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quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O SILÊNCIO DO APRENDIZ

Autor desconhecido, publicado em l’ Edifice. https://www.ledifice.net/
Tradução J. Filardo

Vou lhes falar sobre o silêncio, aquele pelo qual todo maçom deve passar, o do Apr⸫. O silêncio é algo que não vemos, que não é tangível, que não podemos segurar nem ouvir. Por outro lado, podemos senti-lo, apreciá-lo, escutá-lo. É difícil falar sobre o silêncio, porque quando falamos dele, nós o quebramos. Pode ser que, se você se der ao trabalho de escutá-lo, ele fale por si mesmo? Mas o que é silêncio e por que é o atributo do Apr⸫?
1. Estudo do silêncio

O silêncio, etimologicamente, vem do latim silentium, que significa ausência de ruído e silere significa estar em silêncio. Mas quem diz ausência também diz presença, assim, como o silêncio permite que o Apr⸫ apreenda uma presença e qual é essa presença?

E, então, o silêncio é realmente uma ausência de ruído ou som? E o que é um som? É uma vibração emitida por um corpo em movimento. Portanto, quanto mais rápidas as vibrações, mais alto é o som. Por outro lado, quanto mais lentas as vibrações, mais baixo o som. Mas o corpo humano só percebe um certo tipo de vibração (ouvimos de 300 Hz a 20.000 Hz e escutamos cada vez menos à medida que envelhecemos). Os animais percebem muitos outros sons. Podemos deduzir que o silêncio é relativo a todos os seres vivos e que cada ser humano tem uma qualidade de escuta diferente dos outros.

Assim, o que parecerá ser silêncio para um não o será necessariamente para outro. Tudo depende da capacidade de cada pessoa de ouvir e prestar atenção. De acordo com o estudo do ruído, o silêncio absoluto não pode existir, uma relação sinal-ruído define um som, um decibel é sua medida, mas o ruído de 50 decibéis, por exemplo, é o silêncio, a relação entre sinal e ruído. Então, vamos fugir da realidade do mundo profano e entrar no mundo sagrado. Mas antes desta viagem, analisemos o silêncio do mundo profano.

2. Silêncio externo: um convite a fugir da nossa vida profana

· Os chamados silêncios profanos existem: não podemos listá-los todos, mas alguns têm um simbolismo muito forte.

· O minuto de silêncio para lembrar aqueles que nos foram amados e que faleceram cedo demais e para sempre em silêncio.

· O silêncio também pode ser hipócrita: por exemplo, aquele que quer ficar calado diante de certas injustiças ou palavras difamatórias. Também o mantemos, a fim de evitar qualquer controvérsia, diante de certos comentários difamatórios, ou ações realizadas em todo o mundo por interesses políticos, comerciais, etc.

· De acordo com os dicionários e o senso comum, o silêncio é definido de forma bastante negativa, pois é falta ou ausência de fala, de qualquer ruído, de qualquer agitação, é a não presença, o estado de alguém que não fala, escreve ou expressa uma opinião.

· De acordo com a expressão “quebrar o silêncio“, é acabar com um segredo insuportável (um silêncio).

· Em nossa sociedade da comunicação, é claro que fugimos do silêncio e, em vez disso, nos forçamos a viver em um ambiente barulhento… que finalmente é sentido como difícil de tolerar, insuportável, desumano. Isso levou Alain FINKIELKRAUT[1] a dizer “Desejo ver o nascimento no ano 2000, a internacional dos amigos do silêncio. O silêncio está morrendo, o barulho está tomando conta: seria uma calamidade ecológica da qual ninguém está falando. Mais e mais carros, motocicletas com escapamentos abertos, hi-fi, walkmen ou celulares cuspindo seus ritmos e toques binários nos ouvidos de todos, cada vez mais identificação entre vida, celebração e percussão. Devemos reabilitar este doce companheiro caluniado: o silêncio.

· O silêncio também está presente em lugares não religiosos: cinemas onde durante um filme se ouve “shhh” aqui e ali para exigir silêncio; no teatro, onde o fato de uma pessoa tossir ou espirrar causa um barulho ensurdecedor; em uma sala de concertos onde músicos e música são ouvidos de forma religiosa.

· Os silêncios também estão presentes em círculos mais mafiosos ou terroristas, onde reina a lei do silêncio, a “omerta”. O silêncio do desprezo. Não devemos confundir o silêncio dos sábios com o dos ignorantes… No entanto, ambos têm algo a dizer!!

3. O silêncio interior do mundo sagrado

Mais simbolicamente, o silêncio representa o descanso da alma, a paz, o luto, a serenidade ou a manifestação do divino. Eu pratiquei durante um treinamento infantil em Montmartre, por exemplo.

O silêncio ocupa um lugar privilegiado em todas as grandes correntes espirituais. Todos eles a defendem como um fator concomitante na elevação da alma a um plano espiritual superior. A prática da oração é universalmente difundida, uma situação de solidão silenciosa que supostamente nos aproxima do Divino, assim como as práticas mais extremas do eremitério ou do retiro monástico.

No Ocidente cristão, por exemplo, os mosteiros impuseram o Grande Silêncio, que durava das Completas até as Terças matinais, favorecendo a união com Deus. “Fique em sua cela e sua cela lhe ensinará tudo“, dizia São Bento.

Com exceção de alguns casos raros, todos os místicos cristãos sentem o silêncio coletado como permitindo que uma presença oculta se manifeste, talvez para “um murmúrio suave e leve ser ouvido” (1º Livro dos Reis 19:12). Este é o silêncio da primeira lição de Buda: “Fique em silêncio dentro de si mesmo e ouça“. Indo ainda mais longe nessa noção de Silêncio, certas disciplinas orientais praticadas no budismo e no hinduísmo não o veem mais como um meio de transcendência, mas como o objetivo final de seu trabalho sobre si mesmas. O silêncio não é mais uma condição estimulante do ambiente externo, mas um ideal de um estado interior a ser alcançado, onde a mente, livre da escória da linguagem e do pensamento, pode finalmente revelar-se a si mesma em lucidez e serenidade.

Notável é essa concepção muito interessante e sem precedentes de uma prática mística baseada no silêncio: o hesicasmo.[2] A meio caminho entre o Oriente e o Ocidente, este ramo do monaquismo ortodoxo também procura desfazer a consciência do fluxo incontrolável de pensamentos indesejáveis, a fim de trazer a graça de Jesus Cristo para o seu coração, que se tornou um templo do Espírito Santo, através da repetição de mantras análogos aos métodos orientais. “Quem ama o silêncio torna-se amigo especial de Deus“, ensinou São João Clímaco, um de seus mais ardentes representantes.

Assim, através dessa ausência de vibração, a alma pode se retirar para dentro de si mesma e passar do material para o espiritual, até mesmo para o divino. Na maioria das religiões, o silêncio permite uma lembrança da alma (estado de meditação ou contemplação): este é o contato divino. Quando uma pessoa morre, diz-se que a alma deixa o corpo para ir para o Oriente eterno. O silêncio de quem não é mais é a manifestação dessa jornada em direção ao eterno (49 dias para os budistas tibetanos, ou seja, 7*7). Dizer que o silêncio é a manifestação do divino é falar da luz que ilumina cada um de nós…

Essa luz que está dentro de nós se manifestará mais facilmente no silêncio, na meditação. No fundo de uma cripta, um santuário, um templo, uma catedral há silêncio; assim, mosteiros ou certas comunidades fizeram voto de silêncio para estar mais atentos a Deus (como as carmelitas de Austin)[3].

4. O silêncio do Apr⸫

Essa associação de silêncio e luz me lembra do meu tempo no think tank. Enquanto reinava o silêncio, tive que escrever meu testamento filosófico. Isso me levou a fazer um balanço da minha vida, a refletir sobre mim mesmo e sobre os símbolos presentes. Uma viagem silenciosa foi proposta. V.I.T.R.I.O.L[4], que significa “visite o interior da terra e retificando-se, você encontrará a pedra oculta“. Comecei a falar com o crânio porque o silêncio me perturbava. Então eu segui com os olhos vendados um futuro Ir⸫ segurando meu braço em perfeito silêncio. Esse silêncio foi quebrado por um barulho ensurdecedor.

É viajando para o coração de nós mesmos que encontraremos a luz. Mas essa jornada introspectiva só pode ser feita em silêncio filosófico. O silêncio não é, portanto, um objetivo, mas um meio para melhor se encontrar, para se reencontrar, para ter consciência de seu lugar no universo e do fato de que faz parte de um todo. O silêncio é um meio de alcançar o conhecimento, a luz.

Não é fácil definir o silêncio de um Ir⸫, no vestido, na festa, ao chamado do V⸫ M⸫ da Loja, é relativo a cada ser humano. Mais simbolicamente, o silêncio é definido como o meio de alcançar a luz. Permite que a alma se eleve, o Homem se concentre. Por que é o atributo de Apr⸫? Como seu nome sugere, o Aprendiz passa por um período de aprendizado durante o qual ele aprenderá, meditará nas palavras de seu Ir⸫.

Ser Apr⸫ é aceitar ficar em silêncio, ouvir o outro, aprender, colocar-se em uma posição de humildade.

O Apr⸫ é definido como não sabendo ler ou escrever e só podendo soletrar. Quando ele soletra a palavra sagrada, ele é guiado por um interlocutor, um Ir⸫ que lhe dá a primeira letra. Então o Apr⸫ é capaz de fornecer a ele o segundo. Entre cada letra falada, há um silêncio que nos revela que o Apr⸫ não pode falar. Para quê?

O Apr⸫ está na coluna norte para aprender a falar e se ele soubesse como fazê-lo, ele não estaria aqui… No entanto, o Apr⸫ sabe como soletrar quando é guiado por um M⸫.

O Apr⸫ ainda não sabe pensar bem. Ao longo de seu aprendizado, o maçom meditará em silêncio sobre as palavras de seu Ir⸫, mesmo que discorde delas, o fato de permanecer em silêncio o obriga a trabalhar sobre si mesmo, a reprimir seus impulsos e a refletir sobre o que foi dito.

Ele só se tornará um verdadeiro Companheiro Maçom a partir do momento em que sua mente for aberta através do estudo para a compreensão dos mistérios maçônicos. A Maçonaria solicita os esforços de todos, evitando inculcar dogmas. O neófito é colocado no caminho da verdade, mas deve trabalhar por si mesmo, isto é, cortar sua pedra.

O sinal da ordem parece conter o borbulhar das paixões e, assim, preservar a cabeça de qualquer exaltação que possa comprometer nossa lucidez de espírito. Deste ponto de vista, o sinal do Apr⸫ significa: Estou de posse de mim mesmo e me esforço para julgar tudo com imparcialidade…

O silêncio do Apr⸫ seria construtivo. É em silêncio que o ele esculpe sua pedra. Mas que paradoxo: o maçom deve primeiro ficar em silêncio e depois falar, e quando ele tiver falado, ele deve ficar em silêncio novamente. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o Universo e os Deuses…”

Com a ajuda das ferramentas que aparecem no Painel do Aprendiz (o cinzel para o pensamento parado, as resoluções tomadas e o martelo para a vontade que as executa e a perpendicular, símbolo talvez do silêncio), nós os AApr⸫ desta Loja, vamos trabalhar em nós mesmos, para começar esta misteriosa alquimia que consiste em transformar o Profano em um Iniciado, chumbo em ouro, a pedra bruta em pedra angular. O silêncio é necessário para este trabalho. Sempre, ele terá que se inspirar nas ideias de justiça (Esquadro), visar o nivelamento das desigualdades arbitrárias (Nível) e contribuir para elevar constantemente o nível de humanidade (Perpendicular).

Esse silêncio maçônico permanece em nossos corações e almas ao deixarmos o templo.

Notas


[2] Termo relacionado a uma prática espiritual no cristianismo ortodoxo oriental. Hesicasmo vem da palavra grega hesychia, que significa “quietude” ou “silêncio”. É uma forma de oração contemplativa e uma tradição mística que enfatiza a paz interior e a comunhão direta com Deus, muitas vezes por meio da Oração de Jesus (“Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem misericórdia de mim, pecador”).

A prática é particularmente associada a monges nas comunidades monásticas do Monte Athos e outros mosteiros cristãos ortodoxos. Os hesicastas procuram experimentar a presença de Deus por meio da quietude, quietude e um foco profundo na oração, muitas vezes na solidão ou reclusão.

[3] A Ordem Carmelita é uma ordem religiosa católica romana que se originou no século 12 no Monte Carmelo, na Terra Santa. A ordem é conhecida por seu compromisso com a oração, contemplação e uma vida de solidão e simplicidade.

Em Austin, Texas, existe um mosteiro carmelita chamado Mosteiro Carmelita do Espírito Santo, onde as freiras carmelitas vivem de acordo com a regra da ordem. As freiras se concentram em uma vida de oração, silêncio e vida comunitária, com ênfase especial no aspecto contemplativo da tradição carmelita.


Fonte: https://bibliot3ca.com

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