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quinta-feira, 13 de maio de 2021

A MAÇONARIA PAULISTA E A ESCRAVIDÃO

A MAÇONARIA PAULISTA E A ESCRAVIDÃO
Carlos Nobre

Os movimentos negros brasileiros jamais aceitaram – com certa razão - a versão segundo a qual a Princesa Isabel fora a redentora dos escravos ao assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.

Em geral, os militantes da causa negra ficam obtusos em relação ao processo abolicionista que contou com a participação decisiva de intelectuais urbanos negros e brancos, que fundamentaram ações, que, mais tarde, também iriam influenciar as lutas sociais brasileiras.

Tal como no século XIX, quando, durante 90 anos, o tema abolição impregnou todos os setores da sociedade brasileira, hoje também o emprego das ações afirmativas, cotas raciais, diversidade nas empresas e revisão dos direitos de minorias causam polêmica, revelando por conseguinte que determinados setores da inteligência reagem conservadoramente em relação à ascensão do negro para as camadas bem-sucedidas da população brasileira, sob argumentos mais pífios possíveis.

No entanto, no século XIX, parte significativa da elite intelectual urbana - principalmente àquela ligada às lojas maçônicas paulistas - deram um exemplo de atuação social-libertária que ainda é pouco conhecida ou estudada.

Apesar de o processo abolicionista ter conquistado boa parte da maçonaria brasileira do século XIX, foram quatro lojas paulistas ( América, Amizade, Piratininga e Perseverança) que fundamentaram um exemplo de militância, responsabilidade social e de luta pelo estabelecimento dos direitos civis.

Para se ter uma idéia, na loja “América”, em meados do século XIX, lutaram pela abolição, na mesma época: Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Silva Jardim, Luiz Gama, Julio Ribeiro, Bernardino de Meneses e possivelmente Castro Alves, entre outros nomes famosos.

Nesta loja, Ruy Barbosa apresentou um famoso projeto maçônico proibindo a iniciação de escravocratas, e ao mesmo tempo, enfrentou a ira dos “ irmãos” que eram donos de escravos. Esse mesmo projeto criava um fundo especial para libertar escravas do sexo feminino.

A Loja Piratininga já nasceu ( em 28 de agosto de 1850) exigindo que os candidatos a maçom não fossem escravocratas como esta decisão fosse uma palavra de ordem a ser incorporada dali para frente por todos maçons paulistas da época. A loja ainda criou fundos especiais destinados a libertação de escravos, criação de escolas e de jornais destinados a apregoar a abolição.

Os mesmos passos foram seguidos pela loja Perseverança, de Sorocaba, e Amizade, da capital paulista. Elas, na mesma época, com as demais, formavam ume espécie de “quadrado maçônico” onde a abolição e atuações civis eram os principais instrumentos de propaganda maçônica e do ideal republicano.

Os abolicionistas dessas lojas , em geral, eram oriundos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, que estavam atentos às mudanças sociais advindas das transformações ocorridas na Europa.

Ao mesmo tempo, em sintonia com a chegada do capital, estes abolicionistas chegaram a ponto de criar um quilombo, o de Jabaquara, em Santos, para abrigar os escravos que eles ajudavam a fugir da escravidão. Em 1887, este quilombo abrigava 10 mil quilombolas.

Um maçom branco se destaca na organização deste quilombo: o juiz Antonio Bento. Filho de classe média urbana paulista, Antonio Bento, maçom da Loja Piratininga, diante do túmulo de Luiz Gama, um maçom negro libertário ( talvez o maior de todos abolicionistas), jura continuar sua luta em prol da libertação dos escravos.

Para tal empreendimento, ele organiza o grupo “Caifazes”, integrado por maçons e quadros da classe media e da classe popular dispostos de libertar quem ainda vivia sob os grilhões. O grupo organiza o quilombo de Jabaquara e, ao final, em 1888, triunfa, com a decretação formal do fim da escravidão, pois, cerca de 80% dos negros no Brasil, na época, já estavam livres do trabalho escravo.

Ao prender algemar o jogador argentino Desabato – um episódio de repercussão internacional, pois, até então, nunca houvera tal fato na sociedade brasileira contemporânea – por ofensas raciais ao jogador sãopaulino Grafite-, os paulistanos inauguraram uma forma nova do relacionamento entre racismo e a lei. Talvez, até, estivessem sendo influenciados por este passado brilhante em defesa dos direitos elementares da cidadania negra, a partir dos exemplos das lojas maçônicas paulistas do século XIX.

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