EXEGESE JURÍDICA DAS CONSTITUIÇÕES DE ANDERSON
*Carlos Alberto Baleeiro Beltrão
Introdução
A aprovação das Constituições de Anderson, em 1921, coloca
sua introdução na Maçonaria da Inglaterra, cronologicamente no chamado período
do Direito Intermediário em direção doutrinária para a Codificação Napoleônica.
Sobressai-se nesta fase a nova interpretação do Direito
Romano por Jean Donnat (1625-1696), e por Robert Joseph Pothier (1699-1772), este último autor da
notável obra “Pandectae Justinianae, in novum ordinem digestae, cum legibus
codicis, et novellis” (Paris 1748).
Era a fase tradicional da cultura romanística para o direito
contemporâneo.
Surgem novas codificações.
Modifica-se em ritmo moderado, mas progressivo, o direito
nas instituições feudais.
As propriedades são libertas das servidões feudais que as
gravavam.
Surgiam as cidades autônomas, livres, desvinculadas dos
feudos, criando jus in re propria, estatutos próprios, e assim consolidando sua
autonomia.
Nasce e afirma-se a incipiente classe industrial, dando
causa à criação e organização das primeiras corporações artesanais.
Entretanto, estas congregações operativas sentiram a
necessidade de uma normatização em suas atividades para que houvesse uma
disciplina operativa, objetivando um maior êxito produtivo, e uma maior
proteção aos seus congregados.
Apenas os mestres de oficio tinham competência para se
estabelecer de forma autônoma e industrial, e assim, hierarquizados, dirigiam
os companheiros e aprendizes.
As intenções libertárias evoluíram e se espalharam após a
revolução Inglesa (1688), iluminando com a razão o obscurantismo
tradicional.
O iluminismo nascia na Inglaterra.
As normas aprimoravam-se, cogentes, porém menos rígidas e
autoritárias, apresentando o verbum legis de forma mais amena, resultando em
uma voluntas legis mais racional.
As Constituições de Anderson
como Fonte do Direito Maçônico
“As constituições dos Franco-Maçons, contendo a História,
Obrigações, Regulamentos, etc... da Mui antiga e Mui Venerável Confraria.
Para uso das Lojas. É impressa por William Hunter para John
Senex, ao Globo e John Hooke, à Flor da
Luz, em frente da Igreja de San Dunslam, na Fleet Street”.
Surgiam as Constituições de Anderson, agora impressas, para
reger, e normatizar a nascente Maçonaria da Grande Loja Unida da Inglaterra,
constituindo-se um uma das primeiras Fontes do Direito Maçônico.
Suas proposições obedecem o que é definido como Fonte do
Direito por Miguel Reale: “é Fonte do Direito toda forma ou processo de
revelação de estruturas normativas válidas e obrigatórias como expressão de um
poder exercido no âmbito da competência que lhe é próprio”.
São as Constituições de Anderson, estruturas normativas,
válidas e obrigatórias oriundas de um poder competente: o poder Maçônico da
Grande Loja Unida da Inglaterra. Cumpre-se os requisitos precedentes da
conceituação mencionada.
Deixou sua transmissão oral, costumeira, para adotar o jus
scriptum.
A escrituração desta Fonte deveu-se as desenvolvimento do
direito escrito, tendo como causas diretas o crescente volume de novas leis em
várias competências da ciência jurídica. Normas dotadas agora de redação
oficial, e emanadas de poderes centrais, e não mais oficiosas e de inspiração
feudal.
O que era transmitido e exigido de forma consuetudinária
passa-se a fazer documentalmente, como decretos e leis.
Instala-se e valoriza-se a hierarquia das Fontes do Direito,
causada pela maior receptividade e autoridade do Direito Romano.
Afirma-se o jus scriptum, direito escrito, ou direito comum
escrito, que se homogeniza ao jus commum, o direito comum a todos, às cidades,
aos lugarejos, em oposição as jus proprium, que era peculiar a cada uma das
comunidades ou feudos.
Como decorrência da maior escrituração do direito,
revelam-se nova oportunidades e condições para o surgimento do pensamento
dogmático autônomo.
Aumentam as intenções para as elaborações dogmáticas
organizadas e conseqüentemente ordenam-se e organizam-se Fontes. É o surgimento
dos Codices, os Códigos normativos.
Caracterizam-se as Constituições de Anderson como fonte
cognitiva, por serem compostas por conhecimentos que constituíram a verdadeira
e legítima origem das primeiras Fontes do Direito Maçônico, e das posteriores,
até as atuais.
Casualidade da Fonte
Observamos no disposto na redação da Fonte em estudo,
considerações objetivamente dirigidas às condutas: “perante as autoridades
civis, Lojas, Veneráveis, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes, os trabalhos,
na ausência de profanos, e na presença de profanos, em casa e na vizinhança, e
com um irmão estrangeiro”.
Vemos então, uma ordenada disposição de regras de conduta.
Para o jurista argentino Cossio, “o Direito não é norma, é a
conduta humana e sua interferência subjetiva relacionada a valores”. É a
axiologia da norma jurídica.
A conduta individual está sempre condicionada pela conduta
de outro ou mais, (Aprendizes,
Companheiros, Vigilantes, Mestres, Deputados, Grão-Mestre), nas mesmas
condições e situações da convivência social e maçônica.
Regula-se a intersubjetividade pelo compartilhar de
condutas.
Aquelas que são permitidas ou impedidas fazem dos compartes,
co-partícipes.
Abrangem as normas o conceitual, inversamente a conduta
relaciona-se com o fatual.
Entretanto, atentemos para o basilar da epistemologia
jurídica, de que a norma exige sempre uma sanção, o que nem sempre acontece com
a regra de conduta.
Onde há norma, haverá sempre uma sanção, e isto faz-se
necessário como garantia à norma para assegurar o seu cumprimento.
Encontramos nas Constituições de Anderson a ausência de
sanções às desobediências às Obrigações de um Maçom Livre e aos Regulamentos
Gerais.
Há registro de incisos que trazem idéia anterior de “severa
censura”, ou de instalação de procedimento de judicium, da caracterização de
infratores como “rebeldes” e da admoestação de Irmãos em conduta reprovável.
Assim coletamos:
Em “Das Obrigações de um Maçom Livre (The Charge of a
Free-Mason).
III- Das Lojas.
Dispõe que: “Antigamente nenhum Mestre ou Companheiro podia
ficar ausente da Loja, sobretudo quando avisado para comparecer, sem incorrer
em “uma severa censura”.
Registra este inciso, a “antiga”
existência de censura ao não comparecimento às Lojas.
VI- Da Conduta, a saber.
Discorre que: “o Irmão reconhecido culpado se submeterá ao
julgamento e à Decisão da Loja...” Instala-se a judicium causae”, é a ação
judicante da Loja.
Regulamentos Gerais
(General Regulations).
VIII- este inciso nomeia como “Rebeldes, até que se
humilhem” o Grupo ou Número de Maçons que formem uma Loja sem autorização do
Grão-Mestre.
IX- Será “admoestado por duas vezes pelo Mestre ou pelos
Vigilantes em Loja constituída”, Irmão que se conduza mal, e não se retratar
“reconhecendo sua imprudência”.
Pelo que coletamos e expomos comprova-se o já comentado: a
carência de sanções. Recebemos, entretanto, na redação do inciso XIX dos
regulamentos Gerais uma previsão: “Se o Grão-Mestre abusar de seu Poder, e se
tornar indigno de Obediência e de Sujeição das Lojas, será tratado de modo e
maneira que serão determinados por um novo Regulamento, porque até o presente a
antiga Fraternidade não teve oportunidade de o fazer”.
Tornou-se clara e evidente a intenção de se elaborar uma
nova Regulamentação.
Da Lacuna na Fonte do Direito
Diante da ausência de sanção, como componente essencial
integrante das normas jurídicas, nesta fonte do Direito Maçônico, buscamos
estabelecer a caracterização jurídica de seu conteúdo.
Em Reale, encontramos em sua exposição doutrinária, os
conceitos de modelo jurídico, e de modelo dogmático.
Os modelos jurídicos, explana o Mestre: “São conjuntos de
normas dotadas de estrutura, e que representam uma unidade de fins a serem
atingidos” São derivados da experiência jurídica e das conseqüências da
consciência normativa dos fatos sociais.
Disciplina a vida social e originam-se de Fontes próprias e
dotadas de especificidade.
É o modelo jurídico uma previsão, com uma ordenação lógica
de meios e propósitos, objetivando uma hierarquia de condutas e de
competências.
Porém deve ser, e é provido de sanções.
Já, os modelos dogmáticos “dizem o que os modelos jurídicos
significam na unidade do ordenamento e no processo histórico (de lege data),
mas também representam o modelo jurídico (de lege ferenda)”, são porém
destituídos de poder decisório.
São conseqüentemente ausentes de sanções.
Analisando os dois estatutos, as Obrigações, e os
Regulamentos Gerais, somos favoráveis a concluir que grande parte dos dispostos
na Fonte analisada, senão in totum, constituem-se em modelos dogmáticos, ou
ainda em ordenações de conduta, estritamente demonstrativos e necessários, por
força de princípios puramente racionais, e baseados nos princípios da Ordem e
da Hierarquia.
Bibliografia Consultada:
- Aslan, Nicola-História da Maçonaria, Editora
Espiritualista Ltda, Rio de Janeiro, 1959.
- Batalha, Wilson de Souza Campos – Introdução as Estudo do
Direito, 2ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1986.
- Cossio, Carlos-La valoración jurídica y la ciencia del
derecho. Editora Arayú, Buenos Aires 1954.
- Castellani, José; Rodrigues, Raimundo – Análise de
Constituição de Anderson, Ed. Maçônica “A Trolha” Ltda, 1ª Edição, Londrina,
1995.
- Diniz, Maria Helena – As Lacunas no Direito. Editora
Saraiva, 5ª Edição, São Paulo, 1999.
- Guimarães, João Nery – Constituição dos Francos-Maçons ou
Constituições de Anderson de 1723 (Reprodução) – Gráfica e Editora do Grande
Oriente do Brasil, Brasília, 1997.
- Kelsen, Hans – Teoria Pura do Direito. Editora Martins
Fontes , 2ª Edição. São Paulo, 1960.
- Oliveiros, Litrento – Curso de Filosofia do Direito.
Editora Forense, 2ª Edição. Rio de Janeiro, 1984.
- Reale, Miguel – Estudos de filosofia e Ciência do Direito.
Edição Saraiva. São Paulo, 1978
- Reale, Miguel – Filosofia do Direito. – Editora Saraiva.
11ª Edição, São Paulo, 1986.
*Carlos Alberto Baleeiro Beltrão é Mestre Maçom da A∴R∴L∴S∴Loja de Pesquisas Maçônicas
Quator Coronati do Brasil nº 2671, A∴R∴L∴S∴ Umuarama nº 1621, A∴R∴L∴S∴ 26 de Março nº 276.
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