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domingo, 22 de janeiro de 2023

EM BUSCA DE NOVA IDENTIDADE MAÇÔNICA

Márcio dos Santos Gomes

O termo “identidade” tem uma diversidade de conceitos e, segundo várias fontes, é entendido como um conjunto de caracteres próprios e exclusivos que permitem diferenciar pessoas, animais, plantas, objetos, produtos, a cultura de um povo, entidades, uma empresa etc.. No seu sentido mais popular representa um documento legal que acompanha um indivíduo e atesta que é o próprio.

É muito comum termos acesso ao documento de identidade de uma pessoa e constatarmos que a foto é antiga e marcas do tempo distanciam as duas imagens, donde se conclui que nada é estático, que a mudança é uma consequência natural da vida.

Na Maçonaria, um conjunto de princípios, chamados os “Landmarks” da Ordem, por se tratarem das mais antigas leis que a regem, lhe conferem uma identidade imutável, sendo considerado os seus limites e que não poderiam sofrer modificações. Muitos dizem que sem eles a Maçonaria já não existiria ou teria tomados outros rumos. Porém, resguardando a sua essência, que a fez prosperar até os nossos dias, não se pode refutar que a Maçonaria recebe influências de época e passa por esse processo sutil de transformação.

Aqui não se pretende atacar a prática da tradição constante nos Rituais e no Simbolismo que se constituem na seiva que mantém a Ordem fortalecida desde o século XVIII e nem por isso sofre de obsolescência, face aos valores morais defendidos. É fato que novos ritos derivaram do original, mantidos os princípios, para atender a projetos de poder inevitáveis quando outros motivos se tornam imperiosos.

Desde sua estruturação em 1717, na forma como hoje a conhecemos, a Maçonaria sempre se posicionou politicamente identificando-se com causas nobres, lutas sociais e movimentos cívicos, revolucionários e libertários, que a fez prosperar até nossos dias, sempre combatendo a intolerância, os preconceitos, os privilégios e defendendo novas ideias. Por isso angariou também a antipatia de poderosos.

No contexto atual, apesar do conceito positivo junto àqueles que a conhecem, ainda é desconhecida por grande parte da população brasileira. No cenário político nacional não tem nenhuma representatividade e não exerce qualquer influência a exemplo da norte-americana ou da europeia, não obstante todo o capital intelectual e consciência de sua importância para as transformações necessárias à promoção da justiça social.

A prática de reverenciar as glórias do passado é por muitos vista como desgastada, sob o argumento de que o seu potencial hoje não é utilizado na sua plenitude, passando ao largo de temas palpitantes e gravosos da atualidade, apenas manifestando-se a sua inconformidade através de posicionamentos perante o povo e reafirmando compromissos históricos de recolocar a Ordem na linha de combate contra as mazelas que pipocam aqui e acolá, sem, contudo, comprometer-se efetivamente na busca de soluções. Comprometimento e envolvimento têm dimensões diferenciadas. Somente caprichar na retórica e bradar que alguém tem que tomar uma providência, de que do jeito que está não pode ficar, de que não dá mais para aguentar et cetera e tal, é muito confortável. O comodismo e o obsequioso silencio político da Maçonaria do Brasil precisam ser quebrados.

Esse cenário nos remete a um acontecimento histórico ocorrido em 13 de maio de 1968, em Paris, onde cerca de um milhão e meio de pessoas participaram de uma marcha contra o governo de Charles De Gaulle. O movimento começou com uma revolta estudantil e foi ampliado com a incorporação de trabalhadores, sindicalistas professores e comerciários e, entre os meses de maio e junho, mais de nove milhões de pessoas declararam greve. Entretanto, De Gaulle venceu as eleições realizadas em junho daquele ano e o movimento se viu derrotado pela então denominada “maioria silenciosa”. Mas o movimento ganhou um simbolismo e transformou-se em um marco das mobilizações políticas e influenciou inúmeras revoltas mundo afora, provocando rupturas e revisão de valores da sociedade.

Neste particular, seria injusto e deselegante deixar de destacar o papel da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, em face de sua permanente contribuição através de parcerias com os Governos do Estado e Municípios, que muita diferença tem feito em favor da Sociedade Mineira. Mas, recorrendo à abrasileirada metáfora de Aristóteles (384-322 a.C.), “uma andorinha não faz verão”. Como fica o Brasil?

É recorrente o argumento de que a Maçonaria brasileira não age como instituição, mas através dos Maçons, o que não comprova a sua história de verdadeiro partido político no passado. Essa realidade e as várias Potências em que se dividiu a Ordem, com destaque para as cisões de 1927 e 1973, com reconhecida perda de sinergias, nos relembra a necessidade de reflexão sobre o conceito de família unida representada pelo “Feixe de Esopo”, do fabulista grego de mesmo nome (séc. VI a.C), que relembra o combalido conceito de que a união faz a força.

Embora haja impedimentos regulamentares para discussão política partidária nas Lojas, dentre outros temas, nada obsta à promoção de debates públicos, fóruns de discussão, seminários, oferecimento de projetos e estudos, investimento em obreiros com potencial eleitoral e orientação do voto maçônico, que promovam o retorno da Maçonaria ao cenário político nacional, em especial na trincheira de combate às mazelas que desvirtuam os valores mais caros do nosso povo.

Para esse fim, torna-se inadiável para a Ordem no Brasil reaprender a traduzir em linguagem política os descontentamentos e anseios latentes em nossa sociedade, mostrando alternativas, ocupando espaços que permitam aos obreiros a reivindicarem, de forma organizada, as mudanças que todos exigem “como nunca antes na história deste país”, pois a perda de contato com a realidade paralisa a consciência crítica. O dramaturgo e poeta Bertolt Brecht (1898-1956) certa vez escreveu em uma poesia: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala. Nem participa dos acontecimentos políticos...”. Aquele pensador ainda reforçou: “Que continuemos a nos omitir da política é tudo o que os malfeitores da vida pública mais querem”.

Essa reflexão invariavelmente resvala na dúvida a respeito da identidade da Maçonaria. Teria ela se perdido nestes tempos de mudanças-minuto, ideias curtas e respostas rápidas? Atualmente, bastaria apenas parecer bonito e importante na foto? Restaria à Maçonaria no Brasil apenas um grande passado pela frente e permanecer contemplando-se no retrovisor da história?

E assim retomamos os questionamentos primitivos onde precisemos saber primeiro o que somos, para onde iremos, o que nos motiva, que questões nos unem e nos moldam. Sem isso a imagem no documento de identidade ficará cada vez mais irreconhecível em confronto com a realidade de quem a exibe.

“Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer.” (Molière, dramaturgo francês)

Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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