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sexta-feira, 28 de maio de 2021

A EXTRAORDINÁRIA INICIAÇÃO DE VOLTAIRE

A EXTRAORDINÁRIA INICIAÇÃO DE VOLTAIRE
Jerônimo Borges

Algumas iniciações marcaram história. Nem tanto pelo modo incomum, mas pelos seus personagens ilustres. O Imperador Francisco I da Alemanha, por exemplo, marido de Maria Thereza, apresentado pelo escritor e político inglês Philip Chesterfield, foi elevado a Companheiro no mesmo ato de sua Iniciação, em 1731. O astronauta Glenn Jr. nascido em Cambridge, Ohio, teve o beneplácito do Grão-Mestre da Grande Loja de seu Estado natal, que usando das prerrogativas do Landmarks, fê-lo maçom sem a cerimônia formal da Iniciação.

No Brasil, D. Pedro foi iniciado em 2 de agosto de 1822 com a justificativa de que acima dos formalismos, estavam os anseios dos patriotas brasileiros. Foi Gonçalves Ledo, Primeiro Vigilante, que propôs à Loja “Comércio e Artes”, em sessão extraordinária presidida por ele três dias depois, que D.Pedro de Alcântara, já Aprendiz, fosse elevado e exaltado com dispensa dos interstícios naturais, resultando, logo em seguida, sua investidura como o segundo Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil, substituindo sumariamente a José Bonifácio.

No entanto, a mais fascinante das iniciações da maçonaria universal ocorreu em Paris no dia 7 de abril de 1778, na Loja “Les Neuf-Soeurs”, com a iniciação de François-Marie Arouet, que adotava o pseudônimo de Voltaire, já com a provecta idade de 84 anos.

Essa Loja era um verdadeiro celeiro cultural onde se destacavam, além de seu fundador Lalande, o filósofo Diderot, o químico Fourcroy, o físico e estadista norte-americano Benjamin Franklin, que atuou como Experto na Iniciação de Voltaire, os astrônomos Pierre Simon Laplace, Dignitário do Grande Oriente de França e Jean Le Rond D‟alembert, os naturalistas Daubenton e Lamarck, o grande matemático e filósofo Condorcet, o cientista Joseph Ignace Guilhotin, além de poetas, escritores e intelectuais da França, Itália, Inglaterra e Alemanha, entre outros. Foi apresentado por Benjamin Franklin e Court de Gebelin que, de braços dados, os conduziram ao Templo.

A cerimônia de Iniciação foi dirigida pelo astrônomo Joseph Jérôme Lalande, Venerável Mestre da Loja, na presença de 250 maçons. Foi uma sessão longa, diferenciada, terminando os trabalhos perto da Meia-Noite.

Encontravam-se os representantes da Imperatriz Catarina da Rússia e do Rei Frederico II da Prússia, seu particular amigo, além das representações de embaixadas especiais compostas por notabilidades da Inglaterra, Itália e Estados Unidos.

Faltava tão somente naquele momento Francisco Maria Arouet, Voltaire, o demolidor de preconceitos, a maior cultura daquele Século.

Destacavam-se ainda, damas da alta nobreza empunhando estandartes das Lojas “Felicitarias” e “Linfas da Rosa”, do Rito de Adoção que ocuparam lugar de destaque no Oriente da Loja.

Silêncio profundo... surge caminhando vagarosamente o octogenário Voltaire, amparado nos braços de Franklin e Gebelin, sob os olhares atentos da platéia, seguida de uma chuva incessante de frenéticos aplausos.

Não lhe vendaram os olhos nem tampouco o submeteram às provas de costume. Afinal era Voltaire, orgulho da Europa.

Recebeu-o Jérôme Lalande.

Desceu do trono abraçando-o profundamente, colocando-o numa cadeira de espaldar sobre um estrado triangular no centro do Templo.

Foi uma das cerimônias mais brilhantes registradas pela Maçonaria, segundo os estudiosos.

Lalande proferiu as palavras sacramentais que consagraram o candidato na plenitude de todos os direitos da Arte Real.

A sua Iniciação, já alcançando o 3º Grau, não foi um pedido de Voltaire. O privilégio, é que foi estendido em homenagem ao maior expoente vivo daquela época.

Voltaire foi revestido com o avental que pertenceu a Claude Arien Helvetius, filósofo e literato francês, membro da Loja, e que fora cedido, para a ocasião, pela sua viúva.

Comovido, Voltaire beijou o avental.

Primeiro falou Lalande, o Venerável Mestre. Seguiram-se, ao após, as orações dos embaixadores de Catarina e de Frederico.

Depois discursaram Laplace e Diderot.

Finalmente falou Voltaire. Falou num improviso contagiante durante duas horas com palavras ora irônicas, ora proféticas, sob o silêncio sepulcral dos presentes.

Benjamin Franklin, várias vezes Grão Mestre da Grande Loja de Pennsylvania, abraçou-o demoradamente. Era o abraço do “Novo e Velho Mundo” provocando nova ovação intermitente.

A Iniciação de Voltaire motivou a maior explosão da História da Humanidade estremecendo até mesmo o trono de Luiz XVI, com a presença dos embaixadores de Catarina e Frederico II, o Grande.

Era o prenúncio do final da tirania e do absolutismo, antecipando à Revolução Francesa, que absorveu muitas de suas idéias.

Luiz XVI, destronado, foi guilhotinado em janeiro de 1793.

O Grande Maçom Guerra Junqueira bradou certa vez:

“Tu minaste, Voltaire, com tuas palavras,
a rocha do despotismo e do absolutismo,
depois de ter feito a escavação noturna”.
“Enquanto o níveo pé soberbo de Antonieta
da França estrangulava a suplicante voz, tu lançavas de longe
a trágica luneta, velho fauno cruel, rindo com riso atroz
até que um dia enfim exausto de cansaço,
sentindo já sem forças as garras do condor,
tu chegaste, Arouet, sem te tremer o braço,
ao rastilho da mina o fogo abrasador”.

Algumas das frases imortais de Voltaire, algumas das quais ditas no discurso de sua iniciação:

“Pense por si mesmo e dê aos outros o direito de fazer o mesmo”;

“É perigoso estar certo quando o governo está errado";

"Ame a verdade, Perdoe o erro." ;

"O trabalho afasta três grandes males: O ócio, o vício e a necessidade”;

"Eu não acredito no deus que os homens criaram, mas acredito no Deus que criou os homens".

Certa ocasião enviando uma das mais mordazes cartas que um intelectual remetera a outro, comentou o “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade”. Disse para Jean-Jacques Rousseau que seu livro fazia surtir o desejo de voltar a ser animal, e andar de quatro patas, mas ele já o havia abandonado esse hábito há sessenta anos.

Contudo, quando as autoridades queimaram sua obra e lhe perseguiram, Voltaire se insurgiu e escreveu a Rousseau: "Eu não concordo com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-las‟.

O Mestre-Maçom Voltaire faleceu três meses depois de iniciado.

Teve sua “Pompa Fúnebre” em 28 de novembro de 1778, constando dos registros da “Les Neuf-Soeus et l‟Encyclopédie” encerrando-se, desta forma, uma das mais marcantes passagens da Maçonaria Universal.

Bibliogafia:

L‟Énigme Sacree, de Michel Baigent, Richard Leigh e Henry Lincoln, Paris, 1993.

La Franc-Maçonnerie, Musée d‟Aquitaine, Dervy, 1994 (Exposition réalisée avec le concours de la Bibliothèque nationale)

Nos Bastidores do Mistério, de Adelino de Figueiredo Lima –Spiker (Rio) 1953

Do Meio-Dia À Meia-Noite – Vade-Mecum Maçônico

Fonte: JBNews - Informativo nº 127 - 01/11/2011

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