O FICO. A VIBRAÇÃO DO PATRIOTISMO BRASILEIRO
"Amanheceu, enfim, aquele majestoso dia (9 de janeiro)”
narra Meio Morais, "e, logo pela manhã, reuniam-se os bons homens desta
cidade nas salas das sessões do Senado da Câmara, que era então no consistório
da Igreja do Rosário que servia de Sé. As 9 horas da manhã já o povo era muito,
e cobria as ruas e os largos imediatos ao consistório.
"Às 11 desceu a Câmara Municipal, composta naquele dia
dos membros que sairam e dos membros que entravam, e com o estandarte em
frente, sob a presidência de José Clemente Pereira.
"O préstito era numeroso; todos em grande gala
(vestidos com uniforme, capa e volta, informa, José Clemente), cabeça
descoberta, em duas alas, foram descendo pela rua do Ouvidor, em passo Iento,
até ao Paço da cidade, onde o príncipe real tinha determinado receber aquela
importante representação feita por modo tão solene, e até então desconhecido no
Brasil. Até hoje não se fez outra igual." (Brasil Reino, Brasil Império).
D. Pedro recebeu a delegação na sala do trono, que ficou
apinhada de gente. Era o ato culminante de nossa História.
Foram trocados os cumprimentos protocolares. As pessoas de
maior realce na Maçonaria lá estavam, ou melhor, os promotores, os propulsores
do movimento, sem exceção, eram maçons".
O DISCURSO DE JOSÉ CLEMENTE PEREIRA
Em meio do nervosismo dos assistentes; a vibraram de
patriotismo, o maçom José Clemente Pereira, leu um discurso de que reproduzimos
uns trechos:
"Senhor – A saida de V. A. Real dos Estados do Brasil
será o fatal decreto que sancione a Independência deste Reino. Exige, portanto,
a salvação da pátria, que V. A Real suspenda a sua ida até nova determinação do
soberano congresso.
"Tal, é Senhor, a importante verdade que o Senado da
Câmara desta cidade, impelido pela Vontade do povo, que representa, tem a honra
de vir apresentar à mui alta consideração de V. A. Real: cumpre demonstrá-Ia:
"O Brasil, que em 1808 viu nascer os vastos horizontes
do Novo Mundo, a primeira aurora de sua liberdade. . . o Brasil, que em 1815
obteve a carta de sua emancipação política, preciosa dádiva de um rei
benigno... o Brasil, finalmente, que em 1821, unido à mãe pátria, filho de tão
valente como fiel, quebrou com elas os ferros do proscrito despotismo... recorda
sempre com horror os dias da sua escravidão recém-passada... teme perder a
liberdade mal segura que tem principiado a gozar... e receia que um futuro
envenenado o precipite no estado antigo de suas desgraças...
..."É filho daquela recordação odiosa, daquele temor e
deste receio, o veneno, que a opinião pública se apressou a lançar na carta de
lei do 1º de outubro de 1821, porque se Ihe antojou que o novo sistema de
governos de juntas, provisórias, com generais das armas, independentes delas,
sujeitos ao Governo deste Reino, a este só responsáveis e às Cortes, tende a
dividir o Brasil, e a desarmá-Io para o reduzir ao antigo estado de colônia,
que só v.s escravos podem tolerar; e nunca, um povo livre, que se, pugna pelo
ser, nenhuma força existe capaz de o suplantar.
"É filho das mesmas causas o veneno que a opinião
pública derramou sobre a carta de lei do mesmo dia, mês e ano, que decretou a
saída de V. A. Real, porque entendeu que este decreto tem por vista roubar ao
Brasil o centro da sua unidade política, única garantia da sua liberdade e
ventura.
"É filho das mesmas causas o dissabor e o
descontentamento com que o povo constitucional e fiel recebeu a noticia da
moção da extinção dos tribunais deste Reino, porque desconfiou que Portugal
aspira a reedificar o império da sua superioridade antiga impondo-lhe a dura
lei da dependência, e arrogando-se todas as prerrogativas de mãe como se
durasse ainda o tempo da sua tutela extinta, sem se lembrar que este filho
emancipado já, não pode ser privado com justiça dá posse de direitos e
prreogativas que por legítima partilha lhe pertencem.
"É filho da mesma causa o reparo e susto com que o
desconfiado brasileiro, viu que no soberano congresso se principiarão a
determinar negócios do Brasil sem que tivesse reunidos todos os seus deputados,
contra a declaração solene do mesmo soberano congresso tantas vezes ouvida com
exaltado aplauso do povo brasileiro, porque julgou acabada de uma vez a
consideração até então politicamente usada com esta importante parte da Monarquia.
"Tal é, Senhor, o grito da opinião pública nesta
Provlneia. Corramos as vistas ligeiramente sobre as outras e que se pode
esperar da sua conducta?
"Pernambuco, guardando as matérias primas da
independência que proclamou, um dia malograda por imatura, mas não extinta,
quem duvida que a levantará de novo se um centro próximo de união política a
não prender?
"Minas principiou por atribuir-se um poder
deliberativo, que tem por fim examinar os decretos das Cortes soberanas, e
negar obediência àqueles que julgar opostos aos seus interesses, já deu acessos
militares, trata de alterar a lei dos dízimos, tem entrado, segundo dizem, no
projeto de cunhar moeda... E o que mais faria uma Província que se tivesse
proclamado independente?
“São Paulo sobejamente manifestou os sentimentos livres, que
possui nas políticas instituições que ditou aos seus ilustres deputados. Ele aí
corre a expressá-Io mais positivamente pela voz de uma deputação que se apressa
em apresentar a V. A. Real uma representação igual à deste povo!
"O Rio Grande de São Pedro do Sul vai significar a V.
A. Real que vive possuído de sentimentos idênticos, pelo protesto deste honrado
cidadão que vedes incorporado a nós.
"Dê-se ao Brasil um centro próximo de união de
atividade; dê-se-Ihe uma parte do corpo legislativo e um ramo de poder
executivo, com poderes, competentes, amplos, fortes e liberais, e tão bem
ordenados, que formando um só corpo legislativo e um só poder executivo, só uma
corte e só um rei, possa Portugal e o Brasil fazer sempre uma familia irmã, um
só povo, uma só nação e um só império. E não oferecem os governos liberais da
Europa exemplos semelhantes? Não é por esse sistema divino que a Inglaterra
conserva unida a si a sua Irlanda?
"Mas, enquanto não chega este remédio tão desejado,
como necessário, exige a salvação da pátria que V. A. Real, viva no Brasil para
o conservar unido a Portugal. Ah! Senhor, se V. A. Real nos deixa, a desunião é
certa. O Partido da Independência, que não dorme, levantará o seu império, e em
tal desgraça, oh! que de horrores de sangue, que terrível cena aos olhos se
levanta!
"Demorai-vos, Senhor, entre nós até dar tempo que o
soberano congresso, já informado do último estado das cousas neste Reino e da
opinião que nele reina, receba, as representações humildes deste povo
constitucional e fiel, unidas às das demais Províncias. Dai tempo a que todas
corram para este centro de unidade; que se elas vierem, a pátria está salva,
aliás sempre estará em perigo. Dai afago aos votos dos seus filhos do Brasil.
"Façamos justiça à sua boa fé e veremos que as cartas
de lei do 1º de outubro de 1821, que a tantas desconfianças tem dado causa,
foram ditadas pelo estado da opinião que a esse tempo dominava neste Reino.
Quase todas as Províncias declararam mui positivamente que nada queriam do
governo do Rio de Janeiro e que só reconheciam o de Lisboa. V. A. Real o sabe,
e V. A. Real mesmo foi obrigado a escrever para lá que não podia conservar-se
aqui por falta de representação, politica, mais limitada do que a de qualquer
capitão-general do governo antigo.
"Aparecem além disto nesta cidade dias aziagos!!!
Correram vozes envenenadoras, que nem a pureza da conduta de V. A. Real, a
todas as luzes conhecidamente constitucional perdoaram. Desejou-se (sou homem
de verdade, hei de dizê-Io), desejou-se aqui, e escreveu-se para lá, que V. A.
Real saísse do Brasil.
"Dados estes fatos, que são positivos e indubitáveis;
que outra idéia se podia então apresentar ao soberano congresso que não fosse a
de mandar retirar do Brasil a augusta pessoa de V. A. Real?
"Mas hoje que a opinião dominante tem mudado e tem
principiado a manifestar-se, com sentimentos que os verdadeiros políticos
possuíram sempre; hoje que todos querem o governo de V.,'A. Real, como remédio
único de salvação contra os partidos da independência; hoje que se tem
descoberto que aquelas declarações ou nasceram de cálculos precipitados, filhos
da ocasião e do ódio necessário que todas as Províncias tinham ao Governo do
Rio de Janeiro (pelos males que de cá Ihes foram, ou tiveram talvez por fim
abrir os primeiros passos para uma premeditada independência absoluta); hoje
finalmente, que todas vão caminhando para ela, mais ou menos, é sem dúvida de
esperar que o soberano congresso, que só quer a salvação da pátria, conceda, sem
hesitar, aos honrados brasileiros o remédio de um centro próximo de unidade,
que com justiça lhe requerem.
"E como se poderá negar ao Brasil tão justa pretensâo?
Se Portugal acaba de manifestar aos soberanos e povos da Europa que entre as
poderosas e justificadas causas, que produziram os memoráveis acontecimentos
que ali tiveram lugar nos regeneradores dias 21 de agosto e 15 de novembro de
1820, foi principal a da orfandade em que se achava pela ausência de Sua
Majestade o sr. D. João VI, por ser conhecida por todos a impossibilidade de
pôr em marcha regular os negócios públicos e particulares da Monarquia,
achando-se colocado a 2.000 léguas o centro de seus movimentos, que razão de
diferença existe para que o Brasil, padecendo os mesmos males, não será mais
acertado conceder-lhe já o que por força se lhe há de dar?
"Tais são, Senhor, os votos deste povo, e protestando
que vive animado da mais sincera e ardente vontade de permanecer unida a
Portugal por um vínculo de pacto social, que fazendo o Bem geral de toda a
nação, faça o do Brasil por meio de condições em tudo iguais, roga a V. A. Real
que se digne de os acolher benigno e anuir a eles, para que aqueles vínculos
mais e mais se estreitem e não se quebrem... por outra forma o ameaçado
rompimento da independência e anarquia parece certo e inevitável."
Concluído o discurso. Foi lida a representação.
ATITUDE DUBIA DE D. PEDRO
UMA RESPOSTA CONTEMPORIZADORA E OUTRA DEFINITIVA
D. Pedro assumiu atitude vacilante, ao dar a seguinte
resposta:
"Convencido de que a presença de minha pessoa no Brasil
interessa ao bem de toda nação portuguesa e conhecido que a vontade de algumas
Províncias assim o requer, demorarei a minha saída até que as Cortes e meu
Augusto Pai e Senhor deliberem a este respeito, com perfeito conhecimento das
circunstância que têm ocorrido".
José Clemente Pereira, de uma das janelas do Paço, repetiu
para o povo, as palavras de D. Pedro.
Descontentou a todos, a resposta de D. Pedro. Indignaram-se
os oficiais portugueses, ao verem que D. Pedro decidira retardar a partida,
desobedecendo às ordens das Cortes. Desagradaram aos brasileiros, aquelas
palavras que constituem um simples adiamento da viagem e não a decisão de
permanecer.
Compreendeu D. Pedro que se colocara em situação insustentável,
não satisfazendo nem aos brasileiros, nem aos portugueses. Resolveu retroceder,
talvez aconselhado por membros do Clube da Resistência. Poucas horas depois,
mandou chamar José Clemente Pereira, e determinou-lhe que substituísse a
primeira resposta pela seguinte:
"Como é para bem de todos e felicidade geral da nação,
estou pronto, diga ao povo que Fico."
É oportuno salientar que os compêndios escolares não aludem
à primeira resposta e, no tocante à segunda, quase todos suprimem as palavras:
estou pronto.
São duas falsificações da nossa História, transbordante de
mentira.
No dia seguinte, foi publicado o
EDlTAL DO SENADO DA CAMARA
O Senado da Câmara, tendo publicado ontem, com notável
alteração de palavras, a resposta que V. A. Real o Príncipe Regente do Brasil
se designou dar à representação que o povo desta cidade lhe dirigiu, declara
que as palavras originais de que o mesmo Senhor se serviu foram as seguintes:
"Como é para bem de lodos e felicidade geral da nação,
estou pronto; diga ao povo que fico"... O mesmo Senado espera que o
respeitável público lhe desculpe aquela alteração, protestando que não foi
voluntária, mas unicamente nascida do transporte de alegria que se apoderou de
todos os que estavam no salão das audiências, sendo tão desculpável aquela
falta, que todas as pessoas que acompanhavam o mesmo Senado, não tiveram dúvida
em declarar que a expressão do edital que se acaba de publicar fora a própria
de V. A. Real, com alguma pequena diferença.
"Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 1822 - O Juiz de fora
presidente, José Clemente Pereira."
Uma retificação escandalosa, ridicula, de vez: que a segunda
declaração, quer na forma, quer no sentido, foi completamente diversa da
primeira.
A Maçonaria e a Grandeza do Brasil.
A. Tenório
D´Albuquerque.
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