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terça-feira, 15 de setembro de 2020

MULHER-MAÇONARIA

MULHER-MAÇONARIA
Autor: Carlos Alberto Carvalho Pires
ARLS Acácia de Jaú, Nº 308 – GLESP – Oriente de Jaú, SP

A práxis para o estudo de qualquer assunto maçônico envolve o desenvolvimento de uma pequena jornada no tempo e espaço, em busca dos elementos seminais que determinaram a síntese subjetiva que vemos hoje. Toda obra arquitetônica definitiva se entrelaça ao primeiro traço na prancheta, onde jazem os verdadeiros fundamentos.

Lançar nosso olhar pós-moderno sobre ideias que se cristalizaram ao longo de milênios de conhecimento acumulado, como as existentes no 18º Landmark de Mackey (1856), pode ser uma atitude temerária. Temos que considerar as diferentes formas de interpretar a realidade que definem o pensamento humano ao longo de toda evolução histórica. Assim alcançamos a ascese intelectual que brota das luzes emblemáticas da Ágora de Hiram, rumo à sublimação.

Podemos dividir a evolução do pensamento humano em cinco fases distintas, todas simbolicamente representadas em Loja. 

O Venerável-Mestre traduz o Homem Primordial ou primeiro Homo sapiens, que estabeleceu as bases das tradições esotéricas;

O Primeiro Vigilante é o Homem Greco-Romano, aquele que codificou os grandes temas político-filosóficos do mundo ocidental;

O Segundo Vigilante se mostra como o Homem Medieval, cujo espírito se acomodava sob o dossel da transcendência divina;

No Oriente existe a figura do Homem Moderno, com sua crença absoluta na razão esclarecida, incorporado pelo Orador; 

Por fim temos aquele que quebrou todos os paradigmas de fé, seja na natureza, na religião ou na ciência – é o Irmão Secretário irrompendo entre Colunas como metáfora do Homem Pós Moderno.

Estas cinco Colunas basilares da Oficina estabelecem cinco retas entre si que criam uma figura geométrica justa, quando conectadas. A chamada estrela pentalfa representa um sistema dinâmico onde o macro e o microcosmo se fundem. Esta síntese psíquica gira no sentido dextrogiro, em torno do altar dos juramentos, como uma cruz gamada absorvendo energias do universo. A união alquímica entre as mentes antigas e as atuais, dos grandes pensadores do passado e dos iniciados contemporâneos, se torna uma realidade simbólica.

A estrela do conhecimento repentinamente trava seu movimento, tal qual o astro-rei nos solstícios. Seu eixo aponta para o altar do Venerável Mestre. A partir deste ponto começaremos nossa jornada meditativa, focando a mente do Primeiro Homem. Nesta fase não existiam casas, cidades, reinos nem qualquer forma de organização social. Os homens vagavam errantes pela mãe África. Caçando e colhendo frutos, gozavam uma vida paradisíaca.

Apesar da aparente paz, os grandes questionamentos sobre os fenômenos naturais, biológicos e filosóficos já inquietavam a arena psicológica dos pioneiros. Nossos antepassados concluíram que devia haver uma realidade paralela imperceptível aos cinco sentidos. Esse outro mundo estaria na penumbra, como um universo oculto, determinando nossos destinos.

A beira do completo caos psíquico que estas angústias traziam, surgiu a redenção. Um determinado membro do grupo, dotado de carisma profético, assumiu seu bios político bradando que podia explicar os mistérios ocultos. Este sábio, mago, druida, sacerdote ou bruxo afirmava entender o conjunto de ideias desconexas que fogem à compreensão racional. Para dar sentido a estes pensamentos inquietantes seria preciso regrá-los, enquadrando-os em procedimentos ritualísticos elaborados.

Os rituais primordiais ocorriam em cavernas profundas, à luz de tochas. O xamã fazia pinturas artísticas nas paredes, reproduzindo pictogramas, além de figuras de animais e de entes antropomórficos. Só participavam dos trabalhos aqueles que eram convidados, pois nem todos apresentavam as mínimas qualificações espirituais para compreender esta visão expandida da realidade. Surgiam as chamadas “comunidades dos escolhidos”- ekklesia em grego.

Os sábios perceberam que para decifrar um mistério era preciso vivenciá-lo: tinham que encarar o poder de frente e vencê-lo, voltando ilesos das jornadas cheias de riscos a que se submetiam. A forma de se trabalhar estas angústias, sem submeter os voluntários a riscos reais, seria interpretá-las através de narrativas simbólicas.

Para definir a essência dos temas mitológicos, consideraram a existência de certas ideias que operavam em aparente antagonismo, mas que mantinham estreita conexão de sentidos. Estabelecendo uma relação dialética, dois conceitos – tese e antítese – acabavam se assimilando em um terceiro, que incorporava elementos das duas proposições anteriores. Como exemplos destes sistemas temos o dia e a noite, a vida e a morte, o finito e o infinito, o micro e o macrocosmo, o sol e a lua e muitos outros. Toda ritualística tinha que incorporar apenas um dos polos desta relação para ter efetividade. A partir desta escolha se estabelecia a tradição a ser seguida e respeitada ad aeternum.

Muitas vertentes esotéricas consideraram a dualidade macho/fêmea e as estações do ano para a construção das narrativas. Sabemos que existem duas fases distintas a cada giro da Terra em volta do Sol. A primeira seria voltada ao reinado da vida, da luz, do calor e da abundância, que engloba a primavera e o verão. A segunda se refere às estações onde impera o frio, a fome, as doenças, o medo, e a morte – falamos do outono e do inverno.

A vida vegetal, que floresce nas épocas de Sol e decai nos meses de trevas, brota do ventre da Terra assim como os animais nascem do ventre de suas mães. A Terra, assim, assumia o epíteto de Mãe-Terra ou Deusa. Os cultos primordiais eram dedicados a esta figura poderosa, com forte ligação às coisas da natureza. Repletas de signos relativos à fertilidade, estas ordens tinham nas sacerdotisas a fonte de veneração. Destacam-se os cultos à Isis, à Innana, à Hera, à Ceres, à Maria Madalena e à Minerva.

O principio fertilizador, necessário ao advento da vida, era o Sol. Isso porque quando ele se afasta, a vida fraqueja. No inverno o astro praticamente morre. Seu óbito ocorre metaforicamente no solstício de inverno, em 21 de dezembro. E quando o Sol falece, deixa viúva a Mãe-Terra. Restam apenas no deserto gelado alguns troncos perenes, os “troncos-da-viúva”, e raras folhagens que resistem às intempéries, como as acácias.

Outros grupos resolveram não adotar o conceito ontológico da Mãe-Terra. As narrativas deviam transcender o reino telúrico e chegar, triunfantes, aos céus. Criaram-se os mitos solares. O Sol passava a ser o protagonista das narrativas. Nestes procedimentos, o herói tem um nascimento tumultuado, depois passa por inacreditáveis situações de risco, sendo muitas vezes lançado em rios, enclausurado em arcas ou berços improvisados. Após uma juventude misteriosa, tem um momento de “iluminação”, quando ouve um chamado.

Este é o estopim para o início de uma viagem em que o iniciado vai resgatar algo que era legitimamente seu, mas que foi usurpado por uma força injusta. Repleta de perigos, esta epopeia geralmente leva os bravos aos confins do oriente. Lá está o objeto de redenção, que se desdobra em várias figuras arquetípicas, como o cálice sagrado, a pedra filosofal e a palavra perdida. Depois de achar o que procurava, e derrotar o maior dos adversários – um ente que representa as forças primitivas e elementares da natureza – o conquistador retorna são e salvo ao seu grupo, fortalecido e equilibrado.

A viagem heroica é uma metáfora do processo de individuação. Representa a busca pela identidade que todos devem empreender para atingir a maturidade. O homem tem que conhecer o papel individual que lhe foi reservado, e que vai marcar sua fugaz passagem pela vida. Esta sabedoria só é possível através do autoconhecimento, fenômeno acessível apenas àqueles que adentram aos mais profundos labirintos de nosso subconsciente.

Toda experiência maçônica nada mais é do que uma complexa e elaborada jornada psíquica: trafegamos do mundo consciente, simbolizado pelo Ocidente, aos planos mais profundos do inconsciente, representado pelo Oriente. Os trabalhos ritualísticos traduzem a busca atemporal por aquilo que foi perdido em tempos imemoriais. A falta deste objeto intangível nos torna seres incompletos e eternamente angustiados em nossa subjetividade.

Assim como Mitra, Apolo, Krishna, Rama, Gilgamesh, Hórus, Teseu, Prometeu e Hércules, nosso herói Hiram Abiff é um mito solar. Todos personificam o polo masculino, positivo e ativo da relação dialética entre macho e fêmea. Por esta opção ancestral realizada pelos primeiros doutrinadores de nossa Ordem apenas homens devem ser escolhidos para vivenciar, na plenitude, as experiências místicas inerentes ao universo simbólico da sagrada Arte Real.

Fonte:https://opontodentrocirculo.com

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