Cloves Gregorio
Muitas são as teorias sobre a utilização de vestes pretas na maçonaria, que vão desde influências do collegia fabrorum até a popular falácia de que a cor preta tem a função de absorver energias. Mas hoje ao invés de abordar a coloração como um todo, vamos nos aprofundar apenas em um vestuário, em dias de sol escaldante, o temeroso terno preto.
Hoje está enraizado na fraternidade e normatizado através de nossos Rituais de que a roupa ideal para se frequentar uma sessão é o terno preto (mesmo sabendo que terno é um conjunto de três peças e que quase nunca utilizamos o colete), mas será que sempre foi assim? Vamos conferir!
Consultando as leis e regulamentos de algumas Obediências que operaram no Brasil durante os Séculos XIX e XX não constatei qualquer regulação sobre vestimenta, mas levando em consideração que as leis e regimentos em vigência hoje de minha Potência também não regula (ficando a cargo dos rituais dos diferentes ritos), investiguei em antigos rituais da citada época.
Analisando os Rituais do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA) de 1857 e 1904, oriundos do Grande Oriente do Brasil (GOB), constatei que a vestimenta de praxe eram: casaca, colete, camisa, calça, sapatos e logicamente o avental. Mas nunca especificando a cor (exceto do avental que sempre foi muito bem definido de acordo com o grau). Já no ritual do REAA da Grande Loja Symbolica do Rio de Janeiro de 1928, no Capítulo dos “Títulos, distinções e trajes” já normaliza a vestimenta:
Para as sessões magnas o traje de rigor é preto, com luvas brancas. Na estação calmosa, porém, o traje poderá ser branco, com gravata preta.
Então percebemos que em certo momento não havia regulação, mas que eram vestes convencionadas, já em 1928 há uma obrigatoriedade no uso de vestimenta especificada. Mas tanto o modelo convencionado, quanto depois o obrigatório eram baseados em que? Para entender o assunto vamos fazer o que eu mais gosto, revisitar a história!
Em um texto chamado “Vestiário burguês e aristocrático do século XIX” do blog “Viajar no tempo” nos diz que:
O traje masculino mostrou-se menos dado a modas e a variações. A generalização do trabalho a todas as classes e o conceito de homem másculo, pouco interessado em «trapos», impuseram-se pouco a pouco.Mas também o seu vestuário sofreu algumas evoluções.
Três das peças principais do traje masculino foram a casaca, o colete e as calças. Mas a casaca saiu gradualmente do uso quotidiano para se transformar em traje de cerimônia. Em sua substituição surgiram a sobrecasaca, que descia abaixo dos joelhos e o casaco, à maneira de hoje, aparecido no começo da «Belle Époque» . As calças, que muitos ainda usavam de tipo calção durante o estilo «Império», eram compridas, surgindo o respectivo vinco só no final do século.
Durante muito tempo preferiram-se tecidos diferentes para a casaca (ou seus substitutos), o colete e as calças. por baixo vestia-se uma camisa e punha-se sempre uma gravata, cuja forma variou muito. A casaca de cerimônia, preta a partir do estilo «”º Império», sofreu depois a concorrência do smoking, usado aliás em momentos diferentes.
Bem, levando em consideração que os homens então da maçonaria no Século XIX eram em sua maioria parte da aristocracia, ou no mínimo estudados e/ou com alguma posse, estes seguiam o padrão de vestimenta da classe, o que explica a casaca, o colete e a calça nos rituais de 1857 e 1904. Mas e a cor? Eu consigo imaginar a cor preta facilmente, mas para provar meu ponto utilizarei um trecho do artigo “Pedro II e o império de casaca: os sentidos de poder nos trajes masculinos no Segundo Império” de Joana Moraes Monteleone (2017) que diz:
A casaca, as calças e o preto. Esses foram os três elementos que compuseram a base da silhueta masculina no século XIX. A partir dos anos 1850, D. Pedro II passou os anos de seu governo com casacas e calças pretas – eram sua vestimenta preferida e também a maneira com a qual gostava de ser retratado. Mais do que uma imagem burguesa, ao vestir-se com calças e casacas pretas – e também com camisa branca, gravata, relógio de ouro e comendas – D. Pedro era o retrato do poder aristocrático no século XIX. Era, portanto, muito mais do que imperador cidadão, era um imperador do mundo, espelhando homens poderosos de outras cortes e de outros impérios.
Tendo em vista esse cenário, quem não iria querer usar as mesmas cores que o imperador? Mas ainda temos uma questão para responder. Como chegamos ao famigerado terno preto que tanto amamos? Levando em consideração as questões levantadas anteriormente, acredito que o nosso terno preto tenha sido incorporado a maçonaria do Brasil, ainda por influência europeia, caminhando por essa linha de pensamento achei um artigo de John Hamill (2015) chamado “A história do traje formal na Maçonaria e seu apelo para os maçons mais jovens” que fala justamente da evolução do vestuário da fraternidade na inglaterra sendo diretamente influenciado pelas duas grandes guerras, então explica que antes disso normalmente eram utilizados smoking e que durante a primeira guerra mundial devido a escassez de material o vestuário chegou a ser apenas paletó e gravata preta ou o uniforme para militares da ativa e na segunda guerra mundial passou para ternos diurnos (morning suits, infelizmente não achei tradução melhor para falar da variada elegância inglesa), que continua popular até os dias de hoje.
Conclusão:
Devido ao desenrolar dessa pequena pesquisa, acredito piamente que o terno preto seja uma influência direta do vestuário europeu na sociedade brasileira, mesmo possuindo temperaturas gritantemente diferentes. Eu particularmente, gosto de me vestir bem para a prática dos trabalhos litúrgicos. A meu ver, traz importância ao momento solene. John Hamill (2015) ainda em seu pequeno artigo diz que “Como tantas outras coisas, na Maçonaria há um simbolismo na maneira como nos vestimos. Como sempre foi dito, quaisquer que sejam as circunstâncias de um indivíduo na vida, na Maçonaria somos todos iguais.”, que eu corroboro diante da uniformidade da vestimenta preta, e acredito que deixa todos os irmãos em nível de igualdade.
Referências
Ritual do Aprendiz Maçom – REAA (GOB) – 1857
Ritual do Aprendiz Maçom – REAA (GOB) – 1904
Ritual do Aprendiz Maçom – REAA (Grande Loja Symbolica do Rio de Janeiro) – 1928
Blog “Viajar no Tempo”. Vestiário burguês e aristocrático do século XIX.
MONTELEONE, Joana Moraes. Pedro II e o império de casaca: os sentidos de poder nos trajes masculinos no Segundo Império. 2017. Scielo.
HAMILL, John. the history of formal dress in Freemasonry and its appeal for younger masons. 2015. Freemasonry Today.
Fonte: http://www.maconariatupiniquim.com.br
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