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quarta-feira, 19 de junho de 2024

ENSAIO SOBRE UM AMANHÃ QUE HÁ DE SER OUTRO DIA

Kennyo Ismail
Quem nunca escutou alguém mais velho dizer que em sua época algo era melhor? Na verdade, quem nunca, tendo mais de cinquenta anos, não pensou ou falou algo nesse sentido? Essa nostalgia é tão comum que já virou até tema de música raiz, “A vaca já foi pro brejo”, de Tião Carreiro e Pardinho:

O mundo velho está perdido Já não endireita mais
Os filhos de hoje em dia Já não obedecem aos pais É o começo do fim
Já estou vendo sinais
Metade da mocidade estão virando marginais1

Esse sentimento, a nostalgia, é baseado numa visão idealizada do passado, e não real. Sabe quando você lembra do sabor maravilhoso de um doce da infância e, quando encontra e come o doce novamente, é horrível? Então você pensa: “mudaram o sabor”. Na verdade, sempre foi horrível, mas você era criança. O mesmo ocorre, em algum grau maior ou menor, com praticamente todas as suas boas lembranças do passado.

Você querendo ou não e gostando ou não, nossa sociedade evolui. No meio da escalada de evolução pode haver alguns escorregões e estagnações, mas a longo prazo, estamos subindo a montanha evolutiva. E quem observa isso não sou eu, mas historiadores, professores e pesquisadores do quilate de Yuval Harari.

Esses estudiosos da história da humanidade têm alguns exemplos simples para comprovar isso. Antes, as pessoas morriam por machucados simples, pois não havia antibióticos; um homem com quarenta anos era considerado velho, porque a expectativa de vida não chegava a tanto. Milhões morriam de fome na Índia ou na África e poucos se importavam. Pestes dizimavam boa parte da população do mundo ocidental por falta de higiene e vacinas. A Igreja torturou e matou por séculos e ninguém fazia nada a respeito.2

Hoje, a fome ainda é um problema, mas bem menor e já se vislumbra sua erradicação. Para se ter uma ideia, há mais pessoas com problema de sobrepeso no mundo do que de desnutrição. Além disso, a medicina está cada dia mais avançada. Existe esforços de combate a pandemias, com colaboração de dezenas de países. E é impossível imaginar atualmente o Papa ordenando publicamente a morte de alguém.

E quanto às guerras? A contagem de mortos era em dezenas de milhares. Hoje, cada civil que morre na Ucrânia é sentido por todo ser humano decente e fala−se a todo instante em cessar−fogo, corredor humanitário e negociação. Outro detalhe é que não se houve mais falar em armas químicas e biológicas como antigamente.

Com a melhoria da alimentação, da saúde e da expectativa de vida, que praticamente dobrou, ganhamos novos problemas. A Europa já enfrenta uma redução populacional com a queda de nascimentos frente a uma população cada dia mais idosa. O Brasil segue para o mesmo caminho: atualmente, conforme o IBGE, há mais idosos no país do que crianças e, com isso, a questão previdenciária bateu à nossa porta. Contudo, a expectativa é de que nossa população continue a crescer até os anos 2040, quando começará a redução populacional.3

Além disso, não se pode desconsiderar o Metaverso. Por muitos anos, a ficção científica abordou esse conceito, que vem se tornando uma realidade. Atualmente, faz parte de nossa realidade bancos digitais, moedas digitais (criptomoedas), arquivos digitais, home−offices, etc. Ou seja, assim como a Revolução Industrial veio, ao final do século XVIII, mudar o sistema de produção, toda a cadeia produtiva e, consequentemente, o modo de vida da sociedade; o Metaverso mudará o sistema de prestação de serviços e interações sociais, desde a educação até o lazer.4 E é claro que todos esses benefícios trarão novos problemas a serem solucionados, como novos tipos de doenças, etc.

E o que a Maçonaria Brasileira tem com isso? Tudo. Nós, maçons, somos seres sociais. Não somos monges que vivemos isolados meditando, trancafiados em lojas maçônicas, mas cidadãos socioculturalmente ativos, que frequentamos reuniões maçônicas apenas algumas horas por semana, ou em alguns casos quinzenalmente ou mensalmente. E, da mesma forma, assim são os futuros maçons.

Seguindo a tendência brasileira, nossa população maçônica tenderá a envelhecer, se não fizermos nada a respeito. E, como no Brasil, nossa população maçônica, que ainda cresce, começará a reduzir, e não por conta dos altos índices de evasão que temos, mas pelo falecimento em massa de uma maçonaria idosa que teremos, como foi com os EUA, a Inglaterra e outros países.

Então, algo precisa ser feito, não apenas no âmbito previdenciário, como o Brasil, pois algumas potências mantêm fundos de beneficência que funcionam como seguros de vida maçônicos; mas principalmente para rejuvenescer nossa Maçonaria antes dos anos 2040. E para isso, para que a Maçonaria permaneça sendo algo interessante aos jovens de bem, ela não pode se alienar da sociedade.

Não se trata de mudar nossas mensagens centenárias, que são atemporais e devem ser preservadas, mas de permitir inovações no meio em que são transmitidas. Assim como os maçons de hoje não vão mais para a Loja a cavalo, os de amanhã não necessariamente irão para a loja física, mas para uma versão no Metaverso. Mas para isso, precisamos nos preparar e permitir que essas lojas existam.

Do mesmo modo que o WhatsApp não fazia parte da sua vida há dez anos e hoje é uma ferramenta presente e quase que essencial no seu dia−a−dia, o Metaverso fará parte do cotidiano dos maçons mais jovens, independente se hoje gostamos da ideia ou não.

Assim, tem−se um grande desafio pela frente de mudança na cultura organizacional. Num país cuja a Maçonaria ainda se mostra, em grande parte, preconceituosa contra os deficientes físicos, na contramão do restante do mundo maçônico,5 o mundo presencia o avanço no desenvolvimento de próteses que, em muitos casos, supera o desempenho do membro biológico. Em breve, os “limitados” serão aqueles sem os aprimoramentos sintéticos tecnológicos. Além disso, no caso da Realidade Virtual, não haverá aleijados entre os meta− humanos e os avatares.

Alguns irmãos podem pensar que isso está muito distante da realidade. Chamadas em vídeo também eram ficção científica na minha infância. Hoje, fazemos reuniões virtuais, vendo a todos os irmãos ao vivo. Isso era impensado há poucos anos.

Portanto, é nossa responsabilidade preparar o terreno maçônico brasileiro para atrair e reter as futuras gerações de irmãos e esse preparo está intimamente ligado a reduzir o conflito entre gerações, aceitar e adotar as novas tecnologias como meios para nossas valiosas mensagens imutáveis, combater os preconceitos em nosso meio para com os deficientes físicos e todos aqueles que têm religião, ideologia política e orientação sexual distintas da nossa. Tudo isso é condizente com os ensinamentos maçônicos que repetimos em nossas reuniões, de combater a ignorância, a intolerância e o fanatismo, levantando templos à virtude e cavando masmorras ao vício.6

Fui o responsável por uma pesquisa feita em 2018, que verificou que começaremos um vertiginoso declínio no quantitativo de membros da Maçonaria Brasileira após 2035.7 Mas deixe− me contar um segredo: quando se vê o futuro, ele muda. Esse paradoxo é algo similar à experiência hipotética do Gato de Schrödinger. Um exemplo clássico dado por Harari8 é Marx, que previu a revolta do proletariado, em sua obra “O Capital”.9 Os governantes e industriais do Ocidente, ao tomarem conhecimento daquela teoria e começarem a ver os primeiros sinais de manifestações, passaram a patrocinar benefícios e, posteriormente, leis trabalhistas. Então a famosa revolta que tomaria o mundo não aconteceu. O mesmo havia ocorrido com Malthus e sua teoria sobre a escassez de alimentos.

A Maçonaria Brasileira pode impedir o vertiginoso declínio que ameaçará a continuidade da instituição no país. Para isso, basta que promovamos as mudanças necessárias. Algumas dessas mudanças podem parecer tão negativas para alguns de nós como a implementação inicial de férias e décimo terceiro salário foi para os industriais. Entretanto, precisamos praticar o difícil exercício de nos colocarmos no lugar do próximo: um trabalhador prefere um emprego com benefícios, direitos e garantias, que ofereça um ambiente acolhedor e inclusivo. Na Maçonaria, que não deixa de ser um trabalho voluntário, é idêntico.

Essa fase de que temos um tesouro reservado a poucos escolhidos, além de falaciosa, precisa acabar, caso queiramos que a Maçonaria Brasileira sobreviva. Precisamos, o quanto antes, inaugurar a fase de que, se a Maçonaria faz bem para mim, pode fazer o mesmo para todos os homens de bem que assim desejarem, estejam eles de forma presencial ou online. Somente assim escreveremos um novo futuro para nossa Ordem.

NOTAS:

1 CARREIRO, Tião; PARDINHO. A vaca foi pro Brejo. Álbum: Golpe de Mestre, 1979.
2 HARARI, Yuval Noah. Homo Sapiens: Uma breve história da humanidade. Porto Alegre: L&PM, 2017.
3 IBGE. Projeções da População. Rio de Janeiro: IBGE, 2018. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9109−projecao−da− populacao.html?=&t=downloads
4 BALL, Mathew. The Metaverse: And How It Will Revolutionize Everything. New York: Liveright Publishing Corporation, 2022.
5 ISMAIL, Kennyo. Debatendo tabus maçônicos. Londrina: A Trolha, 2016.
6 ISMAIL, Kennyo. O livro do Venerável Mestre. Londrina: A Trolha, 2018.
7 ISMAIL, Kennyo. Relatório de Pesquisa: Maçonaria Brasileira no Século XXI. Santa Cruz de la Sierra: CMI, 2018.
8 HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: Uma breve história do amanhã. Trad. Paulo Geiger. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
9 MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Veneta, 2014.

Fonte: noesquadro.com.br

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