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quarta-feira, 13 de maio de 2020

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E OS MAÇONS

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E OS MAÇONS
(Odálio Botelho, advogado aposentado)

Oh! Maria, vês me curvo
Na face do presente escuro e turvo
E interrogo o porvir;
Ou levantando a voz sobre os montes, –
“Liberdade”, pergunto aos horizontes,
Quando enfim hás de vir?
(CASTRO ALVES)

Nas primitivas e verdejantes paisagens das férteis terras de Pindorama, mais tarde chamada de Terra de Vera Cruz e/ou Terra de Santa Cruz, nos meados do século XVI, os nativos viviam em harmonia com a dadivosa mãe Natureza, que lhes propiciava o alimento de frutas silvestres, raízes e a caça e pesca abundantes. Era uma conjugação perfeita, até que surgiram os portugueses, ávidos por riquezas minerais das terras recém-descobertas. Não prosperaram as inúteis tentativas de escravização dos silvícolas.

Os colonizadores portugueses viram, então, que a solução do uso da mão-de-obra seria valer-se do trabalho escravo de nossos infelizes irmãos africanos Surgiram, em consequência, os “navios negreiros” abarrotados de negros africanos, delatados nas críticas e corajosas poesias do maçom baiano Castro Alves, o “poeta dos escravos”.

Os maçons engajados na luta pela abolição da escravidão, batendo de frente com a poderosa aristocracia escravagista, contam-se às centenas, maçons ilustres e maçons humildes, mas todos, objetivando uma causa comum, a extinção dessa mancha da humanidade. Mas, a dificuldade maior estava em casa, pois, essa aristocracia era formada, em sua maioria, por maçons grandes fazendeiros. Aqui, neste acanhado espaço, vou fazer um breve comentário sobre alguns poucos abolicionistas, os quais, não ocupam lugar de destaque nos livros escolares e, que foram, para mim, da maior significância:

LUIS Gonzaga Pinto da GAMA: Filho duma escrava livre e de um boêmio e jogador e, também, fidalgo português fracassado, nasceu escravo e foi vendido pelo seu infeliz pai ao alferes Antônio Pereira Cardoso, que pretendia revendê-lo. Porém, o fato de ser baiano (era uma mancha no currículo) fazia de Luis Gama um indesejado. Não conseguindo comercializá-lo, restou ao alferes levá-lo para sua propriedade em São Paulo.

Aprendeu a ler e escrever com a ajuda do jovem Antônio Rodrigues do Prado Junior. Foge e ingressa na Marinha. Torna-se amanuense da Secretaria de Polícia de São Paulo. Frequentou como ouvinte a Faculdade de Direito de São Paulo, onde sofreu as agruras do preconceito e repulsa de professores e estudantes. Então, como autodidata, tornou-se rábula, ou seja, advogado sem formatura, libertando mais de quinhentos (500) presos pobres, a maioria escravos, um feito inédito no mundo. Escrevia poemas e tornou-se jornalista prático.

Negro, o poeta, escritor, jornalista e advogado, ingressou na Ordem Maçônica, na Loja América, tornando-se defensor dos oprimidos, pobre por opção, pois gastava seus honorários nas despesas de alforria para os escravos libertos. Os seus escritos incomodavam e ultrapassavam fronteiras. As sucessivas vitórias no Tribunal do Júri e no foro, fizeram-no ser respeitado por todos. A sua luta maior era contra os clérigos e magistrados. Os padres e freiras usavam, sem nenhum pudor, os serviços dos escravos. Conta-se que num convento havia 300 escravos. Os magistrados, por sua vez, impregnados de laivos preconceituosos, relutavam em reconhecer direitos aos escravos. Luis Gama morreu em 1882, com 52 anos de idade, seis anos antes da edição da Lei Áurea, porém, deixando como legado a sua coragem e a sua intelectualidade em livros e jornais daquela época. São do conhecimento de todos as críticas ácidas de suas poesias e a famosa carta deixado ao filho, pouco antes de sua morte, em 1886.

ANTÔNIO BENTO de Souza e Castro: Juiz de Direito, formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, ex-Promotor, o qual, diante do túmulo de Luis Gama, jurou continuar sua obra abolicionista.

Para cumprir tal mister, ele organizou uma radical sociedade secreta que denominou de “Os Caifazes”, cujos membros eram recrutados em todas as camadas sociais e, principalmente, nas três principais lojas maçônicas de São Paulo: “América”, “Piratininga” e “Amizade”.

Essa sociedade retirava à força das fazendas paulistas os escravos e encaminhava-os para o Quilombo de Jabaquara, em Santos, ou então, para os quilombos do Rio de Janeiro.

Francisco Barbosa Gê Acayaba MONTEZUMA: Médico e advogado, negro, chegou a ser a maior autoridade maçônica do seu tempo, ao ocupar o cargo de Grande Comendador Soberano do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, organismo que ele trouxe da Bélgica e que disciplinou a maçonaria brasileira, ainda em ascensão à época, no século XIX.

Em data de 17 de maio de 1865, o maçom Acayaba, então Senador e agraciado com o título de Visconde de Jequitinhonha, apresentou aos seus pares no Senado vários projetos de extinção gradual da escravidão. Tratava-se de propostas de cunho conciliatório, tímidas, bem peculiar aos liberais da época, os quais, não queriam se indispor com os poderosos senhores de escravos.

Político conservador e “caramuru”, ou seja, um partidário do imperador Pedro I no período das regências, Montezuma foi ministro de estado por duas vezes e fundou o IAB – Instituto dos Advogados do Brasil e o Instituto Histórico e Geográfico do Brasil.

Adolfo BEZERRA DE MENEZES: Cearense radicado no Rio de Janeiro, era conhecido como o “médico dos pobres”, foi político, mas notabilizou-se pelo seu excelente trabalho na divulgação da doutrina espírita. Era maçom. Escreveu o livro “A ESCRAVIDÃO NO BRASIL”, publicado pela Tipografia Progresso, Rio de Janeiro, em 1869, onde, no preâmbulo, sob o título “AO PÚBLICO”, resume toda a temática do livro: “Nenhuma questão, segundo penso, reclama tão serenamente a atenção de quem se interessa pelo bem estar e futuro do paíz, como a da emancipação da escravatura”. A obra é um libelo contra a escravidão e, tenho certeza, influenciou em muito os leitores e admiradores do autor.

Aqui, nesse findar de tópico, a explicação porque omiti os nomes dos “medalhões”. Muitos eram políticos e, por isso, são bastante homenageados com os seus nomes estampados nos logradouros públicos. Estes que ora homenageio, não se vê os nomes deles em obras públicas, não obstante os seus valorosos trabalhos. Alguém conhece uma rua com o nome de Luis Gama?

Importante ressaltar que a Lei Áurea, assinada pela Princesa Izabel, em 13 de maio de 1888 e que extinguiu a escravidão no país, também foi assinada pelo maçom Rodrigo Augusto da Silva, então Ministro da Agricultura.

Fontes: “A maçonaria e a libertação dos escravos”, ALBUQUERQUE Tenório de, Editora Aurora, Rio de Janeiro, 1999; “Maçonaria Negra”, Editora A Trolha, Londrina-PR, 1999; “Os maçons e a abolição da escravatura”, Editora A Trolha, Londrina-PR.

Fonte: https://www.dm.jor.br

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