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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

PERSPECTIVA HISTÓRICA

Perspectiva Histórica da Transição da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa
Irmão José Garibaldi M∴M∴ Resp Loja Salvador Allende
Grande Oriente Lusitano (GOL) Lisboa - Portugal

O simples fato de se levantar a questão das origens da Maçonaria especulativa e de se mencionar a ausência de filiação directa com a Maçonaria operativa medieval como uma hipótese concebível, provocou em diferentes meios e em diferentes estudos reacções abertamente hostis, algumas delas chegando até à irracionalidade. Vários autores em diferentes trabalhos, consideraram útil mencionar este debate, já dado como inevitável e que, portanto, era preciso examinar, pelo menos, as teorias da substituição e a teoria clássica da transição, julgadas igualmente dignas dentro da Maçonaria.

Em 1947 dois grandes historiadores britânicos da Maçonaria, Knoop e Jones, expressaram no prefácio da primeira edição da sua principal obra, A Gênese da Maçonaria, o seguinte: “embora até agora tenha sido habitual pensar a história da Maçonaria como uma questão totalmente separada da história comum, justificando, assim, um tratamento especial, nós achamos que se trata de um ramo da história social, do estudo de uma determinada instituição social e das ideias que estruturam esta instituição, e que se deve abordá-la e escrevê-la exatamente da mesma maneira que a história de outras instituições sociais.”

Assim como a história de certas religiões e igrejas, quando tratada com a objetividade às vezes dolorosa do historiador, leva a conflitos com os que se recusam a olhar para a sua própria história, também a “história secular” da Maçonaria não tem conseguido a adesão unânime dos maçons. Durante mais de 15 anos, John Hamill no seu trabalho História da Maçonaria Inglesa, publicado em 1994, após um profundo trabalho de revisão do original The Craft, expressava claramente esta dificuldade: “Há, portanto, dois tipos de abordagens para a história maçónica: a abordagem propriamente dita, como “autêntica” ou científica, segundo a qual uma teoria se fundamenta e é desenvolvida a partir de factos verificáveis ou de documentos, e uma abordagem dita “não autêntica” que tenta colocar a Maçonaria no contexto das tradições do Mistério, procurando ligações entre os ensinamentos, a alegoria e o simbolismo da Maçonaria, por um lado, e as diferentes tradições esotéricas, por outro. A falta de alguns conhecimentos sobre o período das origens da Maçonaria e a diversidade de abordagens possíveis podem explicar a razão pela qual ainda é tão cativante este estudo. A descoberta das verdadeiras origens da Maçonaria é uma questão que permanece em aberto.”.

De todos os debates sobre a história da maçonaria, o que remete às origens da Maçonaria especulativa é um dos mais fundamentais. Este tema surgiu no início dos anos setenta, na Escócia, e em França através de Roger Dachez com a divulgação de dois longos artigos publicados na revista Renaissance Traditionnelle, em 1989.

Com esta perspectiva, impõem-se algumas considerações sobre as origens da Maçonaria especulativa.
Vulgata Maçónica: a teoria da transição

A tese mais antiga e mais difundida é aquela que é apresentada na maior parte das obras dedicadas à história da maçonaria, partilhada espontaneamente por muitos maçons, não examinando, no entanto, suficientemente a questão. É a teoria conhecida como transição.

Mesmo na rigorosa escola inglesa da Maçonaria, fundada no final do século XIX por Gould e Hughan, ensinou-se durante muito tempo essa teoria, tendo nas últimas décadas em Harry Carr o seu partidário mais brilhante, o qual tem sobre os outros historiadores ingleses uma importante posição de destaque intelectual. Esta teoria afirma que, ao sair da Idade Média, a Maçonaria Operativa, que tinha então uma organização com lojas e rituais, sofreu um certo declínio devido às mudanças económicas que afectaram os ofícios ligados à construção civil.

Na Grã-Bretanha, e em particular na Escócia no final do Renascimento, e mais particularmente durante o século XVII, produziu-se uma transformação sensível da instituição. Estranhos ao ofício, que às vezes ocupavam cargos importantes na sociedade civil e intelectuais – voluntários dados à especulação alquimista de então, do neoplanismo nascido em Florença, no século XV, e da tradição Rosacruz, difundida desde o início do século XVII –fizeram a sua entrada nas Lojas que à época se encontravam quase moribundas.

Estes Maçons Aceitos foram pouco a pouco aumentando de número tendo a sua influência crescido ao ponto de se tornarem dominantes no interior das Lojas, chegando, de alguma maneira, a eliminar os maçons operativos, tornados dessa maneira em estranhos dentro de sua própria instituição.

Esta Vulgata implica também algumas alternativas que, por vezes, integram o que poderia ser chamado de Lendas complementares.

A primeira destas lendas, por exemplo, é a dos Mestres Comacinos, pedreiros italianos misteriosos que, em virtude de isenções que lhes foram concedidas pelo papa – e que justificariam assim a expressão maçon franco, ou livre – teriam atravessado a Europa, divulgando os seus conhecimentos de arquitetura, esotéricos e geométricos, e lançado as primeiras sementes da Maçonaria especulativa. Embora esta descrição não tenha qualquer base documental, por força de cópias consecutivas sem comprovação das fontes, esta descrição transformou-se em lenda, adquirindo foros de verdade.

Outra componente, muitas vezes confusa, mas muito viva na teoria da transição, é a hipótese do companheirismo. Esta hipótese repousa em grande parte numa confusão muito comum sobre a Maçonaria operativa, já que esta poderia existir sob formas extremamente diversificadas na Europa, desde a Idade Média e, particularmente, em França, Inglaterra e Alemanha, com estatutos muito diferentes. A Guilda do Companheirismo propriamente dita, organização de origem essencial e exclusivamente francesa durante muito tempo, cujas origens históricas parecem remontar ao século XV, carece de confirmação confiável anterior ao final do século XVIII.

Em todo caso, é importante ressaltar o facto de que a Maçonaria Especulativa foi constituída sob condições ainda duvidosas, durante o século XVII, em Inglaterra, e jamais conheceu ou teve pontos em comum com a Guilda do Companheirismo, pelo menos no momento da sua fundação. Que se possa alegar que são organizações vinculadas aos ofícios da construção civil – mas não exclusivamente à Guilda de Companheiros – nas semelhanças de formas e usos, não nos deve surpreender. Porém, seguindo um princípio de todo historiador escrupuloso não nos devemos esquecer que “comparação não é razão”.

Foi preciso esperar até aos anos setenta para que se tivesse uma crítica decisiva e se fizesse avançar a teoria da transição. Esse foi o trabalho de um notável investigador inglês, Eric Ward. A crítica deste investigador assenta no sentido convencionalmente atribuído a algumas das palavras-chave usadas pela teoria da transição. Alguns exemplos:

Maçon, Maçon Franco ou Livre. A origem e o significado da palavra franco-maçon é um bom exemplo das ambiguidades exploradas pela teoria clássica. Ward foi capaz de mostrar de forma conclusiva que, contrariamente a todas as etimologias fantasiosas que ainda circulam hoje, a expressão franco-maçon (freemason) não pertence à Idade Média, pois é uma formação de duas palavras freestone mason – pedreiro (maçon) da pedra branca – designando um trabalhador que trabalha efectivamente com uma determinada pedra macia que se pode cortar e trabalhar de maneira muito detalhada.

Porém, se considerarmos os primeiros testemunhos relativos aos pedreiros não operativos ingleses do século XVII, nota-se que estes Maçons Aceitos são também indiferentemente designados pelas palavras Free Masons, ou Free-Masons, com ou sem hífen, mas sempre com duas palavras.

Tudo indica que, a partir do final do século XVII e início do XVIII, os termos Aceito e Franco são equivalentes para designar os Maçons não operativos. Mas como observa Ward, freemason não é Free-Mason. A palavra Free, em Free-Mason ou Free and Accepted (Maçon Livre e Aceito) refere-se ao facto de que esses “novos” maçons são “livres” em relação ao Ofício, ou seja, simplesmente estranhos à profissão. Em resumo, a identidade fonética e a proximidade morfológica das palavras freemason (palavra muito antiga, derivada do anglo-normando, e ligada à prática operativa) e Free-Mason, não nos devem fazer esquecer a verdadeira dissimilaridade semântica, e não nos podem autorizar a introduzir uma relação de parentesco entre homens de eras diferentes, os quais traziam essas designações por razões muito distintas.

As lojas operativas inglesas
Outro problema é o facto de a Maçonaria especulativa ter nascido em Inglaterra, no sentido exacto do termo. Não existe, porém, qualquer documento que prove que pessoas estranhas à profissão tenham sido admitidas nas lojas operativas inglesas. Por outro lado, a realidade das lojas operativas, no sentido que podemos dar à palavra loja, à luz da maçonaria especulativa – uma estrutura permanente, regular e controlando o Ofício em todos os pontos do território, com rituais específicos – é um facto problemático em Inglaterra, uma vez que não há qualquer vestígio histórico disso. Além disso, e segundo o estudo de Knoop e Jones, O Maçon Medieval, citado por vários autores, as raras lojas operativas permaneceram operativas até ao seu desaparecimento.

A Loja de Chester, que era, de facto, operativa e desenvolveu a sua acção em meados do século XVII, foi muito bem estudada pelos historiadores ingleses. Teve uma existência efémera e é praticamente um “hapax[1]” na história da maçonaria inglesa. Inclusive, no que diz respeito à famosa Acception de Londres, do século XVII, erroneamente descrita como uma loja, já que esse termo nunca aparece nos seus anais, e que também erroneamente é citada como uma prova da transição especulativa, deve-se dizer que ninguém sabe quem tomou a iniciativa de a fundar ou por que motivo. Este círculo de lojas constituído à margem da Companhia de Maçons de Londres foi a única guilda organizada conhecida em Inglaterra para o ofício de pedreiro (maçon), e a sua autoridade nunca ultrapassou a cidade de Londres.

Historicamente, a Acception deixa dois documentos: em 1610 e, depois, em 1686, incluídos no relatório de Elias Ashmole. Não se conhece qualquer outra estrutura comparável em Inglaterra, nesta época ou mesmo mais tarde. Parece ter sido uma espécie de clube que recebia, de acordo com a fórmula clássica de patrocínio muito conhecida também na Escócia, personalidades e notáveis que se revelassem úteis para o Ofício. Lembremo-nos, sobretudo, que os próprios operativos deviam ser admitidos no seio da loja, já que não eram membros de direito. E embora a Companhia dos Maçons de Londres tenha continuado até nossos dias, a Acception desapareceu sem deixar descendência conhecida.

A hipótese do empréstimo
A partir da crítica a esta teoria, nasceu, no início da década de setenta, o que pode ser chamado de contra-teoria. Essencialmente negativa, não se propõe responder de forma positiva à questão das origens da Maçonaria, mas sugere que a Maçonaria especulativa, contrariamente às afirmações da teoria da transição, teria deliberadamente pedido “emprestado” textos originais e práticas que pertenceram aos operativos, mas de forma completamente independente, sem filiação direta ou autorização.

A Maçonaria especulativa, portanto, teria mantido desde a sua fundação ligações puramente nominais ou, quando muito, laços alegóricos com os construtores das catedrais. Deixando, até certo ponto, a Maçonaria especulativa órfã da sua tradição fundadora, o questionamento levantado por Ward levou os maçons ingleses a procurar um modelo de substituição à teoria da transição, muito pouco operativa na sua formulação clássica.

As múltiplas teorias
Diversos autores têm ultimamente formulado teorias alternativas que possam racionalizar o conjunto de provas documentais existentes relacionadas com o período histórico que envolve o nascimento da Maçonaria especulativa, e que seja capaz de superar as objeções de Ward. Uma das abordagens consiste na teoria política ligada aos acontecimentos da guerra de 1640-1660 em Inglaterra, acompanhada de uma teoria religiosa que também explorou o papel da caridade e da sociabilidade das primeiras sociedades de ajuda mútua nascidas no século XVII entre os artesãos, além do papel desempenhado pela dissolução das comunidades monásticas após a Reforma inglesa de 1534.

A chave escocesa: David Stevenson, em The Origins of Freemasonry
Em 1988, apareceram duas obras do investigador escocês David Stevenson. Estas, por sua vez, trouxeram consigo uma completa revisão da questão controversa das fontes da Maçonaria especulativa. Resumidamente, Steveson sustenta que em 1598-1599, um alto funcionário da Coroa escocesa, William Schaw, Supervisor Geral dos Maçons e Intendente dos Edifícios do Rei, edita uma série de regulamentos que organizam, sobre novas bases, a profissão de pedreiro na Escócia. Os Estatutos Schaw criam uma rede de lojas regionais com jurisdição geograficamente definida, e dão a estas lojas, cujos procedimentos operacionais foram bem definidos, a responsabilidade de dar aos trabalhadores os dois graus da Profissão: Aprendiz-Iniciante (Entered- Apprentice), atribuído após um aprendizagem simples que durava cerca de sete anos, onde recebiam o grau que lhes permitia procurar livremente trabalho com um Mestre, ou seja, com um empregador. O Companheiro de Ofício (Fellowcraft) afirmava o total domínio da Profissão, mas, sobretudo, era-lhe permitido postular a entrada na Guilda de Mestres, denominada Incorporation, distinta da loja e uma organização puramente civil e política, que se apresentava como uma espécie de sindicato de patrões, controlando, por sua vez, tanto o Ofício quanto a Cidade.

Stevenson mostra que esta organização foi profundamente inovadora e estrictamente escocesa. Nunca, nem na Escócia nem antes em Inglaterra, havia existido tal sistema. Ao dotar a loja de um estatuto legal, e ao definir o papel dos seus Oficiais (Wardens ou Vigilantes ou Diáconos), os Estatutos Schaw representam o lançamento das bases estruturais que mais tarde se transformariam, no resto da Escócia, na Maçonaria especulativa. A principal contribuição de Stevenson para a origem da maçonaria especulativa foi mostrar que, ao contrário da versão divulgada pelas teorias clássicas, o fenómeno da Aceitação – tomando emprestada uma expressão puramente inglesa nunca usada na Escócia – conhecido por permitir a substituição progressiva dos operativos pelos especulativos nas lojas, nunca ocorreu na Escócia no século XVII.

Analisando cuidadosamente as listas de membros dessas lojas e examinando a sua história ao longo de várias décadas, Stevenson mostra que as lojas escocesas permaneceram essencialmente, e durante muito tempo, como operativas. Importa também dizer, e este é provavelmente o aspecto mais importante dos trabalhos de Stevenson, que a prática excepcional, mas inegável, de receber nessas lojas como membros honorários pessoas estranhas ao Ofício pode ter criado um contingente, embora provavelmente pequeno, de “pedreiros livres”, podendo, dessa forma, transmitir a ideia de uma Maçonaria aberta para que eles a transformassem em função dos seus próprios interesses intelectuais. Portanto, é extremamente interessante ter em conta que Robert Moray, um dos primeiros “especulativos” conhecidos da Maçonaria, foi recebido, em 1640, numa loja temporária, constituída à margem de uma guerra, em território inglês. Outro facto que deve ser registado é a existência da enigmática Loja Warrington, igualmente temporária, que recebeu Ashmole seis anos mais tarde, à margem da mesma guerra, situada muito ao norte da Inglaterra.

A Escócia não inventou a Maçonaria especulativa. Criou, sob a liderança de William Schaw, as estruturas de uma maçonaria operativa bem organizada que servirá indiscutivelmente de modelo para a maçonaria especulativa que se organizará no início do século XVIII. Fez, especialmente, com que pedreiros não-operativos, que nunca tinham pertencido ao Ofício, assegurassem que esta frágil construção pudesse ser usado para além da “fronteira do norte” (Northern Border) e que, tendo colocado o pé em solo inglês, pudesse espalhar-se. Desse modo pode-se compreender a razão porque a maçonaria inglesa do século XVII é ao mesmo tempo especulativa.

Rumo a uma teoria sintética
Existem ainda muitas questões pendentes sobre este assunto tão complexo. Ainda há muitos enigmas a serem desvendados e muitos pontos ainda permanecem obscuros. O que pode ser dito é que actualmente estamos já na posse de uma teoria sintética sobre as origens da Maçonaria especulativa.

Na Grã-Bretanha e no resto da Europa a Maçonaria operativa desenvolveu-se num ambiente social pouco comunicante, estruturado principalmente em torno de poderes locais, e numa época em que os órgãos de poder, tal como os entendemos actualmente, não faziam qualquer sentido. Havia, em Inglaterra, trabalhadores mais ou menos qualificados, experientes, chefes e Mestres de Obra. Havia trabalhos que podiam ocupar a vida inteira de um pedreiro, para quem o ofício se resumia à construção de uma catedral da qual não havia visto ser colocada nem a primeira pedra e nem veria a sua conclusão. E isso exigia, necessariamente, a transmissão dos conhecimentos sobre as obras. Assim, os Companheiros, mais antigos, formavam os mais jovens, os Aprendizes. Eram homens simples, analfabetos, não tinham sequer um sobrenome. Havia lojas que davam apoio ao edifício em construção, onde se guardavam as ferramentas, onde se descansava, onde se conversava sobre os problemas da obra e os projetos do dia seguinte.

Para organizar os contingentes de pedreiros, escreviam-se textos e regulamentos, e para dar significado ao trabalho destes homens, procuravam-se nas antigas crónicas elementos para o que viria a ser uma história dos Maçons. Sabe-se que o poema Regius foi escrito provavelmente por um sacerdote do Priorado de Lanthony. É dele que constava o famoso ensinamento das lojas operativas, além do conhecimento específico do exercício da própria profissão, de forma natural e sem mistério. Havia também alguns costumes, certas cerimónias de caráter religioso, como em tudo o que acontecia na Europa da Idade Média. Um trabalhador de obras jurava perante a Bíblia respeitar a Deus, à Santa Igreja, ao seu Rei e ao Mestre da obra.

Eis tudo o que é conhecido das lojas operativas inglesas da Idade Média, ou seja, pedreiros que trabalhavam e viviam como pedreiros em construções que duravam anos, mesmo décadas. Isso é tudo o que se sabe, porque provavelmente é tudo o que há para se saber. A hipótese de uma rede desconhecida de lojas iniciáticas e secretas, cuja existência e ensinamentos teriam escapado aos olhos do historiador é absolutamente insustentável, pelo menos quando à investigação histórica diz respeito.

A partir dos século XV, e sobretudo no século XVI, em função da Reforma, o Ofício sofreu profundas transformações: os pedreiros passaram a estar cada vez mais ao serviço da nobreza e burguesia nascente, trabalhando sozinhos ou com outros companheiros. O patrão agora era chamado de Mestre. A loja não tinha mais razão de ser, pois o novo tipo de construções não a tornava necessária. Isso explica a razão por que as lojas operativas não deixaram quaisquer vestígios em Inglaterra, porque não existiam. Na ausência de qualquer tipo de protecção social, pelo menos fora da Igreja, em toda a Europa, em todos os burgos, em todas as cidades, em todos os ofícios – não só o dos pedreiros – desenvolveu-se mais a solidariedades natural, muitas vezes centradas numa profissão ou grupo social, e que se supõe ter sido a base das irmandades, cujo objetivo principal era a assistência mútua. Mantinha-se um fundo financeiro comum e assim podia-se conseguir um enterro digno e apoiar, até certo ponto, a viúva e os filhos, ou procurar emprego para aqueles que estavam temporariamente privados dele.

Em Londres, no século XVII, a poderosa Companhia dos Maçons, acolhia benfeitores escolhidos entre os notáveis da cidade, visando enriquecer o seu fundo de ajuda. Essas irmandades municipais ainda existem, e algumas delas não mudaram a sua vocação original: não eram Operativas e, no entanto, não se tornaram especulativas, pois essa seria uma mudança muito radical. Ainda em Londres, no início do século XVIII, pouco antes da primeira reunião da primeira Grande Loja, existiam algumas lojas – havia apenas quatro em 1717 – cuja composição e atividade parecem corresponder em muitos aspectos a alguma atividade mutualista e caritativa. Ignora-se, porém, que rituais utilizavam ou seguiam as diferentes lojas. Tudo leva a crer que eram muito simples, como a loja onde Elias Ashmole foi iniciado e fez o seu juramento, ouvindo a leitura de um manuscrito dos Antigos Deveres. 

Nessa época, tanto nas Ilhas Britânicas como em todo o continente, certas personalidades eram essenciais na vida social. Muitos eventos sociais eram ritualizados, muitas vezes com uma evidente conotação religiosa. Assim, os pedreiros escoceses recebiam os Aprendizes e Companheiros com a ajuda de um ritual, embora muito rudimentar, no qual prometiam proteger os segredos do reconhecimento. Além disso, estas lojas garantiam o privilégio de emprego e a proteção da ajuda mútua aos pedreiros devidamente registrados, e não aos Cowans, como se designavam na Escócia os pedreiros independentes, ou aqueles que não estavam filiados em qualquer loja. Embora com uma função utilitária, todo o segredo se justificava, e era essencial num país onde a vida era difícil e o emprego extremamente raro. Alguns dos Cavalheiros Maçons, sensíveis ao eco do neoplatonismo renascentista e às proclamações misteriosas dos primeiros manifestos Rosacruzes, na segunda década do século XVII, reuniam-se nestas lojas para fazer delas o objecto dos seus trabalhos e pesquisas. Por uma questão de discrição, pelo gosto do mistério, pela sedução dos rituais estranhos e antigos que haviam conhecido, talvez tenham decidido agrupar-se tomando emprestadas as formas simbólicas e rituais dos pedreiros escoceses. Esta era a situação na Escócia e também no norte da Inglaterra, como mostra o caso Ashmole, em meados de final do século XVII.

Como se deve, então, explicar o aparecimento em princípios do século XVIII, em Londres, quase saída do nada documental, uma Maçonaria não operativa, que já não estava ligada à profissão de pedreiro, mas organizada em padrões muito próximos dos padrões da Maçonaria Escocesa? O elo perdido continua por encontrar. E, por isso, encontram-se maçons livres, sem lojas, como Ashmole e Moray, de ascendência escocesa e de lojas livres, como a Masonry inglesa descrita no final do século XVII por Robert Plot. E também por isso se mantém a crise da transição e cada uma das maçonarias, a operativa e a especulativa continuam a sofrer de um sentimento de exílio.

Referências:
Carr, H (1976). Six hundred years of craft ritual.
https://www.freemasonry.bcy.ca/history/600_years.pdf
Hamill, J (1986). The Craft: a history of english freemasonary. Crucible.
Stevenson, D (1990). The origins of freemasonery. Cambridge University Press.
Ward, E (1978). The birth of free-masonary. The creation of a myth. https://www.freemasonry.bcy.ca/aqc/birth.html

Fonte: JB News – Informativo nr. 2.086

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