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sexta-feira, 9 de setembro de 2022

RELIGIÃO: UMA COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA (2ª PARTE)

Mauro Ferreira*
Dentro da Sociologia, tem-se uma vertente destinada aos estudos dos fenômenos religiosos, é a chamada de “Sociologia da Religião”. Seu objetivo é o de compreender os efeitos sociais do “pertencimento religioso”, ou seja, demonstrar como as crenças religiosas interferem no comportamento e nas tomadas de decisões dos indivíduos. Nossa proposta aqui é estudar a religiosidade de grupos sociais para entender como se deu esta formação, este sentimento religioso do brasileiro e como ele lida com isso para enfrentar seus problemas e dificuldades no cotidiano, tendo por tese que o povo brasileiro é considerado um dos mais religiosos do mundo.

Deve-se aqui mencionar entre muitas obras que tratam da religião com mais profundidade as obras: “O Ramo Dourado” de Frazer, de “Cultura Primitiva” de Tylor, no qual produz a teoria animista da religião primitiva, e de discípulos deste, Andrew Lang e Marret que investiram a noção de mana, alma e fantasmas. Estes estudos apontam o interesse científico acerca do fenômeno religioso, remarcando um espaço acadêmico para o estudo científico da religião, até então de cunho teológico e doutrinário.

Émile Durkheim, considerado um dos pais da Sociologia, escreveu no século XIX:

“Diz-se que a ciência, em princípio, nega a religião. Mas a religião existe. Constitui-se num sistema de fatos dados. Em uma palavra: como poderia a ciência negar tal realidade?” […] “Sente-se dominado e envolvido por algo que dele dispõe e sobre ele impõe normas de comportamentos que não podem ser transgredidas, mesmo que não apresentem utilidade alguma”. (DURKHEIM, apud OLIVEIRA, Luis F. e COSTA, Ricardo, 2007, p.169, 199).

Como força motriz da formação da cultura, a religião para Durkheim vai promover a dicotomia entre o profano e o sagrado. As coisas profanas adquirem, segundo Durkheim, uma utilidade prática até poderem ser descartadas; já as coisas sagradas, os objetos, idéias assumem valor superior aos dos indivíduos, possui um valor de adoração que é superior ao próprio homem e é por este reverenciado. O homem ocupa desta forma um lugar secundário no universo. Pra ele, a religião possui características que a permite criar regras de comportamento e normas que visem gerar a harmonia entre os homens; desta forma é através da religião que as sociedades se estruturam e se organizam formando “uma imagem de si mesmas”.

Este interesse pronunciado pelo estudo das religiões se manterá no início do século XX com a publicação de “As formas elementares da vida religiosa” de Durkheim, entre outros, de autores como Levy-Bruhl com estudos sobre a mentalidade mística, agindo como estímulo à criação de formações acadêmicas nas universidades européias, como a de Religião Comparada na École des Hautes Études da Universidade Sorbonne. Esta veio a ser dirigida por Marcel Mauss e mais tarde por Lévi-Strauss. Na Grã-Bretanha destaca-se o King’s College, ligado à Universidade de Londres, que possui um dos departamentos mais antigos e renomados de Teologia e Estudos de Religião, cujo acesso recente a sua página eletrônica, permitiu retirar a seguinte explicação da motivação dos seus estudos na atualidade:

Para Max Weber, a religião é na compreensão dos comportamentos religiosos que chega-se ao entendimento sobre as atividades humanas, influenciando a maneira de viver de um povo ou de uma cultura de massa. A religião estaria assim ligada a outras atividades humanas, como por exemplo, a ética, a economia, a política. Com sua célebre obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber procurou demonstrar que ocorreu uma transformação do trabalho a partir da ética protestante. Segundo Weber, “essa concepção de trabalho, protestante e puritana, servirá perfeitamente para o aparecimento do capitalismo, que necessitava de trabalhadores para gerar capital e lucros para a burguesia.”

Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como também desordena. Neste último caso, cabe a organização religiosa coibir a desordem com seus meios coercitivos ou o aparelho de força da cultura de um povo. “As Formas Elementares de Vida Religiosa“, considerada a mais importante de Durkheim, estuda notadamente a religião e seu relacionamento social:

A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda que eles sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o poder daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto. As ordens do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de inclinar-se e de obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos impérios da Ásia, e nos de hoje, nos Estados maometanos, como nos países católicos, onde os reis reinavam por direito divino, os povos foram completamente escravizados. (LAVELEYE: 1875, p.25).

Não se pode desvencilhar a participação da religião na construção cultural dos povos.

Conforme Durkheim (1998, p. 155),

A religião é uma coisa eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são as maneiras de agir que não nasceram senão no seio de grupos reunidos e que estão destinados a suscitar, a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos. Mas então, se as categorias têm origem religiosa, elas devem participar da natureza comum de todos os fatos religiosos: devem ser, elas próprias, coisas sociais, produtos do pensamento coletivo.

Mendonça (1988, p. 42) mostra que existe uma dificuldade em definir religiosidade e religião. Segundo ele, a religiosidade nem sempre está relacionada a uma religião organizada e instituída. Ele definiu religiosidade como “a sensação generalizada de que o mundo está sujeito a poderes ameaçadores da ordem […] sejam de amplitude universal ou simplesmente localizados no espaço e no tempo, estes quando se referem a grupos humanos isolados sócio e geograficamente”. No mesmo texto, Mendonça apresenta uma segunda definição de religiosidade, que seria “a existência na consciência daqueles traços culturais de crença em poderes benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a vida nos mínimos detalhes e que podem estar subjacentes na aceitação de qualquer religião organizada, introduzindo nelas modificações”. Na segunda definição, Mendonça relaciona a religiosidade com a crença culturalmente construída e que pode, inclusive, interferir nas religiões organizadas. Tal definição de religiosidade é a que empregamos aqui e que foi muito bem explorada por Bittencourt (2003).

A religião, sob a abordagem da sociologia clássica, aparece como um pretexto teórico, metodológico e epistemológico no estudo das causas sociais da grande mudança social, da transição da sociedade tradicional para a industrial, dos possíveis remédios para os problemas sociais e para as implicações no tecido social. Temáticas e questões como a divisão social do trabalho e desemprego, expansão e intensificação das desigualdades sociais, conflitos e lutas de classes, anomia, desvios, entre outras, aparecem como preocupações visíveis discutidas pelas teorias sociológicas durante o século XIX, em vista de uma resposta intelectual de intervenção sócio-política. Foi na perspectiva de considerar as situações sociais, coletivas, dotadas de uma dimensão ética, que os clássicos da sociologia propuseram o problema da religião, pelo fato de a terem considerado como um fator decisivo para se explicar as estruturas e os processos que promoviam e condicionavam a ordem e o controle social nas sociedades humanas (MARTELLI, 1995, p. 31).

A religiosidade serve para designar:

“[…] a forma e o sentimento com que cada indivíduo vive suas crenças e práticas religiosas, independente de ele estar filiado a uma instituição religiosa, mas também pode abonar auto-enquadramento que o indivíduo afirma, quando em grande parte não está ele efetivamente assentado em qualquer prática religiosa, outras vezes, ainda que inseguro, num exercício agnóstico ou, ateísta definitivamente, o que é corroborado pelo fato de já existir segmentos sociais que se aglomeram em torno de uma terapia grupal”. (Revista Veja de 12.07.2006, pp.77-85).

As palavras provocadoras de Filoramo em posfácio a seu livro em parceria com Carlo Prandi, “As Ciências das Religiões”, quanto às repercussões desse campo emergente ou ressurgente de saber no âmbito universitário (1999, p.290):

O estudo da religião em perspectiva científica, […] tem essa característica fundamental: ele é um convite ao estudo, não para que alguém se torne isso (ou menos) religioso – o fato de existirem conseqüências desse estudo é m efeito imprevisto, não fazendo parte das regras do jogo; estuda-se, segundo o ethos do conhecimento que anima e funda esse tipo de trabalho, para poder conhecer melhor essa complexa e cálida realidade, para poder melhor orientar-se dentro dela, e conforme o caso, para poder escolher e decidir com conhecimento de causa.

Estudar sociologicamente a religião é possível pelo fato de ser considerada como uma importante chave para se compreender as estruturas, os processos sociais e culturais de uma civilização. A tradição sociológica weberiana enfatizou e deu prioridade a uma particularidade do fenômeno religioso, ou seja, privilegiou-se o estudo da formação de uma ética protestante racionalista; Weber quis compreender qual a influência do comportamento religioso sobre as outras atividades, ética, econômica, política ou artística, e quis apreender os conflitos que pudessem surgir da heterogeneidade dos valores que cada uma delas pretendia servir (FREUND, 1987, p. 130).

A grande hipótese de investigação de Weber é de que a vivência espiritual da doutrina e da conduta religiosa, exigida pelo protestantismo, teria organizado uma maneira de agir religiosa com afinidade à maneira de agir econômica, necessária para a realização de um lucro sistemático e racional, daí o esforço em provar a hipótese e a concepção de que havia estreitas relações existentes entre os fundamentos religiosos do calvinismo e as estruturas mundanas do capitalismo. É então possível sugerir que a corrente culturalista weberiana buscou compreender e explicar o capitalismo através dos fatores externos à economia. O capitalismo, sob este olhar metodológico e epistemológico, constitui-se a partir do legado de um modo de pensar as relações sociais herdado pelas manifestações da Reforma na Europa (de Lutero, mas principalmente mais ainda do calvinismo).

Weber não estava preocupado em estudar a essência do fenômeno religioso, porém interessou–se pela investigação do comportamento e da conduta significativa do ser religioso, uma vez que está baseado e orientado significativamente de acordo com determinadas experiências singulares, sobre representações significativas e objetivos ordinários. É por isso que Weber quis demonstrar que a conduta dos homens nas diversas sociedades só pode ser compreendida dentro do quadro da concepção geral que esses homens têm da existência: é preciso entender os dogmas religiosos e sua interpretação como partes integrantes dessa visão de mundo para que se possa compreender a conduta dos indivíduos e dos grupos (prioritariamente seu comportamento econômico). Esta é que se constitui a área da sociologia religiosa weberiana.

Compreendendo a religião como um constituinte da cultura, concorda-se que a sociologia das religiões mundiais delineadas e constituídas por Weber é rigorosa e fundamentalmente uma sociologia da cultura, pelo fato de provocar e efetuar um estudo de estilos de vida e visões de mundo elaborado culturalmente, materializado e cristalizado nas religiões.

O estudo sociológico delineado em “A ética protestante e o espírito do capitalismo” (1905), propôs o exame das implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando constatar a contribuição, a relevância e a intervenção da ética protestante, essencialmente a calvinista, na promoção e consolidação do moderno sistema econômico. A ética da acumulação e da poupança proporcionaram o desenvolvimento do capitalismo. Weber compreendeu o capitalismo como civilização, como um empreendimento significativo da civilização do moderno mundo ocidental. O fio condutor que fundamentou o pensamento weberiano foi a idéia da formação de um espírito racional e sua concretização com a emergência e consolidação dos processos e das relações capitalistas. Uma outra tese é a de que em nenhum outro lugar os movimentos religiosos tiveram conseqüências tão amplas como teve no desenvolvimento do mundo interior do Ocidente. Esta abordagem sugeriu que se explorasse a

“a relação entre as imagens religiosas do mundo e a possibilidade de inovação e de mutação social; interroga-se sobre o futuro da sociedade ocidental, caracterizada por um persuasivo e incontido processo de racionalização, que se traduz no plano religioso em “desencanto do mundo” (Martelli, 1995, p. 75).

Na sociologia da sociologia weberiana que empreende, Ianni acredita que, quando Weber se refere à religião, o que está em causa é tanto a religião como a cultura; cultura esta da qual a religião é uma dimensão privilegiada, mas não única. A religião pode ser compreendida como um elemento nuclear da cultura. O estilo de vida e a visão de mundo envolvido sinteticamente na religião em geral correspondem às dimensões essenciais da cultura (Ianni, 1995, p. 118). Os fenômenos sociais, dentre os quais o religioso, são essencialmente históricos. Acredita–se, dessa forma, que historicamente se individualizam; os fenômenos sociais devem ser tratados como individualidades históricas. Os fenômenos religiosos se particularizam, individualizam-se na história por intermédio do estabelecimento concreto e real de determinados valores em conjunturas e contextos históricos particulares. Daí, também, dizer que não é coerente defender a propositura de que há elementos religiosos permanentes e universais em tais fenômenos.

Na compreensão de Martelli, a religião aparece, na abordagem simbólico-cultural weberiana como

“depositária de fundamentais significados culturais, pelos quais indivíduos e coletividade são capazes de interpretar a própria condição de vida, construir para si uma identidade e dominar o próprio ambiente” (1995, p. 34).

A teoria weberiana compreende que a religião é um relevante e importante recurso simbólico para a sociedade, tendo em vista ter ela uma particularidade em relação aos outros códigos culturais, fornecendo, assim, uma legitimação dos significados sociais.

A questão perseguida por Weber é se a religião tem um peso significativo ou se interfere na organização social, na sua transformação, não pela inculcação de idéias ou crenças, mas através das imagens que inculca em seus adeptos; estas imagens do mundo não são puras representações essenciais do mundo à maneira de um espelho que reproduz objetos ou pessoas que estão diante dele, mas elas têm um potencial de racionalidade, ou seja, têm uma exigência de se entender o mundo com leis próprias. Do contrário, seria inculcação de ilusão (Rolim, 1996, p. 18).

Aparece aqui um problema sociológico de grande relevância, o da influência das concepções de mundo nas organizações societárias e nas atitudes individuais. Isto quer dizer que a visão de mundo orienta e comanda a direção e o destino dos interesses de cada ator social.

Weber nos ensina a pensar religião e ética associadas à imagem do mundo, uma vez que não são as idéias (morais e materiais) que comandam a ação humana, mas é a visão de mundo que aguça o agir dos homens nas trilhas e nos percursos construídos pelos interesses. Ensina-nos mais ainda quando prova a concepção de que há estreitas relações existentes entre as aspirações religiosas do calvinismo e as aspirações mundanas do capitalismo (Weber, 1994); não queria afirmar com isso que o capitalismo seria, simplesmente, um produto da religiosidade protestante e que o moderno capitalismo poderia ser explicado suficientemente com essa tese.

A sociedade brasileira experimenta, diferentemente de outras épocas, uma liberdade religiosa sem igual; já somos um país de diversidade religiosa; um país de uma religiosidade no plural. Novas religiões e filosofias de vida despontam e progridem aceleradamente, transformando o Brasil num país da pluralidade, mais tolerante e cada vez mais desenraizado em matéria religiosa e em termos culturais (Mariano, 1999, p. 119).

A ética dos vários grupos religiosos tem reforçado os valores da cultura moderna, explicitamente visualizados na capacidade dos atores religiosos de fazerem as suas escolhas e opções e tomar decisões no âmbito privado de suas vidas.

A religião faz parte da cultura, é um fenômeno cultural que reflete a cultura. A religião é constituída por mitos, rituais e comportamento moral; ela interpreta o processo da cultura e pode interpretar também a união ou a comunhão humana; ela nos diz algo sobre o significado de comunidade. A religião expressa aquilo que é importante no processo cultural. Dessa ênfase na “importância”, podem emergir idéias sobre “deve” e “não deve”, “certo” e “errado”. Pode-se argumentar que esse processo que vai do ritual à práxis, que identifica o que é importante para o “dever” ser, representa a entrada da religião na ética, seja ela mais ampla ou particular.

O indivíduo e a comunidade cristã estão inseridos dentro de um contexto social bem maior, a cultura, o mundo. O que eles têm a dizer ao mundo? Que responsabilidades eles tem com a sociedade? O que a religião pode fazer para que haja um controle social? Como ela interfere na cultura?

A comunidade cristã não pode viver à parte da sociedade porque está inserida nela, por isso a sua presença na sociedade não só reflete no caráter individual de seus membros, como também no caráter coletivo da comunidade. Através de sua práxis, a moral cristã dialoga e causa impactos no meio social e na cultura. Para que haja mudança e transformação social tem que haver comprometimento com as normas, ou seja, os meios tem que estar de acordo com os fins da própria ação.

Todo código tem a pretensão de ser pleno, de ser suficiente para explicar todas as hipóteses da vida. Mas o hábito de viver vai aos poucos influindo sobre as normas, desgastando-as, por força do processo vital dos usos e costumes. Cabe então aos agentes morais de tal código evitar o divórcio entre a realidade social e certas normas.

Uma sociedade quando na sua fase dita civilizada, construiu-se sempre, de algum modo, com o auxílio mais ou menos carregado pelo ato de fé, que originalmente ou provinha da religião,i concebida como “… um sistema comum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos.” (Silva & Karnal 2002:13-14), ou da maturidade intelectual, explicável como uma ideia nascida no âmbito da ciência e ou da poesia.

Desde o momento em que a religião deixou de ser algo visto como divinamente criada na razão direta do avanço da ciência, deísmos e ateísmos interpretaram “Deus” fora da esfera pública; após Descartes e Kant a ‘ciência dos deuses’ perdeu a legitimidade que consuetudinariamente conquistara, passando a ocupar o espaço religioso unicamente, com o discurso próprio do território.

O esvaziamento das instituições culturais faz com que um país, uma nação, vergue seus ímpetos julgados mais saudáveis, ainda que se releve o fato de que a “(…) necessidade da ruptura se torna, em conseqüência, imperiosa, para restituir a dinamicidade ao que parecia ´sem vida´.” (BORNHEIM: 1987:15), mesmo quando decline a qualidade do atributo moral e intelectual, que se instaura incontinenti, como fato inegável:

As culturas nacionais são compostas não somente de instituições culturais, mas de símbolos e representações. Uma cultura nacional é um discurso – uma maneira de construir significados que influencia e organiza tanto nossas ações quanto nossas concepções sobre nós mesmos (Hall 1998: 39).

Ora, assim afirmamos, porque, pelo viés da análise sociológica, a religião está inserida na cultura, faz parte dela e interage com outras produções culturais. A expressão religiosa não pode se manifestar a não ser por meios culturalmente aceitáveis e comunicáveis, ou seja, há um fenômeno social em todo ato religioso. Em outras palavras, a sociologia da religião parte da premissa que toda forma de expressão religiosa, tanto a teórica (doutrinária) quanto a prática (cultual), realiza-se por meio de convenções humanas e não sagradas. Aqui, não entramos na discussão sobre a “verdade’, o divino ou a fé”. À parte das considerações a respeito do fenômeno religioso, a expressão é vivenciadamente construída entre e por seres humanos. Estamos, assim, analisando o que objetivamente é produzido a partir da experiência religiosa, formas concretas, culturais e sociais. Na essência é a própria religião que assume uma forma socialmente construída, ideia que tomamos de Otto Maduro (1983, p. 31), que entende por religião:

…uma estrutura de discurso e práticas comuns a um grupo social referentes a algumas forças (personificadas ou não, múltiplas ou unificadas) tidas pelos crentes como anteriores e superiores ao seu ambiente natural e social, frente às quais os crentes expressam certa dependência (criados, governados, protegidos, ameaçados etc.) e diante das quais se consideram obrigados a um certo comportamento em sociedade com seus ‘semelhantes’.

A definição que tomamos de Maduro é parcial e não tem intenções de englobar todo o fenômeno religioso. Ela é metodologicamente operacional e “procura recolher e expressar um aspecto das religiões: o aspecto de fenômeno social presente em todo fato religioso” (Maduro, 1983, p. 41). Isso quer dizer, que não há como uma religião não se expressar a partir de produções sociais e culturais. Por isso é que afirmamos que o protestantismo negou um tipo de cultura e não a cultura.

*Mauro é Teólogo, Filósofo, Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela UMESP, e também um colaborador do blog.

Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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