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quinta-feira, 8 de agosto de 2024

UM ESPAÇO PARA A NAÇÃO

Marco Morel & Françoise Jean de Oliveira Souza
Antonio Gouveia Medeiros [gouveiasc@gmail.com]
Grupo Arte Real/SC

Os 94 homens que se reuniram no dia 24 de junho de 1822 num sítio no porto do Méier, na Praia Grande (atual Niterói-RJ) e fundaram o Grande Oriente do Brasil (GOB) sonhavam alto, mas tinham os pés no chão. O dia inteiro de exaustivos trabalhos foi encerrado com um lauto banquete - e a comida que sobrou foi distribuída aos pobres das redondezas, reforçando assim a filantropia tão presente nas preocupações maçônicas. Congregados naquele momento, não poderiam imaginar que meses depois teriam seus destinos individuais tão separados, nem tinham certeza dos rumos políticos que ajudavam a transformar.

A formação que originou o GOB veio da loja Comércio e Artes, a mesma que surgira em 1815, se dissolvera com a repressão de 1818 e reaparecera sob as bênçãos do Grande Oriente Luso-Brasileiro e sob os novos ares do liberalismo em 1821. Agora, em 1822, a Comércio e Artes crescera demais e nela não cabiam tantos integrantes que pretendiam entrar. Os maçons então resolveram, numa solução salomônica, subdividir a loja em três: manter a Comércio e Artes e criar mais duas, União e Tranqüilidade e a Esperança de Niterói. A distribuição dos integrantes em cada uma foi feita por sorteio. O sorteio era tradicionalmente visto como uma instância igualitária, ou seja, que evitava favoritismo e deixava nas mãos da Providência Divina o destino dos envolvidos. Além disso, os iniciados deveriam portar uma roseta ou laço em forma de flor no braço esquerdo: branco para a primeira loja, azul para a segunda e vermelho para a terceira. Todos juntos criavam, assim, o azul vermelho e branco que caracterizava a Revolução Francesa, paradigma da modernidade política, mas ao mesmo tempo repudiada em seus "excessos" pelos liberais do nascente século XIX.

O GOB adotou o Rito Francês Moderno, criado em 1783 e composto por sete graus:

Lojas Azuis
1. Aprendiz
2. Companheiro
3. Mestre

Primeira Ordem de Rosa-Cruz
4. Mestre Eleito

Segunda Ordem de Rosa-Cruz
5. Mestre Escocês

Terceira Ordem de Rosa-Cruz
6. Cavalheiro Rosa-Cruz

Quarta Ordem de Rosa-Cruz
7. Soberano Príncipe Rosa-Cruz

O maçom que presidiu a instalação dos trabalhos do GOB foi o capitão engenheiro João Mendes Viana, na condição de venerável da loja Comércio e Artes. Qual o destino de Mendes Viana? Eleito segundo grande vigilante do GOB foi enviado a Pernambuco como emissário na missão estratégica para articular a Independência.

Acabou aproximando-se dos chamados liberais exaltados que assumiram o poder provincial e proclamariam a Confederação do Equador contra o centralismo imperial. Detido por ordem de d. Pedro I, Mendes Viana passaria sete anos do Primeiro Reinado como preso político nos cárceres do Rio de Janeiro, ao lado de Cipriano Barata. Ao ser solto, em 1830, Mendes Viana estava com a saúde irremediavelmente debilitada pelas precárias condições em que foi forçado a viver e faleceu logo depois. Mais uma trajetória de vida destruída devido ao engajamento maçônico. Mas naquele momento de otimismo e entusiasmo da fundação do GOB e preparação da Independência tal previsão trágica parecia impensável.

Estavam presentes, entre os 94 fundadores, uma verdadeira galeria de Pais da Pátria, alguns antigos maçons como José Bonifácio, o coronel Luiz Pereira da Nóbrega e o padre Belchior de Oliveira, além de Domingos Alves Branco Muniz Barreto, frei Francisco Sampaio, cônego Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira e Joaquim Gonçalves Ledo. Outros, apesar de terem os nomes registrados, tornaram-se ilustres desconhecidos e se apagaram ainda na poeira do próprio tempo em que viviam. O tenente- coronel e cirurgião Manuel Joaquim de Menezes, um destes fundadores, lançou três décadas depois um pequeno livro que, até hoje, é uma das principais fontes de informação sobre tais episódios - embora também envolvido nos jogos de ocultações e revelações tão próprios da Ordem dos Pedreiros-Livres. Um dos mais destacados e convictos do grupo, o major Albino dos Santos Pereira, teria um fim trágico, como se verá a seguir.

O sítio em Niterói fora decorado à maneira de um templo maçônico, sem faltar a Sala dos Passos Perdidos. A comissão de organização era composta pelos irmãos Manoel dos Santos Portugal, João da Silva Lomba e Antônio José de Souza, que se encarregaram do banquete maçônico e das demais providências, como levar apetrechos e a decoração do local com os símbolos adequados.

Nas primeiras reuniões do GOB a clandestinidade (ou segredo, como então se dizia) era fundamental não só por uma questão de fidelidade ritualística, mas pela própria segurança de seus membros e por estarem tramando pela Independência do Brasil. Entretanto, logo se percebeu que tudo que era discutido no recinto acabava vazando para Portugal e para os comandantes das tropas portuguesas sediadas no Brasil. Daí resultou, no encontro de 2 de agosto de 1822, a exclusão de seis irmãos do círculo maçônico – após investigações internas que levaram aos nomes dos que foram considerados delatores.

Uma das tarefas marcantes do GOB foi enviar emissários às mais importantes províncias brasileiras para articularem politicamente a Independência na forma como estava sendo concebida: unidade territorial brasileira, monarquia constitucional e governada pelo príncipe da dinastia de Bragança. Note-se que, desse modo, os maçons contribuíram mais efetivamente para a criação de laços de tipo nacional e de um modelo de Estado centralizado, mas poucos colaboraram para a consolidação da própria maçonaria como instituição de nível nacional, naquele momento.

É precipitado apontar este GOB como embrião de um partido político, pois suas características se diferenciavam bastante da máquina partidária típica do século XX. Entretanto, não se deve desprezar a maçonaria como uma forma de agrupamento e organização.

Quando se falava já naquela época em "partidos", era mais do que tomar um partido ou formar facções descartáveis: havia modos de agrupamento em torno de um líder, através de palavras de ordem e da imprensa, em determinados espaços associativos e a partir de interesses ou motivações específicas, além de se delimitarem por lealdades ou afinidades (intelectuais, econômicas, culturais etc.) entre seus participantes. Tais agrupamentos eram identificados por rótulos, símbolos ou nomeações, pejorativos ou não. As maçonarias eram uma dentre as várias formas existentes de sociabilidade.

Pode-se perceber que o nó da questão em que se envolveu a maçonaria em 1822 foram as presenças de José Bonifácio e d. Pedro I em seus quadros como dirigentes máximos (grão-mestre). Daí resultou, num primeiro momento, a força e a vitória da entidade, com a Independência proclamada, como seus membros queriam. Daí resultou, logo depois, a destruição dos trabalhos maçônicos e até da vida pública de vários irmãos.

Se do ponto de vista externo o GOB serviu, no tempo e na hora certa, como espaço aglutinador, tal papel foi efêmero - as dissensões internas e as intervenções externas acabaram destruindo naquele momento este núcleo de associação. A recriação do GOB e das maçonarias posteriores já pertenciam a outro contexto, com outros objetivos e horizontes.

(Compilado do Livro O PODER DA MAÇONARIA – A HISTÓRIA DE UMA SOCIEDADE SECRETA NO BRASIL – De Marco Morel e Françoise Jean de Oliveira Souza – Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 2008)

Se você deseja saber mais: http://www.ediouro.com.br/site/authors/index/2766

Fonte: JBNews - Informativo nº 244 - 29.04.2011

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