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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

EXEGESE JURÍDICA DAS CONSTITUIÇÕES DE ANDERSON

EXEGESE JURÍDICA DAS CONSTITUIÇÕES DE ANDERSON
*Carlos Alberto Baleeiro Beltrão

Introdução 
A aprovação das Constituições de Anderson, em 1921, coloca sua introdução na Maçonaria da Inglaterra, cronologicamente no chamado período do Direito Intermediário em direção doutrinária para a Codificação Napoleônica.

Sobressai-se nesta fase a nova interpretação do Direito Romano por Jean Donnat (1625-1696), e por Robert Joseph  Pothier (1699-1772), este último autor da notável obra “Pandectae Justinianae, in novum ordinem digestae, cum legibus codicis, et novellis” (Paris 1748).

Era a fase tradicional da cultura romanística para o direito contemporâneo.

Surgem novas codificações.

Modifica-se em ritmo moderado, mas progressivo, o direito nas instituições feudais.

As propriedades são libertas das servidões feudais que as gravavam.

Surgiam as cidades autônomas, livres, desvinculadas dos feudos, criando jus in re propria, estatutos próprios, e assim consolidando sua autonomia.

Nasce e afirma-se a incipiente classe industrial, dando causa à criação e organização das primeiras corporações artesanais.

Entretanto, estas congregações operativas sentiram a necessidade de uma normatização em suas atividades para que houvesse uma disciplina operativa, objetivando um maior êxito produtivo, e uma maior proteção aos seus congregados.

Apenas os mestres de oficio tinham competência para se estabelecer de forma autônoma e industrial, e assim, hierarquizados, dirigiam os companheiros e aprendizes.

As intenções libertárias evoluíram e se espalharam após a revolução Inglesa (1688), iluminando com a razão o obscurantismo tradicional.  

O iluminismo nascia na Inglaterra.

As normas aprimoravam-se, cogentes, porém menos rígidas e autoritárias, apresentando o verbum legis de forma mais amena, resultando em uma voluntas legis mais racional.

As Constituições de Anderson como Fonte do Direito Maçônico
“As constituições dos Franco-Maçons, contendo a História, Obrigações, Regulamentos, etc... da Mui antiga e Mui Venerável Confraria.

Para uso das Lojas. É impressa por William Hunter para John Senex, ao  Globo e John Hooke, à Flor da Luz, em frente da Igreja de San Dunslam, na Fleet Street”.

Surgiam as Constituições de Anderson, agora impressas, para reger, e normatizar a nascente Maçonaria da Grande Loja Unida da Inglaterra, constituindo-se um uma das primeiras Fontes do Direito Maçônico.

Suas proposições obedecem o que é definido como Fonte do Direito por Miguel Reale: “é Fonte do Direito toda forma ou processo de revelação de estruturas normativas válidas e obrigatórias como expressão de um poder exercido no âmbito da competência que lhe é próprio”.

São as Constituições de Anderson, estruturas normativas, válidas e obrigatórias oriundas de um poder competente: o poder Maçônico da Grande Loja Unida da Inglaterra. Cumpre-se os requisitos precedentes da conceituação mencionada.

Deixou sua transmissão oral, costumeira, para adotar o jus scriptum.

A escrituração desta Fonte deveu-se as desenvolvimento do direito escrito, tendo como causas diretas o crescente volume de novas leis em várias competências da ciência jurídica. Normas dotadas agora de redação oficial, e emanadas de poderes centrais, e não mais oficiosas e de inspiração feudal.

O que era transmitido e exigido de forma consuetudinária passa-se a fazer documentalmente, como decretos e leis.

Instala-se e valoriza-se a hierarquia das Fontes do Direito, causada pela maior receptividade e autoridade do Direito Romano.

Afirma-se o jus scriptum, direito escrito, ou direito comum escrito, que se homogeniza ao jus commum, o direito comum a todos, às cidades, aos lugarejos, em oposição as jus proprium, que era peculiar a cada uma das comunidades ou feudos.

Como decorrência da maior escrituração do direito, revelam-se nova oportunidades e condições para o surgimento do pensamento dogmático autônomo.

Aumentam as intenções para as elaborações dogmáticas organizadas e conseqüentemente ordenam-se e organizam-se Fontes. É o surgimento dos Codices, os Códigos normativos.

Caracterizam-se as Constituições de Anderson como fonte cognitiva, por serem compostas por conhecimentos que constituíram a verdadeira e legítima origem das primeiras Fontes do Direito Maçônico, e das posteriores, até as atuais.

Casualidade da Fonte
Observamos no disposto na redação da Fonte em estudo, considerações objetivamente dirigidas às condutas: “perante as autoridades civis, Lojas, Veneráveis, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes, os trabalhos, na ausência de profanos, e na presença de profanos, em casa e na vizinhança, e com um irmão estrangeiro”.

Vemos então, uma ordenada disposição de regras de conduta.

Para o jurista argentino Cossio, “o Direito não é norma, é a conduta humana e sua interferência subjetiva relacionada a valores”. É a axiologia da norma jurídica.

A conduta individual está sempre condicionada pela conduta de outro ou  mais, (Aprendizes, Companheiros, Vigilantes, Mestres, Deputados, Grão-Mestre), nas mesmas condições e situações da convivência social e maçônica.

Regula-se a intersubjetividade pelo compartilhar de condutas.

Aquelas que são permitidas ou impedidas fazem dos compartes, co-partícipes.

Abrangem as normas o conceitual, inversamente a conduta relaciona-se com o fatual.

Entretanto, atentemos para o basilar da epistemologia jurídica, de que a norma exige sempre uma sanção, o que nem sempre acontece com a regra de conduta.

Onde há norma, haverá sempre uma sanção, e isto faz-se necessário como garantia à norma para assegurar o seu cumprimento.

Encontramos nas Constituições de Anderson a ausência de sanções às desobediências às Obrigações de um Maçom Livre e aos Regulamentos Gerais.

Há registro de incisos que trazem idéia anterior de “severa censura”, ou de instalação de procedimento de judicium, da caracterização de infratores como “rebeldes” e da admoestação de Irmãos em conduta reprovável.

Assim coletamos:

Em “Das Obrigações de um Maçom Livre (The Charge of a Free-Mason).

III- Das Lojas.

Dispõe que: “Antigamente nenhum Mestre ou Companheiro podia ficar ausente da Loja, sobretudo quando avisado para comparecer, sem incorrer em “uma severa censura”.

Registra este inciso, a “antiga” existência de censura ao não comparecimento às Lojas.

VI- Da Conduta, a saber.

Discorre que: “o Irmão reconhecido culpado se submeterá ao julgamento e à Decisão da Loja...” Instala-se a judicium causae”, é a ação judicante da Loja.

Regulamentos Gerais
(General Regulations).

VIII- este inciso nomeia como “Rebeldes, até que se humilhem” o Grupo ou Número de Maçons que formem uma Loja sem autorização do Grão-Mestre.

IX- Será “admoestado por duas vezes pelo Mestre ou pelos Vigilantes em Loja constituída”, Irmão que se conduza mal, e não se retratar “reconhecendo sua imprudência”.

Pelo que coletamos e expomos comprova-se o já comentado: a carência de sanções. Recebemos, entretanto, na redação do inciso XIX dos regulamentos Gerais uma previsão: “Se o Grão-Mestre abusar de seu Poder, e se tornar indigno de Obediência e de Sujeição das Lojas, será tratado de modo e maneira que serão determinados por um novo Regulamento, porque até o presente a antiga Fraternidade não teve oportunidade de o fazer”.

Tornou-se clara e evidente a intenção de se elaborar uma nova Regulamentação.

Da Lacuna na Fonte do Direito
Diante da ausência de sanção, como componente essencial integrante das normas jurídicas, nesta fonte do Direito Maçônico, buscamos estabelecer a caracterização jurídica de seu conteúdo.

Em Reale, encontramos em sua exposição doutrinária, os conceitos de modelo jurídico, e de modelo dogmático.

Os modelos jurídicos, explana o Mestre: “São conjuntos de normas dotadas de estrutura, e que representam uma unidade de fins a serem atingidos” São derivados da experiência jurídica e das conseqüências da consciência normativa dos fatos sociais.

Disciplina a vida social e originam-se de Fontes próprias e dotadas de especificidade.

É o modelo jurídico uma previsão, com uma ordenação lógica de meios e propósitos, objetivando uma hierarquia de condutas e de competências.

Porém deve ser, e é provido de sanções.

Já, os modelos dogmáticos “dizem o que os modelos jurídicos significam na unidade do ordenamento e no processo histórico (de lege data), mas também representam o modelo jurídico (de lege ferenda)”, são porém destituídos de poder decisório.

São conseqüentemente ausentes de sanções.

Analisando os dois estatutos, as Obrigações, e os Regulamentos Gerais, somos favoráveis a concluir que grande parte dos dispostos na Fonte analisada, senão in totum, constituem-se em modelos dogmáticos, ou ainda em ordenações de conduta, estritamente demonstrativos e necessários, por força de princípios puramente racionais, e baseados nos princípios da Ordem e da Hierarquia.

Bibliografia Consultada:

- Aslan, Nicola-História da Maçonaria, Editora Espiritualista Ltda, Rio de Janeiro, 1959.
- Batalha, Wilson de Souza Campos – Introdução as Estudo do Direito, 2ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1986.
- Cossio, Carlos-La valoración jurídica y la ciencia del derecho. Editora Arayú, Buenos Aires 1954.
- Castellani, José; Rodrigues, Raimundo – Análise de Constituição de Anderson, Ed. Maçônica “A Trolha” Ltda, 1ª Edição, Londrina, 1995.
- Diniz, Maria Helena – As Lacunas no Direito. Editora Saraiva, 5ª Edição, São Paulo, 1999.
- Guimarães, João Nery – Constituição dos Francos-Maçons ou Constituições de Anderson de 1723 (Reprodução) – Gráfica e Editora do Grande Oriente do Brasil, Brasília, 1997.
- Kelsen, Hans – Teoria Pura do Direito. Editora Martins Fontes , 2ª Edição. São Paulo, 1960.
- Oliveiros, Litrento – Curso de Filosofia do Direito. Editora Forense, 2ª Edição. Rio de Janeiro, 1984.
- Reale, Miguel – Estudos de filosofia e Ciência do Direito. Edição Saraiva. São Paulo, 1978
- Reale, Miguel – Filosofia do Direito. – Editora Saraiva. 11ª Edição, São Paulo, 1986.

*Carlos Alberto Baleeiro Beltrão é Mestre Maçom da A∴R∴L∴S∴Loja de Pesquisas Maçônicas Quator Coronati do Brasil nº 2671, A∴R∴L∴S∴ Umuarama nº 1621, A∴R∴L∴S∴ 26 de Março nº 276. 

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