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terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O DIA DO FICO

O FICO. A VIBRAÇÃO DO PATRIOTISMO BRASILEIRO

"Amanheceu, enfim, aquele majestoso dia (9 de janeiro)” narra Meio Morais, "e, logo pela manhã, reuniam-se os bons homens desta cidade nas salas das sessões do Senado da Câmara, que era então no consistório da Igreja do Rosário que servia de Sé. As 9 horas da manhã já o povo era muito, e cobria as ruas e os largos imediatos ao consistório.

"Às 11 desceu a Câmara Municipal, composta naquele dia dos membros que sairam e dos membros que entravam, e com o estandarte em frente, sob a presidência de José Clemente Pereira.

"O préstito era numeroso; todos em grande gala (vestidos com uniforme, capa e volta, informa, José Clemente), cabeça descoberta, em duas alas, foram descendo pela rua do Ouvidor, em passo Iento, até ao Paço da cidade, onde o príncipe real tinha determinado receber aquela importante representação feita por modo tão solene, e até então desconhecido no Brasil. Até hoje não se fez outra igual." (Brasil Reino, Brasil Império).

D. Pedro recebeu a delegação na sala do trono, que ficou apinhada de gente. Era o ato culminante de nossa História.

Foram trocados os cumprimentos protocolares. As pessoas de maior realce na Maçonaria lá estavam, ou melhor, os promotores, os propulsores do movimento, sem exceção, eram maçons".

O DISCURSO DE JOSÉ CLEMENTE PEREIRA

Em meio do nervosismo dos assistentes; a vibraram de patriotismo, o maçom José Clemente Pereira, leu um discurso de que reproduzimos uns trechos:

"Senhor – A saida de V. A. Real dos Estados do Brasil será o fatal decreto que sancione a Independência deste Reino. Exige, portanto, a salvação da pátria, que V. A Real suspenda a sua ida até nova determinação do soberano congresso.

"Tal, é Senhor, a importante verdade que o Senado da Câmara desta cidade, impelido pela Vontade do povo, que representa, tem a honra de vir apresentar à mui alta consideração de V. A. Real: cumpre demonstrá-Ia:

"O Brasil, que em 1808 viu nascer os vastos horizontes do Novo Mundo, a primeira aurora de sua liberdade. . . o Brasil, que em 1815 obteve a carta de sua emancipação política, preciosa dádiva de um rei benigno... o Brasil, finalmente, que em 1821, unido à mãe pátria, filho de tão valente como fiel, quebrou com elas os ferros do proscrito despotismo... recorda sempre com horror os dias da sua escravidão recém-passada... teme perder a liberdade mal segura que tem principiado a gozar... e receia que um futuro envenenado o precipite no estado antigo de suas desgraças...

..."É filho daquela recordação odiosa, daquele temor e deste receio, o veneno, que a opinião pública se apressou a lançar na carta de lei do 1º de outubro de 1821, porque se Ihe antojou que o novo sistema de governos de juntas, provisórias, com generais das armas, independentes delas, sujeitos ao Governo deste Reino, a este só responsáveis e às Cortes, tende a dividir o Brasil, e a desarmá-Io para o reduzir ao antigo estado de colônia, que só v.s escravos podem tolerar; e nunca, um povo livre, que se, pugna pelo ser, nenhuma força existe capaz de o suplantar.

"É filho das mesmas causas o veneno que a opinião pública derramou sobre a carta de lei do mesmo dia, mês e ano, que decretou a saída de V. A. Real, porque entendeu que este decreto tem por vista roubar ao Brasil o centro da sua unidade política, única garantia da sua liberdade e ventura.

"É filho das mesmas causas o dissabor e o descontentamento com que o povo constitucional e fiel recebeu a noticia da moção da extinção dos tribunais deste Reino, porque desconfiou que Portugal aspira a reedificar o império da sua superioridade antiga impondo-lhe a dura lei da dependência, e arrogando-se todas as prerrogativas de mãe como se durasse ainda o tempo da sua tutela extinta, sem se lembrar que este filho emancipado já, não pode ser privado com justiça dá posse de direitos e prreogativas que por legítima partilha lhe pertencem.

"É filho da mesma causa o reparo e susto com que o desconfiado brasileiro, viu que no soberano congresso se principiarão a determinar negócios do Brasil sem que tivesse reunidos todos os seus deputados, contra a declaração solene do mesmo soberano congresso tantas vezes ouvida com exaltado aplauso do povo brasileiro, porque julgou acabada de uma vez a consideração até então politicamente usada com esta importante parte da Monarquia.

"Tal é, Senhor, o grito da opinião pública nesta Provlneia. Corramos as vistas ligeiramente sobre as outras e que se pode esperar da sua conducta?

"Pernambuco, guardando as matérias primas da independência que proclamou, um dia malograda por imatura, mas não extinta, quem duvida que a levantará de novo se um centro próximo de união política a não prender?

"Minas principiou por atribuir-se um poder deliberativo, que tem por fim examinar os decretos das Cortes soberanas, e negar obediência àqueles que julgar opostos aos seus interesses, já deu acessos militares, trata de alterar a lei dos dízimos, tem entrado, segundo dizem, no projeto de cunhar moeda... E o que mais faria uma Província que se tivesse proclamado independente?

“São Paulo sobejamente manifestou os sentimentos livres, que possui nas políticas instituições que ditou aos seus ilustres deputados. Ele aí corre a expressá-Io mais positivamente pela voz de uma deputação que se apressa em apresentar a V. A. Real uma representação igual à deste povo!

"O Rio Grande de São Pedro do Sul vai significar a V. A. Real que vive possuído de sentimentos idênticos, pelo protesto deste honrado cidadão que vedes incorporado a nós.

"Dê-se ao Brasil um centro próximo de união de atividade; dê-se-Ihe uma parte do corpo legislativo e um ramo de poder executivo, com poderes, competentes, amplos, fortes e liberais, e tão bem ordenados, que formando um só corpo legislativo e um só poder executivo, só uma corte e só um rei, possa Portugal e o Brasil fazer sempre uma familia irmã, um só povo, uma só nação e um só império. E não oferecem os governos liberais da Europa exemplos semelhantes? Não é por esse sistema divino que a Inglaterra conserva unida a si a sua Irlanda?

"Mas, enquanto não chega este remédio tão desejado, como necessário, exige a salvação da pátria que V. A. Real, viva no Brasil para o conservar unido a Portugal. Ah! Senhor, se V. A. Real nos deixa, a desunião é certa. O Partido da Independência, que não dorme, levantará o seu império, e em tal desgraça, oh! que de horrores de sangue, que terrível cena aos olhos se levanta!

"Demorai-vos, Senhor, entre nós até dar tempo que o soberano congresso, já informado do último estado das cousas neste Reino e da opinião que nele reina, receba, as representações humildes deste povo constitucional e fiel, unidas às das demais Províncias. Dai tempo a que todas corram para este centro de unidade; que se elas vierem, a pátria está salva, aliás sempre estará em perigo. Dai afago aos votos dos seus filhos do Brasil.

"Façamos justiça à sua boa fé e veremos que as cartas de lei do 1º de outubro de 1821, que a tantas desconfianças tem dado causa, foram ditadas pelo estado da opinião que a esse tempo dominava neste Reino. Quase todas as Províncias declararam mui positivamente que nada queriam do governo do Rio de Janeiro e que só reconheciam o de Lisboa. V. A. Real o sabe, e V. A. Real mesmo foi obrigado a escrever para lá que não podia conservar-se aqui por falta de representação, politica, mais limitada do que a de qualquer capitão-general do governo antigo.

"Aparecem além disto nesta cidade dias aziagos!!! Correram vozes envenenadoras, que nem a pureza da conduta de V. A. Real, a todas as luzes conhecidamente constitucional perdoaram. Desejou-se (sou homem de verdade, hei de dizê-Io), desejou-se aqui, e escreveu-se para lá, que V. A. Real saísse do Brasil.

"Dados estes fatos, que são positivos e indubitáveis; que outra idéia se podia então apresentar ao soberano congresso que não fosse a de mandar retirar do Brasil a augusta pessoa de V. A. Real?

"Mas hoje que a opinião dominante tem mudado e tem principiado a manifestar-se, com sentimentos que os verdadeiros políticos possuíram sempre; hoje que todos querem o governo de V.,'A. Real, como remédio único de salvação contra os partidos da independência; hoje que se tem descoberto que aquelas declarações ou nasceram de cálculos precipitados, filhos da ocasião e do ódio necessário que todas as Províncias tinham ao Governo do Rio de Janeiro (pelos males que de cá Ihes foram, ou tiveram talvez por fim abrir os primeiros passos para uma premeditada independência absoluta); hoje finalmente, que todas vão caminhando para ela, mais ou menos, é sem dúvida de esperar que o soberano congresso, que só quer a salvação da pátria, conceda, sem hesitar, aos honrados brasileiros o remédio de um centro próximo de unidade, que com justiça lhe requerem.

"E como se poderá negar ao Brasil tão justa pretensâo? Se Portugal acaba de manifestar aos soberanos e povos da Europa que entre as poderosas e justificadas causas, que produziram os memoráveis acontecimentos que ali tiveram lugar nos regeneradores dias 21 de agosto e 15 de novembro de 1820, foi principal a da orfandade em que se achava pela ausência de Sua Majestade o sr. D. João VI, por ser conhecida por todos a impossibilidade de pôr em marcha regular os negócios públicos e particulares da Monarquia, achando-se colocado a 2.000 léguas o centro de seus movimentos, que razão de diferença existe para que o Brasil, padecendo os mesmos males, não será mais acertado conceder-lhe já o que por força se lhe há de dar?

"Tais são, Senhor, os votos deste povo, e protestando que vive animado da mais sincera e ardente vontade de permanecer unida a Portugal por um vínculo de pacto social, que fazendo o Bem geral de toda a nação, faça o do Brasil por meio de condições em tudo iguais, roga a V. A. Real que se digne de os acolher benigno e anuir a eles, para que aqueles vínculos mais e mais se estreitem e não se quebrem... por outra forma o ameaçado rompimento da independência e anarquia parece certo e inevitável."

Concluído o discurso. Foi lida a representação.

ATITUDE DUBIA DE D. PEDRO

UMA RESPOSTA CONTEMPORIZADORA E OUTRA DEFINITIVA

D. Pedro assumiu atitude vacilante, ao dar a seguinte resposta:

"Convencido de que a presença de minha pessoa no Brasil interessa ao bem de toda nação portuguesa e conhecido que a vontade de algumas Províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que as Cortes e meu Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito, com perfeito conhecimento das circunstância que têm ocorrido".

José Clemente Pereira, de uma das janelas do Paço, repetiu para o povo, as palavras de D. Pedro.

Descontentou a todos, a resposta de D. Pedro. Indignaram-se os oficiais portugueses, ao verem que D. Pedro decidira retardar a partida, desobedecendo às ordens das Cortes. Desagradaram aos brasileiros, aquelas palavras que constituem um simples adiamento da viagem e não a decisão de permanecer.

Compreendeu D. Pedro que se colocara em situação insustentável, não satisfazendo nem aos brasileiros, nem aos portugueses. Resolveu retroceder, talvez aconselhado por membros do Clube da Resistência. Poucas horas depois, mandou chamar José Clemente Pereira, e determinou-lhe que substituísse a primeira resposta pela seguinte:

"Como é para bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que Fico."

É oportuno salientar que os compêndios escolares não aludem à primeira resposta e, no tocante à segunda, quase todos suprimem as palavras: estou pronto.

São duas falsificações da nossa História, transbordante de mentira.

No dia seguinte, foi publicado o

EDlTAL DO SENADO DA CAMARA

O Senado da Câmara, tendo publicado ontem, com notável alteração de palavras, a resposta que V. A. Real o Príncipe Regente do Brasil se designou dar à representação que o povo desta cidade lhe dirigiu, declara que as palavras originais de que o mesmo Senhor se serviu foram as seguintes:

"Como é para bem de lodos e felicidade geral da nação, estou pronto; diga ao povo que fico"... O mesmo Senado espera que o respeitável público lhe desculpe aquela alteração, protestando que não foi voluntária, mas unicamente nascida do transporte de alegria que se apoderou de todos os que estavam no salão das audiências, sendo tão desculpável aquela falta, que todas as pessoas que acompanhavam o mesmo Senado, não tiveram dúvida em declarar que a expressão do edital que se acaba de publicar fora a própria de V. A. Real, com alguma pequena diferença.

"Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1822 - O Juiz de fora presidente, José Clemente Pereira."

Uma retificação escandalosa, ridicula, de vez: que a segunda declaração, quer na forma, quer no sentido, foi completamente diversa da primeira.

A Maçonaria e a Grandeza do Brasil.

A. Tenório D´Albuquerque.

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