro de nós esses três males e abrirmos a porta do templo que estamos a construir, representada pelo nosso coração, deixando que ao tempo do Criador de tudo que existiu, existe e existirá, que se materialize a graça que estamos buscando de acordo com nosso merecimento.

Fonte: Revista Triponto nº 1

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