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quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

O PONTO "G" NA MAÇONARIA

Autor: Márcio dos Santos Gomes

“Não há nada tão inútil quanto fazer eficientemente o que não deveria ser feito” (Peter Drucker).

Preliminarmente, alertamos que esta prancha não ousará refletir sobre as especulações e pesquisas da década de 1950 do médico e cientista alemão Ernst Gräfenberg, que deu origem ao termo Ponto G. Tampouco trataremos da Geometria[1] do maçom operativo, vinculada à arte liberal simbolizada pela quinta ciência, integrante do Quadrivium e que, juntamente com o Trivium, formava o esquema das Sete Artes Liberais, os fundamentos do ensino universitário dos séculos XII e XIII[2], cujos conceitos foram herdados da Antiguidade Clássica.

O mote aqui é o “G” da Gestão de nossas Lojas, mais próximo ao “G” da momentosa e festejada sigla ESG[3], vinculada à governança corporativa. E não é necessário ir tão longe e citar teóricos da administração moderna para concluir-se que, dos Veneráveis Mestres, se demanda a mesma habilidade necessária a um coach (treinador) do mundo esportivo, atuando como um orquestrador no sentido de usar a inteligência coletiva da Loja, a gerar ideias inovadoras, a incentivar e ajudar os obreiros a desenvolver atitudes e habilidades de gestão para aumentar a eficiência e efetividade dos trabalhos sob sua tutela.

No cotidiano de nossas Lojas podemos colher exemplos de boa gestão – ritualística disciplinada, compartilhamento de conhecimentos entre os obreiros, cumprimento das regras e fundamentos da Ordem – sendo, muitas, bem reputadas e objeto de visitas constantes de irmãos de outras Oficinas, que procuram se inspirar para melhorar o desempenho, praticando o tradicional método do benchmarking, comparando ações, avaliando a gestão e clima de convivência.

Por outro lado, dentre as Lojas que não conseguem reter seus obreiros e sentem minguar sua força de trabalho, com o enfraquecimento de suas Colunas, o diagnóstico desagua frequentemente em deficiência no processo de gestão, quando não se dá a devida importância ao aperfeiçoamento dos obreiros, contribuindo para o desinteresse, o desencanto e a deserção de muitos irmãos, pela falta de oportunidades de treinamento, de discussões de temas relevantes, de um projeto social que envolva a família maçônica, mantendo-se um teatro repetitivo, um ritualismo vazio, apenas para cumprir tabela. Uma Loja não consegue evoluir com o freio de mão puxado.

Avaliar a qualidade da gestão de nossas Lojas, como um observador acima do bem e do mal, sem o espírito de pertencimento e de corresponsabilidade para com os destinos de nossas Lojas, independente de cargos, graus e qualidades, e confortavelmente instalados em ambientes aconchegantes, sem um efetivo comprometimento, pode ensejar tarefa aparentemente simples e prazerosa. Apresentar críticas e sugerir medidas de correção pode recair em mais do mesmo, dependendo da forma e do poder de argumentação do avaliador. Ademais, introduzir mudanças “na marra” não funciona e pode causar efeito contrário aos objetivos traçados. Lembrando Peter Drucker:

“Gerenciamento é substituir músculos por pensamentos, folclore e superstição por conhecimento, e força por cooperação”.

Dirigentes de Lojas com deficiência na habilidade de gestão não permitem que obreiros se destaquem, principalmente os mais jovens, ora conhecidos como a Geração Z[4], que compreende os nascidos a partir de meados dos anos de 1990, considerada totalmente digital, e que demonstra valores profundamente diferentes, com demandas sociais e ambientais específicas e maior capacidade de reinventar a forma como trabalhar e solucionar problemas, comunicar-se e reunir-se, impondo diferentes hábitos de vida e de consumo, com apoio a modelos econômicos alternativos e desenvolvimento sustentável.

No trabalho sobre “Maçonaria do Futuro: Gestão Maçônica” (Silva et al., 2019, P.18)[5], os autores reproduzem a opinião de um entrevistado que remete à questão da motivação:


“A Maçonaria, ao contrário do que muitos acreditam, é uma instituição voluntária e depende da participação ativa de seus integrantes para poder cumprir com seus objetivos. Para uma entidade desta natureza, o grande desafio é ser atraente para captar talentos e capaz de manter o nível de motivação para retê-los, compreendendo que não é um ato, mas um processo continuado.”

Novidade nos últimos quatro anos, como efeito das restrições impostas pela pandemia da Covid-19, destaca-se o compartilhamento de experiências e informações promovido pelas reuniões por videoconferência, na condição de complemento dos trabalhos realizados em Loja, que propiciou uma visão crítica sobre as formas de gestão, abrindo-se novas perspectivas no sentido de despertar nas novéis lideranças o desafio de acreditar no potencial dos obreiros, já que a “sabedoria” não é restrita apenas a grupos “a caminho da extinção”, cujos membros ainda se apregoam os detentores da Verdade, donos da Oficina ou se consideram eternos nos respectivos cargos. A propósito das reuniões de estudo por videoconferência, a exemplo das realizadas pelo Grupo Virtual de Estudos Maçônicos, desde outubro de 2020, muitos pessimistas alegavam que se tratava de fogo de palha e que seria moda passageira. Erraram feio!

No que se refere às Instruções em Loja, a melhoria do desempenho dos Aprendizes e Companheiros, com a apresentação de trabalhos com incremento da qualidade, depende precipuamente da gestão da Loja, não deixando de lado a preocupação com o crescimento dos obreiros e a imagem da Loja. O maçom está em permanente aprendizagem e, para isso, é imprescindível a consciência de que há sempre algo novo para aprender.

Para tanto, é preciso que fique claro que falhas ou erros de conteúdo dos trabalhos são de responsabilidade precípua dos gestores da Loja e o sucesso da apresentação é um fruto colhido por todos. A pressa para que Aprendizes e Companheiros alcancem logo o Grau de Mestre para que possam preencher cargos é temerária, a exemplo do ensinamento moral da fábula da galinha dos ovos de ouro que morreu porque seu dono não aguentou esperar. Ademais, alcançar a Plenitude Maçônica não é privilégio, é serviço[6].

As Lojas são autônomas quanto à gestão, entretanto, em muitas situações gestores demonstram favoritismos, impõem suas decisões sem discussão e promovem o cancelamento dos que porventura representem alguma ameaça, por vezes criticando Mestres que procuram compartilhar seus saberes ao comentarem as instruções maçônicas ministradas em Loja, cumprindo juramento prestado[7], ironicamente argumentando que esses comentaristas “se fazem de intelectuais e querem apenas aparecer e marcar presença”. Flagrante atestado de indigência cognitiva de lideranças mal escolhidas e não comprometidas com os princípios da Ordem, que vislumbram nos obreiros apenas e tão-somente argila a ser moldada aos seus caprichos!

A Coluna da Sabedoria não pode abdicar de suas atribuições e abrir espaço para a intolerância e rupturas. Deve, isso sim, zelar pela harmonia, pelo diálogo e pela construção, tendo sempre presente o entendimento de que o bom legado de cada gestão é que dá sustentação para a caminhada dos obreiros e o fortalecimento da Oficina. E para atingir os objetivos impõe-se aos gestores criar um ambiente de confiança e abertura que facilite o aprendizado e o crescimento dos novos iniciados.

Como diz um veterano obreiro que se destaca pela autoproclamada sabedoria “pai d’égua”: ser Venerável Mestre não é para os fracos[8]. No mundo VICA, acrônimo para volatilidade, incertezas, complexidade e ambiguidade, entender a dinâmica de uma Loja não se restringe a palestras e cursos e sim de um processo de adaptação frente às complexidades e antecipação de possíveis cenários.

Refletindo sobre o contexto atual, cabe ainda aos gestores não deixarem que a polarização contamine as colunas da sua Loja, evitando que grupos se fechem em suas convicções e não estejam dispostos ao diálogo, incentivando o debate construtivo em ambiente de tolerância e paz, promovendo a troca de ideias, escuta ativa e a exposição de diferentes pontos de vista, ampliando a compreensão mútua. A adaptação a novos hábitos deverá fazer parte do plano de gestão de cada uma das nossas Lojas, consideradas as particularidades.

O que se ouve como sugestão recorrente é que a Potência deveria convidar determinados irmãos para proferirem palestras sobre modelos de gestão e formas de ministrar o ensino maçônico. Isso é válido, mas o que se deve pesquisar preliminarmente é se esses convidados conseguiram implantar referidas medidas em suas Lojas e Potências, que possam servir de modelo. Dizer simplesmente o que os outros devem fazer e não ter o respaldo moral do exemplo é mais do mesmo, lembrando-nos um velho ditado sobre casa de ferreiro. Porém, no nosso caso seria mais apropriado o daquele pedreiro que vive a reformar a casa dos outros e, no entanto, a sua própria casa ele não arruma.

Em tempo, esta prancha não tem endereço específico e nem pretende dar conselhos ou dizer o que os componentes de uma ou de outras Lojas devam fazer em tais e tais situações, caso venham a ocorrer, o que não acreditamos. A proposta é apenas a de suscitar reflexões, preferencialmente naquele espaço reservado aos estudos em nossas Oficinas e que por vezes são eliminados em função do adiantado da hora ou de eventos sociais pós-reunião.

O gestor precisa ter em mente que ele pode ser uma referência, uma luz a iluminar o caminho da Loja, mas é o coletivo que percorre grandes distâncias, e que gestão é a solução e o futuro deve ser uma promessa e não uma ameaça. Nossas Oficinas estão saturadas de lideres com a postura recorrente em fazer declarações grandiosas e vazias de concretude. Carecemos daqueles prontos para se engajarem nas soluções e estratégias já de amplo conhecimento e colher resultados tão esperados.

Por derradeiro, e não menos importante, fica-nos a provocação de nos perguntarmos diuturnamente o que aconteceria caso a nossa Loja viesse a abater colunas: a comunidade sentiria a nossa falta? Aqui cabe o emoji com o rosto pensativo.

Notas


[2] TRIVIUM (Gramática, Retórica e Lógica); QUADRIVIUM (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia).

[3] O conceito de ESG reúne as políticas de meio-ambiente, responsabilidade social e governança das empresas (Environmental, Social and Governance).

[4] Geração X: nascidos após o baby boom, pós-Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 1960 até o final dos anos 1970; Geração Y: nascidos após o início da década de 1980 e até 1995, igualmente conhecida como geração do milênio. (Fonte Wikipédia)



[7] Idem.


Fonte: https://opontodentrocirculo.com

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