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domingo, 21 de abril de 2019

INCONFIDÊNCIA MINEIRA

INCONFIDÊNCIA MINEIRA
(a proclamada Maçonaria... que não houve)
João Dias de Souza Filho

Antes de qualquer digressão, mister se faz uma profissão de fé, como crença na pureza de ideal de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Há quem o julgue um mero "bode expiatório", sobre quem recaiu toda culpa sobre o fracasso momentâneo da Inconfidência Mineira e, esse fracasso, teria acontecido porque, basicamente, Tiradentes era pobre, ainda que com larga experiência de vida. 

Ele não tinha nada a perder. Não tinha dinheiro, não tinha propriedades, não explorava minas de ouro, não comprava e nem vendia escravos. Até muito pelo contrário. Em determinada ocasião, enfrentou um comerciante de escravos. Saiu no "tapa" como se diria hoje. Os dois foram levados à autoridade e, esta entendeu que Tiradentes não tinha razão. Prendeu-o e, mais, ele perdeu os muares que tinha e que negociava.

Ele, não tinha nada a perder. Não era letrado, no sentido de cultura humanística. Contrapondo-se à pobreza cultural, ele tinha uma riqueza impressionante, pelo Brasil e por suas coisas e, por essas coisas, falava alto e bom som, para quem o quisesse ouvir, até mesmo, espiões da Coroa. 

Ele, não tinha nada a perder. Era, inclusive, um inocentão, que tinha como amigo do peito, nada mais nada menos do que Joaquim Silvério dos Reis, que devia e devia muito para a Coroa e que, em determinado momento, entendeu que suas dívidas seriam perdoadas, desde que ele prestasse um "servicinho" à Coroa, delatando, pura e simplesmente, os inconfidentes, inclusive, seu amigo, o Joaquim José, conhecido pelos caminhos das minas gerais, como o exímio "tirador de dentes", ou, como passou para a história, como Tiradentes. 

Então, Tiradentes não tinha nada a perder e sobre ele se abateu todo o peso da ira da Coroa e, para ele, não teve clemência, não teve, como se diz hoje, "colher de chá". 

Ele não tinha nada a perder, apenas tinha uma coisa valiosa para dar em favor do Brasil. E, deu-a. Deu sua vida, legou-nos seu exemplo e a força de seu ideal, quando disse que "... se todos quiserem faremos do Brasil, uma grande nação". O desafio lançado por Tiradentes, nos fins do século XVIII, continua aberto à geração de todos nós, brasileiros do século XXI. 

Pelo que fez e pelo que realizou, sobretudo, pelo exemplo de nascente cidadania, Joaquim José, o nosso Tiradentes, bom de conversa e forte na discussão, ele foi, em vida, o que hoje denominamos e, raramente encontramos, um "homem de espírito público". 

Tiradentes passou à história, sem dúvida alguma, como herói. Um homem de boa fé e que foi usado, por maus companheiros, porque, se desse certo a revolta de Minas Gerais, jamais, jamais ele seria o chefe de um novo Governo. Jamais. 

Posteriormente, ele foi usado, não pessoalmente, mas, na sua memória que, rediviva, foi uma bandeira de luta, para a geração que desfraldou a bandeira da causa republicana. 

Vejamos, alguns aspectos dessa história, em apertada síntese. Imagine-se o quadro e a paisagem. Ano: 1792. Dia da semana: sábado, como hoje. Dia do mês: 21. Mês: abril. Local: Cadeia Pública do Rio de Janeiro. Povo na rua, para assistir o martírio de Tiradentes. Soldados da Rainha, Da. Maria, a Louca, estavam em trajes de gala. 

No interior da lúgubre Cadeia, pelo raiar do novo dia, alguns personagens anônimos desta narrativa, trabalharam mais cedo. Entre eles, o barbeiro e, o que ia o barbeiro fazer na cadeia pelo fim da madrugada? Ia para cortar o cabelo de Tiradentes e, fazer-lhe a barba. O corte de cabelo, aqui, era raspar tudo, deixá-lo careca. E, o barbeiro, assim o fez, cumpriu o seu papel.

Qual era o outro personagem? Era o meirinho, ou seja, o Oficial de Justiça que solicitou que Tiradentes se despisse de seus trajes. Deu-lhe um camisolão branco. Cordas exageradamente grossas, cerceavam os movimentos de Tiradentes. Ele levava no peito, um crucifixo. 

Terceiro personagem da narrativa. Frei José Maria do Desterro, Frade do Convento de Santo Antônio, que ouviu a confissão de Tiradentes. Qual seria o grande pecado? Dar a vida pêlos irmãos... Ouvida a confissão, deu-lhe a comunhão e, em seguida, ofereceu-lhe a extrema-unção. 


O condenado estava preparado para seguir em frente, rumo ao patíbulo. Formou-se a estranha procissão. Abriram-se os portões da infecta Cadeia. O prisioneiro seguia em meio à procissão, ladeado por piedosos Irmãos da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Soldados por todos os lados, para manter a ordem e, pelo uniforme de gala, revelava-se que o dia era de festas, porque se ia matar, aniquilar, para falar pouco, um subversivo: Joaquim José, Tiradentes. A estranha procissão chegou ao seu final: o cadafalso. 

Vencidos os degraus da escada, à vista de toda multidão, o Frei José Maria do Desterro, rezou com Tiradentes, o Credo e, ambos rezaram, pelo que dizem os cronistas, com voz forte, com uma força que "não se sabia de onde vinha". 

Exatamente às 11H20 do dia 21 de abril de 1792, a sentença foi executada. Aos 46 anos, morria Tiradentes. O Governo fez, de sua morte, um espetáculo. 

E, o espetáculo continuou. A exploração política do crime dos inconfidentes, não parou aí. O sadismo do Governo, tinha planejado um segundo momento da lição, ou seja, o esquartejamento do corpo de Tiradentes e, assim o fez. Pêlos caminhos das Minas Gerais, seu corpo foi espalhado.

Em Vila Rica, no entanto, a coisa se superou. Novamente, povo nas ruas e o Visconde de Barbacena comandou o tétrico espetáculo: a cabeça de Tiradentes foi colocada em um poste, presa por uma corrente de ferro, para assustar e amedrontar o povo. 

Quem, hoje, visita Ouro Preto, conhece o Monumento Nacional e Patrimônio da Humanidade. Nesse local, estão sepultados, muitos dos inconfidentes, contudo, falta um: Tiradentes. Não lhe deram sepultura cristã. Simbolicamente, no entanto, ele está sepultado na terra do Brasil e, seu sangue generoso terá inspirado outras tantas lutas em prol da sedimentação do processo político libertário do povo brasileiro.

O ideário da Inconfidência: 

O programa de Governo dos inconfidentes, em resumo de resumo, contemplava os seguintes pontos: emancipação de Portugal, com o advento de um país republicano; criação de uma Universidade em Vila Rica e a capital do novo país, seria São João Del Rei. Progresso demográfico, com incentivo à maternidade: o país precisava de gente e, de maneira urgente. 

Grande parte dos inconfidentes devia ao Estado e, a darem certas as coisas, suas dívidas seriam perdoadas. A coisa seria zerada. Esta foi uma verdade lamentável.

O povo negro não tinha perspectiva. Os mulatos e crioulos, seriam libertados, contudo, os negros, estes deveriam continuar na escravidão. Talvez fossem alvo de uma libertação lenta e gradual. Sem pressa. Temiam os inconfidentes que os negros, uma vez libertados, lutassem, na resistência, em favor de Portugal, portanto, não havia dúvida, os negros iriam continuar escravos.

Influência da Maçonaria: 

Há historiadores que forçam a barra a respeito da participação da Maçonaria no processo histórico da Inconfidência Mineira. Há, outros escritores, pesquisadores e historiadores, que provam por "a" mais "b" que a Maçonaria, de forma institucionalizada não esteve nesse evento. 

Desse equívoco, até saiu samba-enredo apresentado por Escolas de Samba do 1º Grupo, que desfilam na Marquez de Sapucaí... 

Não existem provas sólidas e idôneas que Tiradentes e, os demais revoltosos tenham sido maçons. O que se admite, como tal, eram alguns maçons que foram associados à Maçonaria na Europa e, nunca, no Brasil. 

Tiradentes, apreciava os filósofos do Iluminismo, notadamente, os franceses, libertários e pregadores de um ideal que culminou com a Revolução Francesa. Tiradentes apreciava os revolucionários americanos, igualmente responsáveis pela Independência dos Estados Unidos. 

Há quem veja na expressão "mazombo", uma corruptela da palavra maçom, sinal dessa participação. Uma não tem nada a ver com a outra: a primeira era dedicada aos filhos de portugueses, brancos, nascidos no Brasil e que torciam pela terra brasileira. Igual expressão era utilizada em relação a mulatos e crioulos e, maçom, era outra coisa. Outro fato que atribuem à influência maçônica na causa da Inconfidência era a presença do Triângulo na bandeira da revolta. Esse Triângulo tinha significado religioso e, dedicado à Santíssima Trindade. Nada mais. Maçonicamente falando, a primeira Loja Regular fundada no Brasil, foi a Loja Reunião e, isto no ano de 1801, filiada ao Oriente da França. A partir desse ano, firmou-se, de forma institucionalizada, a Maçonaria no Brasil. Depois, bem depois da Inconfidência Mineira. 

Prelecionam e, muito bem, José Castellani e Frederico Guilherme da Costa que "... a Maçonaria não houve na vida de Tiradentes, mas os ideais da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, estavam com ele. Não é preciso ser Maçom para conceber sua Pátria livre. A Maçonaria não precisa iniciar Tiradentes; basta beber o espírito de liberdade contido neste mito de herói que deslumbrou e continuará a deslumbrar todo o mundo livre". 

A exploração da República:

No século XIX o Brasil passou por verdadeira ebulição social. 

Participamos de uma guerra contra o Paraguai, em meio a um processo, lento e gradual, pela libertação dos escravos. Aqui mesmo, em Sorocaba, de forma pioneira, a Loja Maçônica Perseverança III deu importante contributo para a emancipação da escravatura. 

Outra causa que sustentou a chama política do século XVIII foi a questão da República e, os apóstolos da causa da República, foram buscar, em Tiradentes, a figura mística da qual precisavam para empolgar o povo. 

Foi dos ativistas republicanos que surgiu a idéia de se apresentar a figura de Tiradentes com a imagem de Cristo. Barbas e cabelos longos, à imagem e semelhança do doce Rabi da Galiléia. 

Luiz Gama, grande abolicionista negro, jornalista e republicano, no primeiro número do jornal comemorativo do dia 21 de abril 1892, escreveu um artigo intitulado "À Forca, o cristo da multidão". A forca seria a cruz de Jesus, o Rio de Janeiro a Jerusalém e o Calvário, o bairro do Rocio. 

O abuso e o exagero dos republicanos, não parou por aí. No no VII da publicação "O TIRADENTES", José Murilo informa que um artigo "escrito por republicanos mineiros chegava a atribuir a Tiradentes maior fortaleza moral do que a de Cristo. Ele teria recebido com maior serenidade a sentença: Cristo suara sangue". 

O culto a Tiradentes tomou forma definitiva com o advento da República. Em 1890, foi decretado que a data de 21 de abril, seria feriado nacional. O importante jornal da época, editado no Rio de Janeiro, chamado "O Paíz", dizia no dia 21 de abril de 1891, algo bem significativo a respeito de Tiradentes, referindo-se "... a vaporosa e diáfana figura da Inconfidência, pálida e aureolada, serena e doce como a de Jesus Nazareno". Tiradentes, segundo se lê, "... foi a vítima imolada no altar da Pátria. O modelo ideal do herói cívico e do imaginário republicano". 

As palavras de Castellani:

Fazemos, nossas, as palavras de José Castellani e de Frederico Guilherme Costa, "in "A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não houve": "Numa sociedade profundamente cristã, a figura do herói cívico, associada, pela sua conduta serena diante da morte, ao próprio Cristo, aceitando o martírio de forma nobre, sem provocar derramamento de sangue dos semelhantes, confirma a possibilidade do lema da "Liberdade Ainda Que Tardia" para àqueles que acreditassem no seu sacrifício. 

Tiradentes não é uma propriedade da República que decretou feriado o dia 21 de abril. Não se presta a veículo de propaganda dos governos militares que por lei de 1965 o declarou Patrono Cívico da nação brasileira e mandou pendurar retratos do herói nas repartições públicas. Não representa o herói cívico-militar como pretendeu José Walsh Rodrigues, colaborador do integralista Gustavo Barroso, ao pintá-lo com uniformes militares. 

Olhando para o passado haveremos de decifrar a mitologia e o simbolismo do fenômeno Tiradentes, passando pelo momento da implantação do mito de origem e do herói de Vila Rica. 

O Mito Tiradentes pertence a todos nós; é um pedaço de cada brasileiro que contribui para a construção de uma Alma definitiva para o progresso e unidade da Nação-Brasil". 

Uma Nação-Brasil que queremos seja formada por homens livres e de bons costumes, para que possamos ter, uma sociedade justa e perfeita. Permanece, como mensagem e desafio permanente a todos nós, brasileiros do século XXI a máxima de cidadania dita por Tiradentes: "Se todos Quizerem Faremos do Brasil, uma Grande Nação". 

João Dias de Souza Filho, é jornalista profissional e sócio efetivo do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba - cadeira "Padre André Pieroni Sobrinho". 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1 - A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não houve - José Castellani e Frederico Guilherme Costa; 
2- Toda História - História geral e História do Brasil - José Jobson de A. Arruda e Nelson Piletti; 
3- O que é a Maçonaria - A. Tenório de Albuquerque; 
4- Os Maçons Que Fizeram a História do Brasil - José Castellani; 
5- Revistas : "Brasil Rotário", "O Prumo", "A Trolha" e a Minerva Maçônica, publicações maçônicas de Florianópolis, Londrina e Brasília/DF;
6- Internet - Site do Grande Oriente do Brasil. 

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