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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

EVOLUÇÃO DOS RITUAIS DO REAA

Em 21/09/2019 o Respeitável Irmão Warley P. Marques, Loja Major Adolfo Pereira Dourado, 1.632, REAA, GOB-PA, Oriente de Belém, Estado do Pará, solicita opinião para o seguinte:

EVOLUÇÃO DOS RITUAIS

Como a Evolução dos Rituais ou seria Des-evolução, pelo fato de a maioria dos Rituais Simbólicos em vigência não respeitarem o Simbolismo e o arcabouço doutrinário do Rito (Origem, Filosofia, Proposta, Circunstancias e Tempo Histórico de Surgimento...). O que o dileto Irmão, com seu vasto conhecimento poderia nos nomear como Prática Autêntica em relação ao R.E.A.A. (Regresso as Suas Origens)? Em tempo, lhe agradeço de antemão por sua grande contribuição aos Irmão que o solicitam... em especial a este que vos escreve!

COMENTÁRIOS:

Depende sob qual ponto de vista se vê essa evolução. Aqui no Brasil, em se tratando do Grande Oriente do Brasil, um grande passo foi dado nos meados dos anos 90 do século passado. 

Por aqui, de há muito o Rito Escocês virou uma verdadeira colcha de retalhos, isso porque desde os primeiros rituais editados em solo brasileiro os mesmos sofreram muitos enxertos de práticas de outros ritos, por exemplo, inverteram Colunas copiando o Rito Moderno e do Rito Adoniramita, azularam o Rito, colocaram Aprendizes no Sul e Companheiros no Norte, copiaram a prova da Taça Sagrada, inventaram pálio com espadas, etc., etc., etc.

A cisão de 1927 ocorrida no GOB e a fundação das Grandes Loas Estaduais brasileiras ainda trouxe mais enxertos, sobretudo aqueles baseados no Craft norte-americano e utilizados para reconhecimento da recém fundada Obediência no Brasil. Delas podem-se citar o Altar dos Juramentos no centro, Diáconos com bastões formando pálio com o Mestre de Cerimônias, aventais azuis, etc. – nada disso é original no REAA.

Compreende-se que tudo se deu pelas circunstâncias do tempo, mas mesmo assim muitas práticas alienígenas ainda continuam presentes e acabaram virando hábitos consuetudinários. Uma delas, por exemplo, e a Instalação esotérica do Venerável Mestre (originalmente isso não existe no REAA). 

Somado a tudo isso ainda vem as incensações, preces, acendimentos de velas, minutos de silêncio e outros costumes completamente alheios à originalidade do Rito e contrários ao seu arcabouço doutrinário. 

Há ainda as interferências creditadas à Legislação Maçônica, sobretudo numa Obediência que possui pluralidade de Ritos – vide, por exemplo, as disputas para ocupação do Oriente e, particularmente das cadeiras que ficam ao lado do Venerável – essas cadeiras só deveriam existir quando o Grão-Mestre estivesse presente, no entanto, constam dos rituais. Páginas e mais páginas do Ritual com procedimentos para ingressos formais, o que não é parte essencial para a disciplina do Rito.

Assim, aqui no Brasil, desde os meados do século XIX muitos rituais apareceriam repletos de enxertos e invenções sendo no decorrer do tempo editados e adotados o que acabou proliferando no Rito costumes e práticas inadequadas e contrárias à proposta doutrinária. Aliás, até hoje esse detalhe tem sido completamente ignorado, fazendo com que muitas práticas ritualísticas sejam exercidas de modo equivocado e defendida por ferozes ritualistas que colecionam rituais e "acham" que os seus são os certos – esses geralmente procuram só pelo que está escrito, deixando de lado os propósitos velados nas entrelinhas dos símbolos e das alegorias (ou talvez não saibam mesmo).

Destaco com isso a enorme quantidade de rituais errados que foram, e continuam sendo, por aqui editados, o que tem servido de combustível para arautos da verdade (não importa o que esteja escrito, mas se está escrito é o certo). Isso tem dificultado a verdadeira prática porque, segundo os tais colecionadores, importa que "naquele ritual" as coisas eram assim, ou até o ano tal "era assim que se fazia". Na verdade, essas atitudes perpetuam erros porque os "apaixonados" pelo anacronismo só entendem as velhas ilações achando-os como elementos verdadeiros. Sob essa égide está a complexidade do assunto.

É bem verdade que não é só na Maçonaria tupiniquim que as coisas assim acontecem. A França, berço do REAA, desde o aparecimento do seu primeiro ritual, em 1804, também não ficaria distante das anomalias. Para tal pode-se citar como exemplo o que ocorreu no primeiro quartel do século XIX no Grande Oriente da França oportunidade que essa Obediência arrogou para si o governo, além do simbolismo, também o dos graus capitulares, até o 18º, deixando para o Supremo Conselho apenas os demais graus acima do 18º. Isso então proporcionou o aparecimento das já extintas Lojas Capitulares que à época trouxera práticas do capítulo que pelas circunstâncias seriam adaptadas no simbolismo. É o caso, por exemplo, do Oriente elevado e dividido por balaustrada (originalmente isso não existia no simbolismo do rito). Adaptado esse costume, mais tarde, quando da extinção das Lojas Capitulares, ainda que não original, o Oriente permaneceu elevado e dividido tal qual se apresenta até os dias atuais, isto é, virou consuetudinário pela sua prática sistemática. 

Há que se compreender também o desenvolvimento da Maçonaria Francesa que, nos meados do século XVIII, nada conhecia do sistema dos Antigos de 1751, sendo com isso influenciada pelos Modernos ingleses de 1717. Nesse palco da história na França florescia à parte o sistema do "escocesismo" e os seus altos graus sem a existência dos graus simbólicos, tanto que o REAA somente teria o seu primeiro ritual em 1804 e baseado nos costumes dos antigos, herdado das Lojas Azuis norte-americanas. Até então os três primeiros graus na França eram praticados conforme o Rito Francês (Regulateur du Maçon) com algumas tradições das Lojas Mães Escocesas.

Esse, sem dúvida é um elemento importante para que se possa entender amiúde a liturgia e a ritualística do simbolismo do REAA, pois isso é que daria formato e corpo aos rituais verdadeiros, mesclando-se a isso as concepções deístas da Maçonaria Francesa que influenciaria diretamente na organização da topografia do Templo, bem como dos símbolos e alegorias pertinente à escola simbólica – sem essa percepção não há como entender os propósitos doutrinários do Rito em questão.

Ainda aqui no Brasil é oportuno salientar que por muitos anos o GOB foi uma potência mista, isto é, congregava junto aos graus simbólicos do REAA também a escola dos graus superiores. Devido a isso é que por um bom tempo o Grão-Mestre Geral dera também o Soberano Grande Comendador. Esclarecimentos à parte, o tratamento de Soberano dado ao Grão-Mestre Geral ainda hoje fora herdado dessa época. 

Essas características aqui no Brasil afetariam o simbolismo do REAA, já um tanto quanto misturado com o Rito Moderno, ou Francês, e Adoniramita (Colunas B e J invertidas e interiorizadas, Vigilantes dispostos simetricamente no Ocidente, prova da taça sagrada, etc.). Assim, por influência dos altos graus atrelados aos costumes capitulares mencionados, também outras práticas às vezes eram indevidamente utilizadas no simbolismo. Por exemplo o de algumas perambulações e circulações contrárias ao sentido horário utilizado no simbolismo do Rito – muitos desses rituais defendidos ferozmente por "colecionadores de rituais" traziam essas incongruências hauridas dos altos graus.

Por certo, isso é coisa do passado, entretanto como fantasmas não se pode negar ainda a existência dessas interferências, sobretudo por força de "tratados de reconhecimento" entre a Obediência Simbólica e os Altos Corpos dos Ritos. Isso pode ser constatado em alguns rituais que trazem inclusive no seu conteúdo previsões para receber autoridades dos Altos Corpos, até mesmo dando-lhes direito de se apresentarem nos trabalhos da Loja sem os paramentos do simbolismo, isto é, paramentados conforme o previsto nos "altos graus". É bom que se diga que isso está em total desacordo com o simbolismo, sobretudo porque vivemos sob a égide de uma Obediência Simbólica que é composta universalmente por apenas e tão somente de três graus.

A parte a isso, também entra em análise o desenvolvimento da Maçonaria francesa já nos séculos XIX e pelo menos até os meados do século XX. Isso é importante porque o aprimoramento e a consolidação dos rituais do REAA na França se dão concomitantemente aos acontecimentos desse período, destacando as questões políticas de reconhecimento pela Grande Loja Unida da Inglaterra e consolidação das três principais Obediências, o Grande Oriente da França, a Grande Loja da França e da Grande Loja Nacional Francesa. Vale a pena entender esse processo, pois mesmo na França, cada uma dessas Obediências, não raras vezes, apresenta rituais do REAA diferenciados entre si. Inclusive a Grande Loja Nacional Francesa, prevê até Instalação do Venerável Mestre, mesmo se sabendo que originalmente ela não existe no escocesismo.

Assim, sob esses parâmetros o verdadeiro simbolismo do REAA se desenvolveu e se consolidou, não só pelas nocivas influências externas, mas também para se adequar àquilo que doutrinariamente o Rito emprega, ou seja, embora com influências teístas da Maçonaria anglo-saxônica que fora haurida das Lojas Azuis norte-americanas quando da execução do ritual de 1804, sabe-se que a sua essência é incontestavelmente deísta ao trabalhar no aperfeiçoamento humano tendo como pano de fundo a investigação da Natureza. É sob essa óptica que verdadeiramente o REAA trabalha no seu simbolismo. Vem daí a divisão topográfica dos seus Templos, a decoração da abóbada sob o ponto de vista do hemisfério Norte, as nove luzes litúrgicas acesas conforme o Grau, as doze constelações do Zodíaco e os alinhamentos que se associam no espaço e no tempo com os ciclos da Natureza (comparando a vida do iniciado a esses ciclos); o movimento diário do Sol, a revolução anual do Sol na sua eclíptica, a Marcha do Mestre conexa ao movimento aparente do Sol (solstícios e equinócios), as dimensões do Templo conferidas simbolicamente a um segmento da superfície terrestre, precisamente sobre o equador, razão pela qual do 2º Vigilante fica ao Meio-Dia; as Colunas B e J designadas como Colunas Solsticiais por representarem a passagem dos trópicos de Câncer e Capricórnio no espaço da Loja, etc.

Tudo isso veio paulatinamente sendo desenvolvido e colocado junto aos símbolos tradicionais herdados da Maçonaria de Ofício. Assim, muitos rituais antigos podem até não trazer a decoração tradicional que hoje conhecemos, mas a ideia embrionária já estava colocada pelo perfil de aprimoramento desenvolvido no Rito. Essa é a questão mais importante, pois nem tudo aparece, mas é parte importante do contexto. É mister que o maçom compreenda isso e não fique procurando só o que está pronto, já que nem tudo que está pronto é fruto da verdade.

Sabe-se, por exemplo que o Pavimento Mosaico é uma a alegoria importantíssima no contexto simbólico, entretanto ele não fazia parte dos primeiros rituais. A Estrela Flamejante é a mesma coisa, foi inclusive trazida de outro rito, não como enxerto, mas como elemento alegórico (ornamento da Loja) para servir ao Segundo Grau. No caso da abóbada, por exemplo, muitos rituais falam apenas em uma abóbada azulada, outros a mencionam "salpicada de astros estrelas e nuvens", porém hoje sabemos a importância da sua decoração como fator de localização do zênite, do setentrião e do meridião, sobretudo quando os relacionamos com a posição do Sol no canteiro de trabalho (Templo). As Colunas Zodiacais são outro exemplo, elas não constam em todos os rituais, apareceriam para indicar sobre os seus capitéis, em relação à base da abóbada, a existência de cada constelação zodiacal a ela correspondente. Muitos templos trazem na abóbada apenas a marcação das constelações, ou os símbolos do Zodíaco, outros, ao contrário, trazem as Colunas como indicação sem nada aparecer marcado na base da abóbada. Tanto um quanto o outro é aceitável, pois o importante é saber que o caminho do iniciado, sob a abóbada celeste (na Terra) é marcado e projetado sobre o Pavimento – caminhos coincidentes aos topos das Colunas do Norte e do Sul (paredes Norte e Sul). Outros tantos mais poderiam ser mencionados, mas não é o caso para essa ocasião. O importante é saber interpretar o porquê da existência desses símbolos e alegorias, seus significas e a sua leitura esotérica – estando eles como matéria aparente ou abstrata.

Assim, por hora é isso que superficialmente se pode falar sobre as formatações dos rituais do REAA. Esse campo é por deveras vasto e precisa ser compreendido por dois aspectos: um deles é o da história e evolução do rito no seu ambiente cultural, político e social, o outro é compreender a mensagem que traz cada símbolo e cada conjunto simbólico no contexto doutrinário do Rito. Assim, é bom que por primeiro se compreenda qual é o propósito do seu arcabouço doutrinário. Considerar alguma coisa contrária ao que significa evolução, tratando-a como "involução" creio que isso pode se dar quando aparecem, por exemplo, descabidas propostas para reviver práticas fantasiosas que já foram extirpadas. De tudo, é bom saber nada está pronto e muito ainda há para se pesquisar e descobrir. 

Por fim, é imperativo se compreender que uma mudança, nas atuais circunstâncias, não significa necessariamente uma novidade, entretanto muitas vezes é o retorno àquilo que é tradicional e verdadeiro. Às vezes, de tanto consumirmos água impura, fica difícil compreender quando ela nos é apresentada limpa e livre das impurezas.

T.F.A.
PEDRO JUK - jukirm@hotmail.com
Fonte: pedro-juk.blogspot.com.br - 15/12/2019

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