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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

AUTO-OBSERVAÇÃO

Por Benjamin, Meliton.
Ao buscar observar um Estado Interno o indivíduo poderá encontrar algumas dificuldades. Um Estado Interno é resultante da equação entre diversos fenômenos externos e internos. Dentre os fenômenos externos estão toda a classe de estímulos sensoriais que sejam captados pelos nossos órgãos dos sentidos. Logo que captados pelos sentidos os estímulos chegam as respectivas áreas de processamento primário do Córtex e, ainda sim, podem não promover nenhum efeito significativo em nosso comportamento.

Assim que as informações sensoriais são mais processadas, ou seja, assim que são transmitidas a outras regiões corticais pelas Vias de Associação, então estendem sua inevitável influência sobre muitas regiões do organismo criando assim um Estado Interno, podendo este ser mais ou menos visível em nosso comportamento.

Mas nem todo Estado Interno é proveniente direto da estimulação ambiental. Alguns estados internos podem ser gerados apenas por uma lembrança, seja uma emoção ou uma ideia, um pensamento.

Um Estado Interno é dependente das duas variáveis comportamentais mais básicas: as características inatas e as condicionadas. Todo o comportamento humano pode ser subdividido nestas duas categorias sendo que, ao mesmo tempo, todo comportamento conta com alguma porção de influência de nossas tendências inatas (características genéticas e neonatais) e de nossos condicionamentos (características assimiladas com as experiências).

Ao observar o seu Estado Interno o indivíduo estará diante de todas estas classes de informações e a partir destas poderá progressivamente ampliar suas capacidades de Autorregulação, Controle Inibitório e Alteração Voluntária do Comportamento. Entretanto, a Auto-observação exige do indivíduo o desenvolvimento de uma função Neuropsicológica normalmente pouco desenvolvida: a Interocepção.

Em 1906 o cientista britânico Charles Scott Sherrington publicou algumas de suas mais interessantes descobertas em sua obra The Integrative Actions of the Nervous System. Ele percebeu que algumas terminações nervosas dos organismos animais não eram ativadas de nenhuma maneira por estímulos externos. Avançando com suas pesquisas Sherrington pode entender que estas terminações nervosas eram responsáveis pela percepção dos estímulos internos ao corpo tais como: movimento, diferenças de pressão, variações metabólicas, etc. Notou que alguns destes nervos eram especialistas na percepção do movimento e postura corporal e outros pareciam mais especializados na percepção de variações metabólicas, temperatura e outras variáveis internas.

Os primeiros batizou pelo nome de Proprioceptores (responsáveis pela percepção do Movimento) e os segundos pelo nome de Interoceptores (responsáveis pelas demais percepções internas) os quais, ambos, se distinguiam dos Exteroceptores (responsáveis pelas percepções dos estímulos externos).

Com o avanço das pesquisas com respeito a Interocepção se pode entender que no Encéfalo humano existe uma região específica responsável pelo controle das funções Interoceptivas. Esta região está batizada sob o nome de Córtex Insular (Damasio et al., 1996, 2000 apud PAYNE, Peter; LEVINE, Peter A.; CRANE-GODREAU, 2015). O Córtex Insular já foi apelidado pelo nome de “A Ilha Escondida de Reil” em homenagem ao seu descobridor o alemão Johann Christian Reil. O nome “A Ilha Escondida” se deve ao fato de sua singular localização, abaixo de camadas corticais mais exteriores. Por conta desta mesma localização faz ponte entre as camadas neocorticais e a região Límbica – importante comentar a relevância do papel das áreas límbicas na produção e modulação de nossas emoções.
Córtex Insular.

Partindo-se da premissa Neuropsicológica deveremos entender que cada manifestação do que comumente chamamos de pensamento e de emoção conta com a ativação de certos circuitos neurais, com a produção de determinados neurotransmissores e outras substâncias, com a manifestação de determinado equilíbrio no balanço autonômico, na termogênese, etc. Assim o estudo da Psicologia, do Comportamento, segue a via das manifestações do corpo porém das manifestações muito sutis as quais só podem ser melhor apreendidas por sistemas Interoceptivos bem desenvolvidos.

Um dos primeiros obstáculos à Auto-observação e ao desenvolvimento Interoceptivo são as nossas marcadas tendências Exteroceptivas. Estamos comumente orientados para fora, não há uma pedagogia comum que tenha nos ensinado a orientação para dentro. Assim, todas as nossas manifestações internas, todas as nossas variáveis comportamentais, costumam ser geridas ao mero acaso. É precisamente este erro ou esta carência pedagógica que a Psicologia e, em nosso caso, mais especificamente a Neuropsicologia, busca suprir.

Quando nossas atividades mentais e emocionais encontram-se mal geridas tendem apenas a perpetuar os mesmos problemas ou mesmo a multiplicá-los diariamente. Um comportamento, seja qual for, pode ser reforçado não apenas por estímulos externos mas também por suas próprias manifestações internas. Assim, se temos medo de algo, por exemplo, e não gerenciamos as nossas emoções e os nossos pensamentos podemos seguir reforçando a experiência e o comportamento de medo mesmo muitos dias após o evento ocorrido. Tudo isto para o nosso próprio malefício.

Para o exercício da Auto-observação é necessário, em primeiro momento, exercer um mínimo de Auto-controle: de Atenção Seletiva e Controle Inibitório. É preciso também, por meio de certos mecanismos básicos, saber refrear o curso das experiências internas e provocar Estados Internos voluntariamente, ainda que de forma parcial.

Dizemos “de forma parcial” especialmente porque o nosso controle exercerá domínio a apenas alguns poucos circuitos do Sistema Nervoso Central e contará com um parda manifestação comportamental. Mais além de nosso controle estarão ainda muitas regiões e muitos mecanismos Neuropsicológicos não alcançados os quais seguem se processando de forma autômata segundo seus próprios condicionamentos.

O exercício Interoceptivo cobrará do organismo muitos esforços Pré-frontais e Insulares os quais, naturalmente, consumirão grande energia e levarão o organismo ao cansaço logo em breve. Como em todo exercício a prática leva a perfeição e, assim, a Interocepção Voluntária que a princípio pode ser tão nova e difícil se tornará gradualmente mais fácil e, portanto, menos desgastante.

Durante o exercício Interoceptivo o organismo tenderá a todo momento a retomada dos processos automáticos de pensamento, emoção e movimento. Estes processos automáticos são mais fáceis pois não cobram quase nenhum esforço Pré-frontal e Insular e, portanto, consomem menos energia. Infelizmente a atividade automática do organismo não tende a levar a alteração dos padrões disfuncionais de nosso comportamento do contrário, tendem a reforçá-las.

O nosso trabalho com a Neuropsicologia Aplicada se fará no sentido do desenvolvimento Interoceptivo e da Administração Voluntária de nosso comportamento.

Seguiremos com este raciocínio em publicações futuras.

PAYNE, Peter; LEVINE, Peter A.; CRANE-GODREAU, Mardi A. Somatic experiencing: using interoception and proprioception as core elements of trauma therapy. Frontiers in psychology, v. 6, p. 93, 2015.

Fonte: https://bibliot3ca.com

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