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domingo, 21 de janeiro de 2024

O PROFANO E A MAÇONARIA

Ceia em Emaus, Caravaggio, 1601
Cesarino Carvalho Junior[1]

E ficaram sentados com ele na terra sete dias e sete noites; e nenhum deles lhe dizia palavra alguma, pois viam que a dor era muito grande. Jó, 2:13

Introdução

Nestes anos na Maçonaria, tive a oportunidade de presenciar alguns Tempos de Estudos que discorrem sobre o comportamento do Maçom no dia a dia, a indicação de um potencial Maçom, o apadrinhamento de um Maçom, etc. E também tenho ouvido, por outro lado, a distinção do profano, seja no ritual ou em discursos apresentados em Loja. Sempre tive dúvidas sobre a devida aplicação da palavra profano como adjetivo, seja para o indivíduo (“aí vem o profano…”) ou no coletivo (“no mundo profano…”), ou para a Maçonaria. Ainda, qual a verdadeira função de um Maçom frente ao distinto profano, o comportamento do Maçom neste mundo profano, a indicação e apadrinhamento de um profano? Logo, este estudo busca dirimir minhas dúvidas, ao menos parcialmente.

Desenvolvimento

“Batem profanamente à porta do Templo” repetem os Irmãos Cobridor e Vigilantes na Iniciação de um candidato à maçonaria (GOB, 2009a, p. 98). Nesta mesma seção, o Irmão Venerável pede a todos os Irmãos que se armem, pois um profano se acha à porta do Templo, e indaga o Irmão 1º. Esperto sobre a indiscrição de conduzir um profano: – O que ele quer? O que deseja?

Como podem ver, até o momento não há nada pejorativo, parecendo-me que o uso do adjetivo é, simplesmente, para diferir de nós, Irmãos da Fraternidade, aquele que está do lado de fora da nossa casa, o Templo Maçônico.

Quando estamos, no dia a dia, fora do Templo, somos um profano também ou somos um Maçom no mundo profano?

A etimologia da palavra profano vem do latim pro (ante) + fanum (templo), ou seja, aquelas pessoas que estavam dentro do templo eram consideradas sagradas ou religiosas e as que ficavam fora ou na frente do templo eram as não religiosas ou profanas (Dicionário Etimológico, 2016). Também, no Dicionário de Significados (2016),

O profano é tudo que transgride as regras sagradas. É o que se torna contrário ao respeito devido às coisas divinas. Gramaticalmente, profano é um adjetivo que qualifica o que é estranho à religião. Do latim profanum. Ser profano é violar as regras sagradas, é fazer uso abusivo de práticas impuras, indignas (grifo nosso). No sentido figurado, profano é aquele indivíduo que é alheio ou estranho às ideias e conhecimentos sobre determinado assunto, é um leigo.

Entretanto, num dicionário informal, onde muitos podem acrescentar suas próprias definições, temos como citação sinônima de profanos os seguintes adjetivos: alheio, distraído, estranho, forasteiro, impróprio, leigo, ádvena, adventício, alienígena, desconhecido, esquisito, estrangeiro, exótico, extravagante, invulgar, misterioso, ignorante, laico e mundano, dentre outras citações. E, como antônimo, os adjetivos: sagrado, sacro, santo, religioso e hierático.

Voltando um pouco no tempo, no Concílio de Éfeso (431 d.C.) foi lida a segunda carta de Cirilo a Nestório, dentre outras, a qual continha suas declarações a respeito do Filho de Deus como o sujeito da vida humana de Jesus Cristo e criticava severamente o dualismo cristológico de Nestório.

(Nestorianismo – [Do lat. Nestorianismus] Heresia pregada por Nestório, patriarca de Constantinopla. O cerne desta doutrina era a não admissão da união hipostática das duas naturezas em Jesus Cristo: a divina e a humana). Os bispos voltaram em favor dela como a interpretação verdadeira e autorizada do Credo Niceno no que dizia respeito à pessoa de Jesus Cristo. Finalmente o concílio condenou Nestório e sua cristologia como heresia. O Concílio de Éfeso, em geral considerado o terceiro concílio ecumênico da Cristandade, não promulgou qualquer credo novo, mas endossou uma crença e a declarou obrigatória para todos os cristãos. É uma fórmula dogmática tirada quase que palavra por palavra das cartas de Cirilo a Nestório: “O eterno Filho do Pai é um e exatamente a mesma pessoa que o Filho da Virgem Maria, nascido no tempo e na sua carne; por isso, ela pode ser corretamente chamada Mãe de Deus”. (Concílio de Éfeso apud Rodrigues, 2015).
Concílio de Éfeso.**
Como podemos ver, o dualismo tem sua discussão há tempos, onde o Nestorianismo enfatizava a desunião entre as naturezas humana e divina de Jesus. Nesta mesma linha de pensamento, há uma desunião entre o profano e o Maçom, no mundo profano? Somos uma pessoa de duas naturezas?

A Maçonaria tem entre seus nove postulados universais a proibição de discussões ou controvérsias sobre matéria religiosa (Postulado VII), pois não é uma religião, mas acredita na existência de um princípio criador, o Grande Arquiteto do Universo (Postulado I). A Maçonaria é uma instituição essencialmente iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista e tem entre seus catorzes princípios gerais, o segundo princípio que estabelece: “pugna pelo aperfeiçoamento moral, intelectual e social da humanidade” (GOB, 2009a, p. 05).

Nestes contextos, tenho a entender que para a Maçonaria a definição de profano está ligada diretamente àqueles que ainda não pertencem à Ordem, sem necessariamente ser ou não um religioso, pois, todos externos a esta, podem, e muitos são religiosos, sem ser necessariamente um Maçom ou um profano.

Todos os que estão fora do Templo são profanos? Há profanos que podem adentrar ao Templo? Enquanto profano, a Maçonaria poderia trabalhar para o seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social? Como fazer isto?

O autor Mark Koltro-Rivera, Mestre Maçom, Grau 32, Winter Park Lodge #239, Florida, cita que o profano para ser aceito na Maçonaria deve ser homem, acreditar em um Ser Supremo, ter uma certa idade, ser física e mentalmente capaz, ser interessado na Maçonaria, ser livre e ser de bom caráter moral (tradução livre) (Koltro-Rivera, 2007, p. 150).

Como se vê, a busca por um potencial Maçom no mundo profano é uma tarefa interessante, pois sempre haverá o julgamento por um Maçom de alguém que vive e convive num mundo profano. Como ficar alheio à estas diferenças. Na instrução citada, dois pontos são mais difíceis de se prejulgar: da capacidade mental e do caráter das pessoas. As demais me parecem mais facilmente identificadas. Ora, um dos trabalhos da Maçonaria está efetivamente no desenvolvimento moral, como princípio. Seria uma função da Maçonaria atuar junto aos profanos para este desenvolvimento, fora do Templo?

Neste diapasão do profano e seu julgamento para adentrar em Loja, gostaria de comentar a existência de algumas formações de Lojas Regulares, nas quais seus membros são policiais ou juízes ou promotores públicos, por exemplo, para não citarmos outras. Sem querer menosprezar as atividades de um policial, juiz ou promotor, aliás todas dignas, pela natureza de proteção da sociedade. No entanto, no exercício profissional, no mundo profano, eles necessitam, muitas vezes, tomar atitudes ou ações passíveis do julgamento humano, às vezes até contrariando seus Irmãos. Então nunca seriam Maçons?

Conclusão

Não sei quantos profanos já rejeitamos ao baterem em nossa porta e ainda quais são os verdadeiros profanos que permitimos bater em nossas portas, mas sei que sempre haverá um prejulgamento para quem possa ser um Maçom, para quem devemos convidar para a Maçonaria. Sei também que sempre haverá uma análise da comissão em Loja para uma avaliação prévia e válida.

Não nos inibamos com isto para deixarmos de convidar aqueles que entendemos como potenciais Irmãos, lembrando que todo Irmão, antes de ser Maçom foi um profano. Aproveito para concluir este Tempo de Estudo com mais algumas questões para nossa reflexão: Quem é um profano para nós? Quem somos nós no mundo profano? No lado externo do Templo, agimos como Maçom ou como profano? Como ser humano temos duas naturezas?

Bibliografia

BANDEIRA, Paulo Maurer. O profano e o maçom dentro de cada um de nós. Site: da A...R...G...B...L...S... Cel. Aparício Mariense da Silva – Or... de São Borja, RS.

CAILLOIS, Roger. O Homem e o Sagrado. Lisboa: Edições 70, 1988.

DICIONÁRIO ETIMOLÓGICO. Disponível em: www.dicionarioetimologico.com.br. Acesso em: 2023.

DICIONÁRIO INFORMAL. Antônimo e Sinônimo. Disponível em: www.dicionarioinformal.com.br. Acesso: 2023.

ENCICLOPÉDIA SIGNIFICADOS. Disponível em: www.significados.com.br. Acesso em: 2023.

GOB – Grande Oriente do Brasil. Ritual 1o Grau: Aprendiz Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito. São Paulo: GOB, 2009a.

GOB – Grande Oriente do Brasil. Constituição do Grande Oriente do Brasil. Edição Especial: São Paulo: GOB, 2009b.

KOLTRO-RIVERA, Mark Edward. Freemansory: an introduction. LVX Pub. Co., 2007.

RODRIGUES, André. Concílio de Éfeso, em 431 – como foi? Blog: Teologia em Alta, 2015.** Fonte: Teologia em Alta. Disponível em: https://teologiaemalta.blogspot.com/2015/12/concilio-de-efeso-em-431-como-foi-por.html. Acesso: set. 2023.

[1] A.·.R.·.L.·.S.·. Fraternidade Sumaerense – Oriente de Sumaré/SP

Fonte: https://bibliot3ca.com

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