Perspectiva Histórica da Transição da Maçonaria
Operativa para a Maçonaria Especulativa
Irmão José Garibaldi M∴M∴ Resp Loja Salvador Allende
Grande Oriente Lusitano (GOL) Lisboa - Portugal
O simples fato de se levantar a questão das origens da
Maçonaria especulativa e de se mencionar a ausência de filiação directa com
a Maçonaria operativa medieval como uma hipótese concebível, provocou em
diferentes meios e em diferentes estudos reacções abertamente hostis, algumas
delas chegando até à irracionalidade. Vários autores em diferentes
trabalhos, consideraram útil mencionar este debate, já dado como inevitável
e que, portanto, era preciso examinar, pelo menos, as teorias da substituição
e a teoria clássica da transição, julgadas igualmente dignas dentro da
Maçonaria.
Em 1947 dois grandes historiadores britânicos da
Maçonaria, Knoop e Jones, expressaram no prefácio da primeira edição da sua
principal obra, A Gênese da Maçonaria, o seguinte: “embora até agora tenha
sido habitual pensar a história da Maçonaria como uma questão totalmente
separada da história comum, justificando, assim, um tratamento especial, nós
achamos que se trata de um ramo da história social, do estudo de uma
determinada instituição social e das ideias que estruturam esta
instituição, e que se deve abordá-la e escrevê-la exatamente da mesma
maneira que a história de outras instituições sociais.”
Assim como a história de certas religiões e igrejas,
quando tratada com a objetividade às vezes dolorosa do historiador, leva a
conflitos com os que se recusam a olhar para a sua própria história, também
a “história secular” da Maçonaria não tem conseguido a adesão unânime dos
maçons. Durante mais de 15 anos, John Hamill no seu trabalho História da
Maçonaria Inglesa, publicado em 1994, após um profundo trabalho de revisão
do original The Craft, expressava claramente esta dificuldade: “Há, portanto,
dois tipos de abordagens para a história maçónica: a abordagem propriamente
dita, como “autêntica” ou científica, segundo a qual uma teoria se fundamenta
e é desenvolvida a partir de factos verificáveis ou de documentos, e uma
abordagem dita “não autêntica” que tenta colocar a Maçonaria no contexto das tradições do Mistério, procurando ligações entre os ensinamentos, a alegoria e o simbolismo da Maçonaria, por um lado, e as diferentes tradições esotéricas, por outro. A falta de alguns conhecimentos sobre o período das origens da Maçonaria e a diversidade de abordagens possíveis podem explicar a razão pela qual ainda é tão cativante este estudo. A descoberta das verdadeiras origens da Maçonaria é uma questão que permanece em aberto.”.
De todos os debates sobre a história da maçonaria, o que
remete às origens da Maçonaria especulativa é um dos mais fundamentais. Este
tema surgiu no início dos anos setenta, na Escócia, e em França através de
Roger Dachez com a divulgação de dois longos artigos publicados na revista
Renaissance Traditionnelle, em 1989.
Com esta perspectiva, impõem-se algumas considerações
sobre as origens da Maçonaria especulativa.
Vulgata Maçónica: a teoria da transição
A tese mais antiga e mais difundida é aquela que é
apresentada na maior parte das obras dedicadas à história da maçonaria,
partilhada espontaneamente por muitos maçons, não examinando, no entanto,
suficientemente a questão. É a teoria conhecida como transição.
Mesmo na rigorosa escola inglesa da Maçonaria, fundada no
final do século XIX por Gould e Hughan, ensinou-se durante muito tempo essa
teoria, tendo nas últimas décadas em Harry Carr o seu partidário mais
brilhante, o qual tem sobre os outros historiadores ingleses uma importante
posição de destaque intelectual. Esta teoria afirma que, ao sair da Idade
Média, a Maçonaria Operativa, que tinha então uma organização com lojas e
rituais, sofreu um certo declínio devido às mudanças económicas que
afectaram os ofícios ligados à construção civil.
Na Grã-Bretanha, e em particular na Escócia no final do
Renascimento, e mais particularmente durante o século XVII, produziu-se uma
transformação sensível da instituição. Estranhos ao ofício, que às vezes
ocupavam cargos importantes na sociedade civil e intelectuais – voluntários
dados à especulação alquimista de então, do neoplanismo nascido em Florença,
no século XV, e da tradição Rosacruz, difundida desde o início do século
XVII –fizeram a sua entrada nas Lojas que à época se encontravam quase
moribundas.
Estes Maçons Aceitos foram pouco a pouco aumentando de
número tendo a sua influência crescido ao ponto de se tornarem dominantes no
interior das Lojas, chegando, de alguma maneira, a eliminar os maçons
operativos, tornados dessa maneira em estranhos dentro de sua própria
instituição.
Esta Vulgata implica também algumas alternativas que, por
vezes, integram o que poderia ser chamado de Lendas complementares.
A primeira destas lendas, por exemplo, é a dos Mestres
Comacinos, pedreiros italianos misteriosos que, em virtude de isenções que
lhes foram concedidas pelo papa – e que justificariam assim a expressão maçon
franco, ou livre – teriam atravessado a Europa, divulgando os seus
conhecimentos de arquitetura, esotéricos e geométricos, e lançado as
primeiras sementes da Maçonaria especulativa. Embora esta descrição não tenha
qualquer base documental, por força de cópias consecutivas sem comprovação
das fontes, esta descrição transformou-se em lenda, adquirindo foros de
verdade.
Outra componente, muitas vezes confusa, mas muito viva na
teoria da transição, é a hipótese do companheirismo. Esta hipótese repousa
em grande parte numa confusão muito comum sobre a Maçonaria operativa, já
que esta poderia existir sob formas extremamente diversificadas na Europa,
desde a Idade Média e, particularmente, em França, Inglaterra e Alemanha, com
estatutos muito diferentes. A Guilda do Companheirismo propriamente dita,
organização de origem essencial e exclusivamente francesa durante muito
tempo, cujas origens históricas parecem remontar ao século XV, carece de
confirmação confiável anterior ao final do século XVIII.
Em todo caso, é importante ressaltar o facto de que a
Maçonaria Especulativa foi constituída sob condições ainda duvidosas,
durante o século XVII, em Inglaterra, e jamais conheceu ou teve pontos em
comum com a Guilda do Companheirismo, pelo menos no momento da sua fundação.
Que se possa alegar que são organizações vinculadas aos ofícios da
construção civil – mas não exclusivamente à Guilda de Companheiros – nas
semelhanças de formas e usos, não nos deve surpreender. Porém, seguindo um
princípio de todo historiador escrupuloso não nos devemos esquecer que
“comparação não é razão”.
Foi preciso esperar até aos anos setenta para que se
tivesse uma crítica decisiva e se fizesse avançar a teoria da transição.
Esse foi o trabalho de um notável investigador inglês, Eric Ward. A crítica
deste investigador assenta no sentido convencionalmente atribuído a algumas
das palavras-chave usadas pela teoria da transição. Alguns exemplos:
Maçon, Maçon Franco ou Livre. A origem e o significado da
palavra franco-maçon é um bom exemplo das ambiguidades exploradas pela teoria
clássica. Ward foi capaz de mostrar de forma conclusiva que, contrariamente a
todas as etimologias fantasiosas que ainda circulam hoje, a expressão
franco-maçon (freemason) não pertence à Idade Média, pois é uma formação
de duas palavras freestone mason – pedreiro (maçon) da pedra branca –
designando um trabalhador que trabalha efectivamente com uma determinada pedra
macia que se pode cortar e trabalhar de maneira muito detalhada.
Porém, se considerarmos os primeiros testemunhos relativos
aos pedreiros não operativos ingleses do século XVII, nota-se que estes
Maçons Aceitos são também indiferentemente designados pelas palavras Free
Masons, ou Free-Masons, com ou sem hífen, mas sempre com duas palavras.
Tudo indica que, a partir do final do século XVII e início
do XVIII, os termos Aceito e Franco são equivalentes para designar os Maçons
não operativos. Mas como observa Ward, freemason não é Free-Mason. A palavra
Free, em Free-Mason ou Free and Accepted (Maçon Livre e Aceito) refere-se ao
facto de que esses “novos” maçons são “livres” em relação ao Ofício, ou
seja, simplesmente estranhos à profissão. Em resumo, a identidade fonética e
a proximidade morfológica das palavras freemason (palavra muito antiga,
derivada do anglo-normando, e ligada à prática operativa) e Free-Mason, não nos devem fazer
esquecer a verdadeira dissimilaridade semântica, e não nos podem autorizar a
introduzir uma relação de parentesco entre homens de eras diferentes, os
quais traziam essas designações por razões muito distintas.
As lojas operativas inglesas
Outro problema é o facto de a Maçonaria especulativa ter
nascido em Inglaterra, no sentido exacto do termo. Não existe, porém,
qualquer documento que prove que pessoas estranhas à profissão tenham sido
admitidas nas lojas operativas inglesas. Por outro lado, a realidade das lojas
operativas, no sentido que podemos dar à palavra loja, à luz da maçonaria
especulativa – uma estrutura permanente, regular e controlando o Ofício em
todos os pontos do território, com rituais específicos – é um facto
problemático em Inglaterra, uma vez que não há qualquer vestígio histórico
disso. Além disso, e segundo o estudo de Knoop e Jones, O Maçon Medieval,
citado por vários autores, as raras lojas operativas permaneceram operativas
até ao seu desaparecimento.
A Loja de Chester, que era, de facto, operativa e
desenvolveu a sua acção em meados do século XVII, foi muito bem estudada
pelos historiadores ingleses. Teve uma existência efémera e é praticamente
um “hapax[1]” na história da maçonaria inglesa. Inclusive, no que diz
respeito à famosa Acception de Londres, do século XVII, erroneamente descrita
como uma loja, já que esse termo nunca aparece nos seus anais, e que também
erroneamente é citada como uma prova da transição especulativa, deve-se
dizer que ninguém sabe quem tomou a iniciativa de a fundar ou por que motivo.
Este círculo de lojas constituído à margem da Companhia de Maçons de
Londres foi a única guilda organizada conhecida em Inglaterra para o ofício
de pedreiro (maçon), e a sua autoridade nunca ultrapassou a cidade de Londres.
Historicamente, a Acception deixa dois documentos: em 1610
e, depois, em 1686, incluídos no relatório de Elias Ashmole. Não se conhece
qualquer outra estrutura comparável em Inglaterra, nesta época ou mesmo mais
tarde. Parece ter sido uma espécie de clube que recebia, de acordo com a
fórmula clássica de patrocínio muito conhecida também na Escócia,
personalidades e notáveis que se revelassem úteis para o Ofício.
Lembremo-nos, sobretudo, que os próprios operativos deviam ser admitidos no
seio da loja, já que não eram membros de direito. E embora a Companhia dos
Maçons de Londres tenha continuado até nossos dias, a Acception desapareceu
sem deixar descendência conhecida.
A hipótese do empréstimo
A partir da crítica a esta teoria, nasceu, no início da
década de setenta, o que pode ser chamado de contra-teoria. Essencialmente
negativa, não se propõe responder de forma positiva à questão das origens da
Maçonaria, mas sugere que a Maçonaria especulativa, contrariamente às
afirmações da teoria da transição, teria deliberadamente pedido
“emprestado” textos originais e práticas que pertenceram aos operativos, mas
de forma completamente independente, sem filiação direta ou autorização.
A Maçonaria especulativa, portanto, teria mantido desde a
sua fundação ligações puramente nominais ou, quando muito, laços
alegóricos com os construtores das catedrais. Deixando, até certo ponto, a
Maçonaria especulativa órfã da sua tradição fundadora, o questionamento
levantado por Ward levou os maçons ingleses a procurar um modelo de
substituição à teoria da transição, muito pouco operativa na sua
formulação clássica.
As múltiplas teorias
Diversos autores têm ultimamente formulado teorias
alternativas que possam racionalizar o conjunto de provas documentais
existentes relacionadas com o período histórico que envolve o nascimento da
Maçonaria especulativa, e que seja capaz de superar as objeções de Ward. Uma
das abordagens consiste na teoria política ligada aos acontecimentos da guerra
de 1640-1660 em Inglaterra, acompanhada de uma teoria religiosa que também
explorou o papel da caridade e da sociabilidade das primeiras sociedades de
ajuda mútua nascidas no século XVII entre os artesãos, além do papel
desempenhado pela dissolução das comunidades monásticas após a Reforma
inglesa de 1534.
A chave escocesa: David Stevenson, em The Origins of
Freemasonry
Em 1988, apareceram duas obras do investigador escocês
David Stevenson. Estas, por sua vez, trouxeram consigo uma completa revisão da
questão controversa das fontes da Maçonaria especulativa. Resumidamente,
Steveson sustenta que em 1598-1599, um alto funcionário da Coroa escocesa,
William Schaw, Supervisor Geral dos Maçons e Intendente dos Edifícios do Rei,
edita uma série de regulamentos que organizam, sobre novas bases, a profissão
de pedreiro na Escócia. Os Estatutos Schaw criam uma rede de lojas regionais
com jurisdição geograficamente definida, e dão a estas lojas, cujos
procedimentos operacionais foram bem definidos, a responsabilidade de dar aos
trabalhadores os dois graus da Profissão: Aprendiz-Iniciante (Entered-
Apprentice), atribuído após um aprendizagem simples que durava cerca de sete
anos, onde recebiam o grau que lhes permitia procurar livremente trabalho com
um Mestre, ou seja, com um empregador. O Companheiro de Ofício (Fellowcraft)
afirmava o total domínio da Profissão, mas, sobretudo, era-lhe permitido
postular a entrada na Guilda de Mestres, denominada Incorporation, distinta da
loja e uma organização puramente civil e política, que se apresentava como
uma espécie de sindicato de patrões, controlando, por sua vez, tanto o
Ofício quanto a Cidade.
Stevenson mostra que esta organização foi profundamente
inovadora e estrictamente escocesa. Nunca, nem na Escócia nem antes em
Inglaterra, havia existido tal sistema. Ao dotar a loja de um estatuto legal, e
ao definir o papel dos seus Oficiais (Wardens ou Vigilantes ou Diáconos), os
Estatutos Schaw representam o lançamento das bases estruturais que mais tarde
se transformariam, no resto da Escócia, na Maçonaria especulativa. A
principal contribuição de Stevenson para a origem da maçonaria especulativa
foi mostrar que, ao contrário da versão divulgada pelas teorias clássicas, o
fenómeno da Aceitação – tomando emprestada uma expressão puramente inglesa nunca usada na Escócia – conhecido por
permitir a substituição progressiva dos operativos pelos especulativos nas
lojas, nunca ocorreu na Escócia no século XVII.
Analisando cuidadosamente as listas de membros dessas lojas
e examinando a sua história ao longo de várias décadas, Stevenson mostra que
as lojas escocesas permaneceram essencialmente, e durante muito tempo, como
operativas. Importa também dizer, e este é provavelmente o aspecto mais
importante dos trabalhos de Stevenson, que a prática excepcional, mas
inegável, de receber nessas lojas como membros honorários pessoas estranhas
ao Ofício pode ter criado um contingente, embora provavelmente pequeno, de
“pedreiros livres”, podendo, dessa forma, transmitir a ideia de uma Maçonaria
aberta para que eles a transformassem em função dos seus próprios interesses
intelectuais. Portanto, é extremamente interessante ter em conta que Robert
Moray, um dos primeiros “especulativos” conhecidos da Maçonaria, foi recebido,
em 1640, numa loja temporária, constituída à margem de uma guerra, em
território inglês. Outro facto que deve ser registado é a existência da
enigmática Loja Warrington, igualmente temporária, que recebeu Ashmole seis
anos mais tarde, à margem da mesma guerra, situada muito ao norte da
Inglaterra.
A Escócia não inventou a Maçonaria especulativa. Criou,
sob a liderança de William Schaw, as estruturas de uma maçonaria operativa
bem organizada que servirá indiscutivelmente de modelo para a maçonaria
especulativa que se organizará no início do século XVIII. Fez,
especialmente, com que pedreiros não-operativos, que nunca tinham pertencido
ao Ofício, assegurassem que esta frágil construção pudesse ser usado para
além da “fronteira do norte” (Northern Border) e que, tendo colocado o pé em
solo inglês, pudesse espalhar-se. Desse modo pode-se compreender a razão
porque a maçonaria inglesa do século XVII é ao mesmo tempo especulativa.
Rumo a uma teoria sintética
Existem ainda muitas questões pendentes sobre este assunto
tão complexo. Ainda há muitos enigmas a serem desvendados e muitos pontos
ainda permanecem obscuros. O que pode ser dito é que actualmente estamos já
na posse de uma teoria sintética sobre as origens da Maçonaria especulativa.
Na Grã-Bretanha e no resto da Europa a Maçonaria operativa
desenvolveu-se num ambiente social pouco comunicante, estruturado
principalmente em torno de poderes locais, e numa época em que os órgãos de
poder, tal como os entendemos actualmente, não faziam qualquer sentido. Havia,
em Inglaterra, trabalhadores mais ou menos qualificados, experientes, chefes e
Mestres de Obra. Havia trabalhos que podiam ocupar a vida inteira de um
pedreiro, para quem o ofício se resumia à construção de uma catedral da
qual não havia visto ser colocada nem a primeira pedra e nem veria a sua
conclusão. E isso exigia, necessariamente, a transmissão dos conhecimentos
sobre as obras. Assim, os Companheiros, mais antigos, formavam os mais jovens,
os Aprendizes. Eram homens simples, analfabetos, não tinham sequer um sobrenome.
Havia lojas que davam apoio ao edifício em construção, onde se guardavam as
ferramentas, onde se descansava, onde se conversava sobre os problemas da obra
e os projetos do dia seguinte.
Para organizar os contingentes de pedreiros, escreviam-se
textos e regulamentos, e para dar significado ao trabalho destes homens,
procuravam-se nas antigas crónicas elementos para o que viria a ser uma
história dos Maçons. Sabe-se que o poema Regius foi escrito provavelmente por
um sacerdote do Priorado de Lanthony. É dele que constava o famoso ensinamento
das lojas operativas, além do conhecimento específico do exercício da
própria profissão, de forma natural e sem mistério. Havia também alguns
costumes, certas cerimónias de caráter religioso, como em tudo o que
acontecia na Europa da Idade Média. Um trabalhador de obras jurava perante a
Bíblia respeitar a Deus, à Santa Igreja, ao seu Rei e ao Mestre da obra.
Eis tudo o que é conhecido das lojas operativas inglesas da
Idade Média, ou seja, pedreiros que trabalhavam e viviam como pedreiros em
construções que duravam anos, mesmo décadas. Isso é tudo o que se sabe,
porque provavelmente é tudo o que há para se saber. A hipótese de uma rede
desconhecida de lojas iniciáticas e secretas, cuja existência e ensinamentos
teriam escapado aos olhos do historiador é absolutamente insustentável, pelo
menos quando à investigação histórica diz respeito.
A partir dos século XV, e sobretudo no século XVI, em
função da Reforma, o Ofício sofreu profundas transformações: os pedreiros
passaram a estar cada vez mais ao serviço da nobreza e burguesia nascente,
trabalhando sozinhos ou com outros companheiros. O patrão agora era chamado de
Mestre. A loja não tinha mais razão de ser, pois o novo tipo de construções
não a tornava necessária. Isso explica a razão por que as lojas operativas
não deixaram quaisquer vestígios em Inglaterra, porque não existiam. Na
ausência de qualquer tipo de protecção social, pelo menos fora da Igreja, em
toda a Europa, em todos os burgos, em todas as cidades, em todos os ofícios –
não só o dos pedreiros – desenvolveu-se mais a solidariedades natural, muitas
vezes centradas numa profissão ou grupo social, e que se supõe ter sido a
base das irmandades, cujo objetivo principal era a assistência mútua.
Mantinha-se um fundo financeiro comum e assim podia-se conseguir um enterro
digno e apoiar, até certo ponto, a viúva e os filhos, ou procurar emprego
para aqueles que estavam temporariamente privados dele.
Em Londres, no século XVII, a poderosa Companhia dos
Maçons, acolhia benfeitores escolhidos entre os notáveis da cidade, visando
enriquecer o seu fundo de ajuda. Essas irmandades municipais ainda existem, e
algumas delas não mudaram a sua vocação original: não eram Operativas e, no
entanto, não se tornaram especulativas, pois essa seria uma mudança muito
radical. Ainda em Londres, no início do século XVIII, pouco antes da primeira
reunião da primeira Grande Loja, existiam algumas lojas – havia apenas quatro
em 1717 – cuja composição e atividade parecem corresponder em muitos aspectos
a alguma atividade mutualista e caritativa. Ignora-se, porém, que rituais
utilizavam ou seguiam as diferentes lojas. Tudo leva a crer que eram muito
simples, como a loja onde Elias Ashmole foi iniciado e fez o seu juramento,
ouvindo a leitura de um manuscrito dos Antigos Deveres.
Nessa época, tanto nas Ilhas Britânicas como em todo o
continente, certas personalidades eram essenciais na vida social. Muitos
eventos sociais eram ritualizados, muitas vezes com uma evidente conotação religiosa. Assim, os pedreiros
escoceses recebiam os Aprendizes e Companheiros com a ajuda de um ritual,
embora muito rudimentar, no qual prometiam proteger os segredos do
reconhecimento. Além disso, estas lojas garantiam o privilégio de emprego e a
proteção da ajuda mútua aos pedreiros devidamente registrados, e não aos
Cowans, como se designavam na Escócia os pedreiros independentes, ou aqueles
que não estavam filiados em qualquer loja. Embora com uma função
utilitária, todo o segredo se justificava, e era essencial num país onde a
vida era difícil e o emprego extremamente raro. Alguns dos Cavalheiros
Maçons, sensíveis ao eco do neoplatonismo renascentista e às proclamações
misteriosas dos primeiros manifestos Rosacruzes, na segunda década do século
XVII, reuniam-se nestas lojas para fazer delas o objecto dos seus trabalhos e
pesquisas. Por uma questão de discrição, pelo gosto do mistério, pela
sedução dos rituais estranhos e antigos que haviam conhecido, talvez tenham
decidido agrupar-se tomando emprestadas as formas simbólicas e rituais dos
pedreiros escoceses. Esta era a situação na Escócia e também no norte da
Inglaterra, como mostra o caso Ashmole, em meados de final do século XVII.
Como se deve, então, explicar o aparecimento em princípios
do século XVIII, em Londres, quase saída do nada documental, uma Maçonaria
não operativa, que já não estava ligada à profissão de pedreiro, mas
organizada em padrões muito próximos dos padrões da Maçonaria Escocesa? O elo
perdido continua por encontrar. E, por isso, encontram-se maçons livres, sem
lojas, como Ashmole e Moray, de ascendência escocesa e de lojas livres, como a
Masonry inglesa descrita no final do século XVII por Robert Plot. E também
por isso se mantém a crise da transição e cada uma das maçonarias, a
operativa e a especulativa continuam a sofrer de um sentimento de exílio.
Referências:
Carr, H (1976). Six hundred years of craft ritual.
https://www.freemasonry.bcy.ca/history/600_years.pdf
Hamill, J (1986). The Craft: a history of english
freemasonary. Crucible.
Stevenson, D (1990). The origins of freemasonery. Cambridge
University Press.
Ward, E (1978). The birth of free-masonary. The creation of
a myth. https://www.freemasonry.bcy.ca/aqc/birth.html
Fonte: JB News – Informativo nr. 2.086
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