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sábado, 10 de dezembro de 2022

A PALAVRA SEMESTRAL

Autor: Adayr Paulo Modena

É norma contida no Ritual Escocês, de 1928, das Grandes Lojas Brasileiras, que a Palavra Semestral deve ser trocada com o Cobridor da Loja que se visita, como prova da regularidade recíproca entre o visitante e a visitada. Quando Aprendiz, indaguei: como é que se processa esse “trocar”? Responderam-me que eu deveria dar ao Cobridor da Loja visitada uma falsa palavra, isto é, inventada; caso ela fosse aceita ou recusada, haveria a prova da irregularidade ou regularidade da Loja. E, à guisa de pá-de-cal, me foi acrescentado: se a Loja for regular, o Cobridor não aceitará tal “troca” e voltará a pedir a Palavra — e aí sim! — darás a verdadeira, aquela recebida na Cadeia de União. Ponderei que a explicação não abrangia todas as possibilidades, inclusive a do Visitante ser colocado no olho-da-rua, por irregular ou por metido a engraçadinho… Ante o frio olhar do Mestre, calei-me…

O tempo passou. Visitei muitas Lojas. Nunca foi necessário trocar a Palavra Semestral com quem quer que fosse, embora a dúvida de como proceder continuasse latente no subconsciente. Até que um dia, ao longo das pesquisas e estudos, inesperadamente, nas últimas páginas da obra “A Simbólica Maçônica” — de Jules Boucher — lá estava a resposta concisa à invencionice que tentaram me impingir (e, sabe-se lá, a quantos outros…). Então, juntei o dito por Jules Boucher com outras leituras e, hoje, tantos anos passados, creio estar suficientemente informado para explicar, sem “magister dixit”, aos Aprendizes de agora, a verdade sobre tal assunto, vazada num texto simples, como eu gostaria de ter recebido em 1977/78. Buscando reunir as informações essenciais à compreensão do tema, situá-lo no tempo e resumir seus eventos desencadeantes, vejamos…

A Maçonaria Francesa do século XVIII — de onde, em grande parte, o nosso Rito provém —, foi pródiga em Graus, Ritos e Corpos: quase 400 Graus, mais de 50 Ritos e, englobando tudo isso, diversas Ordens e Obediências. Evidentemente, todas digladiando-se por precedências. No sentido de amplitude, no de entrecruzar caminhos, descaminhos e trilhas — “uma savana” — verbera Allec Mellor.

Assim, lá por 1770, existiam três grandes Obediências: duas Grandes Lojas, a da França e a Nacional de França, mais o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente (Grande e Soberana Loja Escocesa de São João de Jerusalém), além de vários Grupos e Lojas esparsas. No início de 1773, buscando dar fim ao divisionismo, limitar o número de Graus e, segundo dizem, para impor suserania à Maçonaria Francesa, a maior parte da Grande Loja da França (e outras dissidências) reestruturou-se como “Ordem Real da Maçonaria em França”, gerando e dando à luz — em 24.05.1773 — ao Grande Oriente de França, Obediência que, em 28 de outubro daquele ano, empossa seu primeiro Grão Mestre, Felipe de Orleans, Duque de Charters[1].

Afora a estranha personalidade de tal Grão-Mestre[2], o que importa assinalar é o fato de que na data de sua posse nasceu a Palavra Semestral[3], criada para impedir a presença de Maçons não filiados às reuniões do GOF. Foi uma medida bem diferente daquela tomada em 1730 pela Grande Loja de Londres que, ao trocar a sequência das colunas de BJ para JB, buscava impedir o acesso de profanos nas Lojas, em decorrência das “inconfidências” de Prichard, quando publicou nossos “segredos” num jornal londrino.

Contrariamente, o GOF atingia os Maçons, tentando obrigá-los à filiação na nova Obediência, limitando o livre direito de visitação até então vigente.

Concluído o cenário e vistas às motivações que ensejaram o nascimento da Palavra Semestral, vejamos como ela foi planejada para ter eficácia, no sentido concebido por seus mentores, os quais, com inteligência, uniram dois usos tradicionais: um militar, o da Senha; e o outro obreiro, o da Cadeia de União[4]. Tais parâmetros foram conjugados e, até hoje, mantidos em vigor nas Obediências Escocesas da Europa, assim:
  • A PS não é UM só vocábulo, são DOIS, ambos com a mesma inicial; por exemplo: Luz/Lua, Sol/Saber ou Fé/Força… É Senha e Contrassenha ou melhor, tal como se diz na França: são as palavras semestrais;
  • Na Cadeia de União, uma palavra vai pela direita, a outra pela esquerda; e, pelo retorno aos ouvidos do Venerável, este diz do acerto da recepção: “Justas e Perfeitas”. Caso ocorra algum erro, o procedimento é repetido até poder ser dado como correto.
À luz do até aqui exposto, retornando à indagação inicial de como “trocar” a Palavra Semestral com o Cobridor, bastaria que o visitante desse a Senha (uma palavra) e recebesse a Contrassenha (a outra palavra) para que, inegavelmente, ficasse estabelecida a regularidade de ambos. Ou seja, a do visitante e a da Loja. Tudo simples, sem invencionices, de forma inteligente!

Aqui poderíamos dar por concluído este trabalho, mas nossos leitores talvez ficassem com duas indagações:
  • A implantação das Palavras Semestrais surtiu o efeito desejado?
  • Por que nós temos somente uma Palavra Semestral?
Respondendo-as, ressalvando a existência de divergências entre os historiadores, podemos dizer que:

Na França, como vimos, a implantação das Palavras fazia parte de um contexto obediencial e programático que, no sentido hegemônico, não alcançou seu fim, pois a animosidade dos Irmãos, Lojas e Obediências tidas por “irregulares” avolumou-se contra ao GOF — que, embora enobrecido com um príncipe de sangue na titularidade do Grão-Mestrado, não conseguiu unificar a Maçonaria Francesa, mas ficou com sua maior fatia.

No nosso caso, a existência de uma só Palavra Semestral, em vez de duas, podemos creditar somente ao desconhecimento do tema, tanto por tradutores quanto por autoridades litúrgicas, os quais — por certo — desconheciam a História da Franco Maçonaria de Findel, que à pág. 65, descrevendo uma iniciação de antanho, quase ao final diz:

“Era libertado da venda de seus olhos, mostravam-lhe as três grandes luzes, colocavam-lhe um avental novo e davam-lhe o santo e a senha (o grifo é nosso), conduzindo-o ao lugar que lhe correspondia no recinto da Assembleia”.

Santo-e-senha, segundo os dicionaristas, são palavras de mútuo reconhecimento.

Aliás, fazendo-se um parêntese, os nossos Veneráveis Mestres. recebem a Palavra Semestral inserida num triângulo (?) e cifrada num código primário, para não dizer infantil, quando bem poderia ser criptografada no antigo alfabeto maçônico. Pelo menos assim, recordaríamos como decifrar certos sinais inseridos no Painel de Mestre, além de nos lembrar a ausência da Prancheta em Loja.

Concluindo, embora desagradando aqueles que buscam origens místicas e mágicas em tudo quando maçonicamente nos cerca, vimos que a Palavra Semestral nasceu de uma contingência nada esotérica. Aliás, daquele contexto, convém ressaltar, se originou a forma democrática de eleição dos Veneráveis Mestres[5] – (apanágio que o GOF até hoje ostenta e orgulhosamente relembra). No mais, acreditamos ter ficado evidente a forma equivocada de transmitir e trocar a Palavra Semestral, totalmente em desacordo com a tradição mais que bicentenária.

Por fim, com a Palavra Semestral distribuída pela CMSB, no primeiro semestre de 2001, apressadamente julgamos ter retornado ao tradicional molde de Senha — Contra Senha. Ledo engano, mas razão suficiente para reformatarmos este trabalho e continuarmos esperando que, um dia, a Palavra retorne à forma originária. Caso isso não aconteça — o que é bem provável — contentamo-nos em fazer a nossa parte: a de difundir mais uma informação sobre nossos Usos e Costumes, para proveito dos cultores das Tradições do R.E.A.A..

Notas

[1] – Sendo seus oficiais: o Duque de Montmorency — Luxemburgo (Administrador-Geral); o Conde de Buzencois (Grande-Conservador (!?); o Príncipe de Rohan (Representante do GM); o Barão de Chevalerie (Grande Orador); o Príncipe de Pignatelly (Grande Experto).

[2] – Militante revolucionário que, sob o cognome de Felipe-Igualdade, votou na Convenção pela morte de seu primo e Ir.·., o rei Luiz XVI. Além disso, em quase vinte anos de mandato, poucas vezes presidiu os trabalhos do GOF; ao fim, renunciou e abjurou a Maçonaria. Foi expulso da Ordem e sua espada foi quebrada “em Loja”. Acabou seus dias guilhotinado como contrarrevolucionário.

[3] – Segundo o Dic. De Frau Ablines (elencado na bibliografia), a Palavra nasceu em 23.07.1777, sob a alegação de que “convencidos por uma larga experiência da insuficiência dos meios empregados para afastar os falsos Maçons, acreditamos que o melhor que se pode fazer é rogar ao Grão-Mestre que dê a cada seis meses uma palavra, que se comunicará aos Maçons regulares, por meio da qual se farão reconhecer nas Lojas que visitarem.”

[4] – Não era, e continua não sendo, um costume universal da Maçonaria, pois presumidamente nasceu na Compagnonnage, corporação obreira do continente europeu que não penetrou na Maçonaria de Ofício Insular (Ilhas Britânicas); consequentemente, a Maçonaria de origem Anglo-Saxã não pratica a Cadeia de União, dizendo-a fora dos cânones maçônicos.

[5] – Os Mestres de Loja, como eram chamados naquela época, tinham conseguido tornar-se donos de Lojas particulares, inamovíveis até 24.05.1773. Nesta data, criado o GOF, foi usado pela primeira vez a expressão “Venerável Mestre de Loja”; e declarado que, daí em diante, não se reconheceria o Mestre elevado àquela dignidade, senão pela livre escolha dos membros da Loja.

Referências bibliográficas
  • A Franco-Maçonaria Simbólica e Iniciática — Jean Palou.
  • A Simbólica Maçônica – Jules Boucher. 
  • Dicionário da FM e dos F. Maçons — Ajec Mellor.
  • Dic. Enciclop. de la Masonería — Don Lorenzo Frau Abrines e Don Rosendo Arús Arferiu.
  • Gr. Dic. Enciclop. de Maçonaria e Simbologia — Nicola Aslan.
  • Jornal “Le Monde”, artigo publicado em 15.09.2000 — Alain Bauer, Grão-Mestre do GOF.
  • O R.E.A.A. — José Castellani. Programa Radiofônico — Domingo, 05.11.2000
  • Entrevista do Grão-Mestre do GOF, Alain Bauer. Revista “A Renascença” nº 22 — abril de 1998.
Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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